16/12/2014

dein theologischer Typ, so ein abgefeimter Erzvogel, der auf die Spekulation spekuliert

Dois anos mais tarde, isto no original.


Ich: [...] »Ihr verlaßt euch darauf, daß der Stolz mich an der zur Rettung notwendigen Zerknirschung hindern wird und stellt dabei nicht in Rechnung, daß es eine stolze Zerknirschung gibt. Die Zerknirschung Kains, der der festen Meinung war, seine Sünde sei größer, als daß sie ihm je verziehen werden möchte. Die contritio jede Hoffnung und als völliger Unglaube an die Möglichkeit der Gnade und Verzeihung, als die felsenfeste Überzeugung des Sünders, er habe es zu grob gemacht, und selbs die unendliche Güte reiche nicht aus, seine Sünde zu verzeihen, — erst das ist die wahre Zerknirschung, und ich mache euch darauf aukmerksam, daß sie der Erlösung am allernächsten, für die Güte am allerunwiderstehlichsten ist. Ihr werdet zugeben, daß der alltäglich-mäßig der Gnade nur mäßig interessant sein kann. In seinem Fall hat der Gnadenakt wenig Impetus, er ist nur eine matte Betätigung. Die Mittelmäßigkeit führt überhaupt kein theologisches Leben. Eine Sündhaftigkeit, so heillos, daß sie ihren Mann von Grund aus am Heile verzweifeln läßt, ist der wahrhaft theologische Weg zum Heil.

Er: »Schlaukopf! Und woher will deinesgleichen die Einfalt nehmen, die naive Rückhaltlosigkeit der Verzweiflung, die die Voraussetzung wäre für diesen heillosen Weg zum Heil? Es ist dir nicht klar, daß die bewußte Spekulation auf den Reiz, den große Schuld auf die Güte ausübt, dieser den Gnadenakt nun schon aufs äußerste unmöglich macht?«

Ich: »Und doch kommt es erst durch dies Non plus ultra zur höchsten Steigerung der dramatisch-theologischen Existenz, das heißt: zur verworfensten Schuld und dadurch zur letzten und unwiderstehlichsten Herausforderung an die Unendlichkeit der Güte.«

Er: »Nicht schlecht. Wahrlich ingeniös. Und nun will ich dir sagen, daß genau Köpfte von deiner Art die Population der Hölle bilden. Es ist nicht so leicht, in die Holle zu kommen; wir litten längst Raummangel, wenn Hinz und Kunz hineinkämen. Aber dein theologischer Typ, so ein abgefeimter Erzvogel, der auf die Spekulation spekuliert, weil er das Spekulieren schon von Vaters Seite im Blut hat, — das müßte mit Kräutern zugehen, wenn der nicht des Teufels wär.«


Thomas Mann. Doktor Faustus. Fischer Verlag (2008) 331-332

14/12/2014

Considerações contraditórias sobre milagres

Τὸ Θάμα κουτουλάει τὴν πραγματικότητα, ἀνοίγει τρύπα καὶ μβαίνε.
O milagre atira-se contra a realidade, abre uma fenda, e passa.

Kazantzakis. "Relato ao 'El Greco'". Tradução minha


The most incredible thing about miracles is that they happen. A few clouds in heaven do come together into the staring shape of one human eye. A tree does stand up in the landscape of a doubtful journey in the exact and elaborate shape of a note of interrogation. I have seen both these things myself in the last few days. Nelson does die in the instant of victory; and a man named Williams does quite accidentally murder a man named Williamson; it sounds like a sort of infanticide. In short, there is in life an element of elfin coincidente which people reckoning on the prosaic may perpetually miss. As it has been well expressed in the paradox of Poe, wisdom should reckon on the unforeseen.

G.K. Chesterton, "The Blue Cross"

12/12/2014

Selanik


Criança turca espreita para o fotógrafo escondida atrás dum túmulo islâmico em Selanik, aka Thessaloniki. 1915.

Menos de 10 anos mais tarde toda a população turca virá a ser expulsa de Selanik (por meio de acordos bárbaros que expulsaram também a população grega das suas terras ancestrais na Anatólia). Numa cidade onde em tempos conviveram judeus cristãos e muçulmanos (a 'Jerusalém dos Balcãs') resta apenas um único túmulo muçulmano, o monumento a um santo dervish que foi poupado à destruição porque foi apropriado pela associação de amigos do clube de futebol do bairro, e que hoje está abandonado, supostamente fechado a correntes mas com garrafas de cerveja partidas pelo meio do chão.

04/12/2014

um poema do Geoffrey Hill

Vou agorar voltar-me para o número imenso dos mortos:
Pois eles são as cascas do que foi já rica semente.
Agora, se para lhes darem de comer a um só lugar acorressem,
Sua vaga extensa excederia os gafanhotos.

Arthur, Elaine, Mordred; todos eles partiram
Para as galerias ripadas de osso.
Nos longas mamoas de Logres transformam-se num só,
E sobre a sua mole erguem-se pináculos de milho.


Geoffrey Hill. Tradução minha.


I will consider the outnumbering dead:
For they are the husks of what was rich seed.
Now, should they come together to be fed,
They would outstrip the locusts’ covering tide.

Arthur, Elaine, Mordred; they are all gone
Among the raftered galleries of bone.
By the long barrows of Logres they are made one,
And over their city stands the pinnacled corn.

01/12/2014

O Salvador perfeito / The perfect Saviour

As palavras mais profundas alguma vez escritas. A perfeita união (ένωση) do ocidente e do oriente, que só podia acontecer na terra que sempre soube que não pertencia nem a um nem a outro.

Ficaram algum tempo calados sob a árvore em flor. O Buda acariciava lentamente, com compaixão, os cabelos do seu querido discípulo.
— A Salvação significa ser-se salvo de todos os salvadores. É esta a liberdade suprema, a mais elevada, onde só é possível respirar com dificuldade. Será que aguentas?
Ananda baixou a cabeça e não respondeu.
— Ou seja, agora entendes que o perfeito Salvador é...
Por instantes calou-se enquanto brincava com uma flor que tinha caído da árvore:
— É o Salvador que salvará a humanidade da Salvação.

Tradução minha.

Κάμποση ὥρα ὤμειναν ἀμίλητοι κάτω ἀπὸ τὸ ἀνθισμένο δέντρο. Ὁ Βούδας χάδεψε ἀργά, πονετικά, τὰ μαλλιὰ τοῦ ἀγαπημένου μαθητῆ.
— Σωτηρία θὰ πεῖ νὰ λυτρωθεῖς ἀπ'ὅλους τοὺς σωτῆρες · αὐτή 'ναι ἡ ἀνώτατη λευτεριά, ἡ πιὸ ἀψηλή, ὅπου μὲ δυσκολία ἀναπνέει ὁ ἄνθρωπος. Ἀντέχεις;
Ὁ Ἄναντα εἶχε σκύψει τὸ κεφάλι καὶ δὲ μιλοῦσε.
— Καταλαβείνεις λοιπὸν τώρα ποιὸς εἶναι ὁ τέλειος Λυτρωτής...
Σώπασε, καὶ σὲ λίγο, παίζοντας ἀνάμεσα στὰ δάχτυλά του ἕναν ἀνθὸ πού 'χε πέσει ἀπὸ τὸ δέντρο:
— Ὁ Λυτρωτὴς ποὺ θὰ λυτρώσει τοὺς ἀνθρώπους ἀπὸ τὴ λύτρωση.

Kazantzakis.

They remained silent for some time beneath the flowering tree, Buddha slowly, compassionately caressing the beloved disciple's hair.
"Salvation means deliverance from all saviours. This is the supreme freedom, the highest, where a man breathes only with difficulty. Do you have the endurance?"
Ananda had bowed his head. He did not speak.
"In other words, now you understand who is the perfect Saviour..."
He fell silent for a moment, but then, twisting between his fingers a blossom which had fallen from the tree: "It is the Savior who shall deliver mankind from salvation."

Tradução de Peter Bien.

22/11/2014

Tempora labuntur (Ovídio)


Tempora labuntur, tacitisque senescimus annis,
     et fugiunt freno non remorante dies.
/Prospera lux oritur: linguis animisque favete;
     nunc dicenda bona sunt bona verba die/
Ite, deam læti Fortem celebrate, Quirites:
     in Tiberis ripa munera regis habet.
Pars pede, pars etiam celeri decurrite cumba,
     nec pudeat potos inde redire domum.
/Lite vacent aures, insanaque protinus absint
     jurgia: differ opus, livida turba, tuum./
/Flamma nitore suo templorum verberat aurum,
     et tremulum summa spargit in æde jubar./
/Salve, læta dies, meliorque revertere semper,
     a populo rerum digna potente coli./
Ferte coronatæ juvenum convivia, lintres,
     multaque per medias vina bibantur aquas.

Ovídio. Fasti. Retalho de I.71-88 & VI.771-780. Tradução minha.

Tropeçam os tempos, envelhecemos na mudeza dos anos,
     e os dias fogem de nós sem travão algum que os retenha.
/Nasce uma luz benfazeja: atenção à língua e ao espírito,
     que num dia assim alegre a alegria é o único tema./
/Ide felizes, Romanos, celebrai a deusa Sorte
     que reina nas margens do Tibre e lá sua corte reúne./
Uns podem ir a pé, os outros que corram de barco,
     chegar a casa com os copos não é vergonha nenhuma.
/Ninguém se zangue, e acabem já com esses loucos
     insultos: por uma vez, multidão pálida, refreia a tua azáfama./
/A chama ao brilhar reverbera no ouro dos templos,
     de cima a baixo preenche o santuário com o seu radiante tremor./
/Salve, dia abençoado, e regressa sempre melhor
     serás também então adorado por este povo imperial./
Jangadas coroadas, trazei até nós os jovens em festa,
     e que no curso da água bebam em abundância vinho.

17/11/2014

«I swear by faith and god’s omnipotence / And by the soul and all its eloquence»

Vis and Ramin then swore no force could sever
The love that bound the two of them forever
Ramin spoke first: «I swear by god, and by
His sovereignty that rules the earth and sky
I swear now by the sun and by the light
The shining moon bestows on us at night
I swear by Venus and by noble Jupiter
I swear by bread and salt and flickering fire
I swear by faith and god’s omnipotence
And by the soul and all its eloquence
That while winds scour the wastelands in the mountains
While waters flow in the rivers and in the fountains
While nights have darkness and streams have fishes
While stars have courses and while souls have wishes
Ramin will not regret his love or break
The binding oath that he and Vis will now make
He will never take another love, or cease
To give his heart exclusively to Vis.»

Vis promises love when Prince Ramin had spoken
And swore his promises will not be broken
She gave him violets then and murmured: «Take
This pretty posy, keep it for my sake
Keep it forever, so that when you see
Fresh violets blooming you’ll remember me
And may the soul that breaks this solemn vow
Darken and droops as these poor flowers do now
Each time I see the spring’s new flowers appear
I will recall the oath we swore to here
May anyone that breaks this oath decay
And wither as fresh flowers do – in a day.»

P128-129

Fakhruddin Gorgani. Vis & Ramin. Dick Davis (trad).Mage Publishers (2008)

15/11/2014

um poema de John Ash

A Long Encounter

Only the dead don’t know
what heaven's like. For the rest
extrapolation is possible.

To meet someone for the first time
and immediately adore them, as if
they were the sun, would be one instance.

I don’t mean you should fall in love
with this person, simply that when they speak
from the far end of a littered table

you should know you have entered a new country,
and its landscape, architecture and songs
will continue to embrace and fascinate you

through long years. An avenue has opened
and its trees are pricked with lights.
There is nothing you can’t afford, if what

is expended is sympathy. These people
are to be treasured and celebrated
as if each were a public holiday,—

the planting of the first harvest
after a long and terrible voyage,
the construction of the first house in a wilderness.


John Ash. Disbelief. Carcanet (1987)

11/11/2014

Atheísmo e Polytheísmo

«ὥσπερ γὰρ ἐλέγομεν τὴν πολυθεότητα ἀθεότητα εἶναι, οὕτως ἀνάγκη τὴν πολυαρχίαν ἀναρχίαν εἶναι.»

Athanasius de Alexandria. Κατὰ Εἰδώλων [Contra Gentes]. 38

«o politeísmo é ateísmo da mesma forma que a poliarquia é anarquia.»

«polytheism is atheism in the same way that polyarchy is anarchy.»

Mais fascinante porém do que a mera citação em seco é a compreensão do quão absolutamente de acordo podemos estar, o que de forma alguma seria de esperar. O que se passa é que descobrimos neles raciocínios verdadeiramente bem-sucedidos, e nos quais nos revemos completamente. A única coisa que muda é a avaliação do resultado obtido — aquilo que para o Athanásio era algo horrível a ponto do anathema para mim é uma conclusão emotiva e num certo sentido quase sacra. Tirem o quase. Verbum salutis.

01/11/2014

Goethe — Primeira Elegia Romana



Tradução e leitura minhas (do original alemão) da primeira Elegia Romana do Goethe.

Saget, Steine, mir an, o! sprecht, ihr hohen Paläste!
Straßen, redet ein Wort! Genius, regst du dich nicht?
Ja, es ist Alles beseelt in deinen heiligen Mauern,
Ewige Roma; nur mir schweiget noch Alles so still.
O! wer flüstert mir zu, an welchem Fenster erblick' ich
Einst das holde Geschöpf, das mich versengend erquickt?
Ahn' ich die Wege noch nicht, durch die ich immer und immer,
Zu ihr und von ihr zu gehn, opfre die köstliche Zeit?
Noch Betracht' ich Kirch' und Palast, Ruinen und Säulen,
Wie ein bedächtiger Mann schclich die Reise benutzt.
Doch bald ist es vorbei; dann wird ein einziger Tempel,
Amors Tempel nur sein, der den Geweihten empfängt.
Eine Welt zwar bist du, o rom; doch ohne die Liebe
Wäre die Welt nicht die Welt, wäre denn Rom auch nicht Rom.


Pedras, falem comigo. Digam algo, altos Palácios.
       Ruas, uma palavra que seja. Génio, então não acordas?
Sim, tudo tem vida nas tuas santas muralhas,
       Roma Eterna; é só para mim que tudo se torna silêncio.
E quem me revelará o nome, a janela onde pela primeira vez
       Vislumbrarei a doce criatura que me arde e restaura?
Inacreditável, ainda não acertei nos caminhos por onde vagueio
       E dela me achego e me afasto, e deito o meu tempo a perder.
Visito igrejas, palácios, ruínas, colunas,
       Como convém a um turista que bem aproveita a viagem.
Mas isso não durará. Só me interessa um único templo,
       O Templo de Amor; só nele prestarei o meu culto.
Que és todo um mundo não nego, ó Roma. Mas sem o Amor
       Como poderia o mundo ser mundo? Como poderia Roma ser Roma?



Foto: Eliott Erwitt. Roma (1996)

26/10/2014

2 Ls (Lucrécio & Louise Glück)

death cannot harm me
more than you have harmed me,
my beloved life

Louise Glück, October in Averno. Carcanet (2006)

25/10/2014

Psalmo 23


O Salmo 23 («O Senhor é o meu pastor» etc) lido por mim em várias línguas.

(Na imagem: Pentecostes, @ Santa Cruz de Coimbra, 1535)

Ordem das edições:

Hebraico — Stuttgardensia (???)
Grego — Septuaginta (???)
Latim — Vulgata Nova (1975)
Português — Bíblia de Almeida (1694)
Italiano — Bíblia de Antonio Martini (1778)
Inglês — Bíblia de Geneva (1599)
Francês — Bíblia de Port Royal (1667)
Alemão — Bíblia de Luthero (1545)



1. Biblia Hebraica Stuttgardensia

א  מִזְמוֹר לְדָוִד:    יְהוָה רֹעִי, לֹא אֶחְסָר.
ב  בִּנְאוֹת דֶּשֶׁא, יַרְבִּיצֵנִי;    עַל-מֵי מְנֻחוֹת יְנַהֲלֵנִי.
ג  נַפְשִׁי יְשׁוֹבֵב;    יַנְחֵנִי בְמַעְגְּלֵי-צֶדֶק, לְמַעַן שְׁמוֹ.
ד  גַּם כִּי-אֵלֵךְ בְּגֵיא צַלְמָוֶת, לֹא-אִירָא רָע--    כִּי-אַתָּה עִמָּדִי; שִׁבְטְךָ וּמִשְׁעַנְתֶּךָ,    הֵמָּה יְנַחֲמֻנִי.
ה  תַּעֲרֹךְ לְפָנַי, שֻׁלְחָן--    נֶגֶד צֹרְרָי; דִּשַּׁנְתָּ בַשֶּׁמֶן רֹאשִׁי,    כּוֹסִי רְוָיָה.
ו  אַךְ, טוֹב וָחֶסֶד יִרְדְּפוּנִי--    כָּל-יְמֵי חַיָּי; וְשַׁבְתִּי בְּבֵית-יְהוָה,    לְאֹרֶךְ יָמִים.


2. Edição dos Setenta (Septuaginta)
*NB, aqui aparece como #22

1 Ψαλμὸς τῷ Δαυΐδ. - ΚΥΡΙΟΣ ποιμαίνει με καὶ οὐδέν με ὑστερήσει.
2 εἰς τόπον χλόης, ἐκεῖ με κατεσκήνωσεν, ἐπὶ ὕδατος ἀναπαύσεως ἐξέθρεψέ με,
3 τὴν ψυχήν μου ἐπέστρεψεν. ὡδήγησέ με ἐπὶ τρίβους δικαιοσύνης ἕνεκεν τοῦ ὀνόματος αὐτοῦ.
4 ἐὰν γὰρ καὶ πορευθῶ ἐν μέσῳ σκιᾶς θανάτου, οὐ φοβηθήσομαι κακά, ὅτι σὺ μετ᾿ ἐμοῦ εἶ· ἡ ράβδος σου καὶ ἡ βακτηρία σου, αὗταί με παρεκάλεσαν.
5 ἡτοίμασας ἐνώπιόν μου τράπεζαν, ἐξεναντίας τῶν θλιβόντων με· ἐλίπανας ἐν ἐλαίῳ τὴν κεφαλήν μου, καὶ τὸ ποτήριόν σου μεθύσκον με ὡσεὶ κράτιστον.
6 καὶ τὸ ἔλεός σου καταδιώξει με πάσας τὰς ἡμέρας τῆς ζωῆς μου, καὶ τὸ κατοικεῖν με ἐν οἴκῳ Κυρίου εἰς μακρότητα ἡμερῶν. 


3. Nova Vulgata

1 PSALMUS. David. Dominus pascit me, et nihil mihi deerit:
2 in pascuis virentibus me collocavit, super aquas quietis eduxit me,
3 animam meam refecit. Deduxit me super semitas justitiæ propter nomen suum.
4 Nam et si ambulavero in valle umbræ mortis, non timebo mala, quoniam tu mecum es. Virga tua et baculus tuus, ipsa me consolata sunt.
5 Parasti in conspectu meo mensam adversus eos, qui tribulant me; impinguasti in oleo caput meum, et calix meus redundat.
6 Etenim benignitas et misericordia subsequentur me omnibus diebus vitæ meæ, et inhabitabo in domo Domini in longitudinem dierum.


4. Bíblia de Almeida

1. Psalmo de David. JEOVAH he meu Pastor, nada me faltará.
2. Em pastos ervosos me faz deitar: mansamente me leva a agoas muy quietas.
3 Refrigéra minha alma: guia me por veredas de justiça, por seu nome.
4 Ainda que tambem andasse pelo valle da sombra de morte, naõ temeria algum mal: porque estás comigo: tua vara e teu cajado me consolaõ.
5 Aparelhas a mesa perante my em fronte de meus adversarios: unges minha cabeça com azeite, meu copo tresborda.
6 Pois o bem e a beneficencia me seguiráõ todos os dias de minha vida: e ficarei na casa de JEOVAH por longos dias.


5. Bíblia de Antonio Martini

1. Salmo di Davidde. Il Signore mi governa, e niuna cosa a me mancherà:
2 Egli mi ha posto in luoghi di pascolo abbondante. Mi ha condotto ad un'acqua, che riconforta:
3 Richiamò a se l'anima mia. Mi ha condotto pe' sentieri della giustizia per amor del suo nome.
4 Imperocchè quand'anche io caminassi in mezzo all'ombra di morte, non temerò disastri, perchè meco sei tu. La tua verga stessa, e il tuo bastone mi han consolato.
5 Hai imbandita dinanzi a me una mensa, in faccia di quelli, che mi perseguitano. Hai asperso il mio capo di unguento; ma quanto è mai buono il mio calice esilarante!
6 E la tua misericordia mi seguirà per tutti i giorni della mia vita, affinchè io abiti nella casa del Signore pe' lunghi giorni.


6. Bíblia de Geneva

1. A Psalm of David. The Lord is my shepherd, I shall not want.
2 He maketh me to rest in green pasture, and leadeth me by the still waters.
3 He restoreth my soul, and leadeth me in the paths of righteousness for his Name’s sake.
4 Yea, though I should walk through the valley of the shadow of death, I will fear no evil; for thou art with me: thy rod and thy staff, they comfort me.
5 Thou dost prepare a table before me in the sight of mine adversaries: thou dost anoint mine head with oil, and my cup runneth over.
6 Doubtless kindness and mercy shall follow me all the days of my life, and I shall remain a long season in the house of the Lord.


7. Bíblia de Port Royal

Cantique de David. Le Seigneur est mon Pasteur, je ne puis manquer de rien: il me fait reposer en d'excellens pâturages. Il me conduit à des eaux calmes & tranquilles: il rappelle à lui mon ame. Il me fait marcher par les sentiers de la justice: pour la gloire de son nom. Aussi quand je me trouverois dans une lieu de l'ombre de la mort, je ne craindrai point les maux: parce que vous êtes avec moi. Vôtre verge & vôtre bâton: m'ont consolé. Vous avez préparé une table devant mes yeux: contre ceux qui m'affligent. Vous avez engraissé ma tête dans l'huille: & que ma coupe qui enyvre est delicieuse! Et vôtre misericorde m'accompagnera: tous les jours de ma vie: Afin que j'habite éternellement: dans la maison du Seigneur.


8. Bíblia de Luthero

1 Ein Psalm Davids. Der HERR ist mein Hirte; mir wird nichts mangeln.
2 Er weidet mich auf grüner Aue und führet mich zum frischen Wasser.
3 Er erquicket meine Seele; er führet mich auf rechter Straße um seines Namens willen.
4 Und ob ich schon wanderte im finstern Tal, fürchte ich kein Unglück; denn du bist bei mir, dein Stecken und dein Stab trösten mich.
5 Du bereitest vor mir einen Tisch im Angesicht meiner Feinde. Du salbest mein Haupt mit Öl und schenkest mir voll ein.
6 Gutes und Barmherzigkeit werden mir folgen mein Leben lang, und ich werde bleiben im Hause des HERRN immerdar.

19/10/2014

Três almas, Três preces

Τρείς ψυχές, Τρείς προσευχές

Α’  Δοξάρι είμαι στα χέρια Σου, Κύριε· τέντωσέ με, αλλιώς θα σαπίσω.

Β’  Μη με παρατεντώσεις, Κύριε· θα σπάσω.

Γ’  Παρατέντωσέ με, Κύριε, κι ας σπάσω!

---

Três almas, Três preces

I  Sou um arco nas Tuas mãos, Senhor · retesa-me, se não apodreço.

II  Não me reteses demais, Senhor, se não eu quebro.

III Retesa-me ao máximo, Senhor, o que é que importa se eu quebrar!


Nikos Kazantzakis. Relato ao El Greco (1982). Tradução minha.

12/10/2014

To a friend, a letter on God

Dear Abel,

Whenever we meet we speak of God. I set the tone for our conversations a long time ago by pronouncing myself an atheist, but what an odd sort of atheist you must have found me. I certainly reject the label "spiritual", which I take to be as rotten as the cursed fig tree, but then you must find it odd (perhaps even awkward) how often God and theology slivers into the conversation. What is wrong with me? You describe yourself as an atheist as well, but I do think, my friend, that we are worlds apart. For while you look ceaselessly for answers in Plato and Cicero while at the same time fearing they might be denounced by the likes of Hitchens and Dawkins, that is a dilemma that never really occurred to me. I think you heard me mock the new atheists for the first time soon after we met, but it was only recently that you convinced me to watch them in your presence so I could give you my opinion. I did so, and you looked in awe as I accepted every single one of their arguments against religion, sometimes going even further in that virulence, while I nevertheless kept affirming that theirs were quite childish, not to say pedestrian reasons to become an atheist. As an atheist, I told you, I agreed with everything they said. But were I religious I would agree as well, and I very much hoped that my religious friends would agree with that as well — barbarism savagery and bigotry have no place anywhere. I repeated that those arguments seemed frivolous, utilitarian in the base sense of the word, so you very rightly demanded to know why. If my atheism had nothing to do with the number of deaths caused by religious fanaticism, by the thought-control and by indoctrination, whence did it come?

As I promised you then, I am writing this so I can try to answer that question. It is a very foolish lover who purports to give reason of the heart's meanders, so you will forgive me in advance for failing to do so. It has been a long travel, you see, to which books add just as much as chancing upon clears in the forest and gaining an epiphany of the dread god Pan. My atheism, contrary to what Dawkins suggests, does not consist of a scheme of subtraction, whereupon all gods would be subtracted, and then some, and then just the last one. Rather my atheism is of a very polytheistic nature, for I do feel the gods nearby. Only that gives me no relief. To the Greeks as well, security was not granted by the gods but by the grand order of the cosmos. The gods, if anything, were a part of that cosmos, but it is far more likely that they contributed much more to that disorder and uncertainty of human life, which we today owe and attribute to atheism, than they did to giving human souls tranquility.

But I did not come here to talk of polytheism. The gods give me strength and weakness, but they do not hold my hand. That province pertains solely to the Living God. But how could I ever explain to you that it has nothing to do with epistemology? How it bores me — quantum me tædet — when I start hearing arguments for and against the existence of God! Because for me one thing is self-evident. God exists. But by that fact no link is signified connecting me to Him. We remain as distant two people who've never met, which is the same as not existing, and hence I call myself an atheist. For that gap to be bridged both have to accept, unconditionally, the desire of the other. What Hitchens et al leave out of the picture is how much religion is a matter of love. I do not mean that Plotinian overflow, that benevolence — God is anything but benevolent —, but rather that erotic pulse which often would be better described as rape. This the Greeks mythologists knew, this the allegorists betrayed — it is a terrible thing to fall into the hands of the Living God, the God who wants to take you for Himself. This Jeremiah knew, this he resented. I resent it as well. I resent His weapons of overbearing power: literature and landscapes alike try to drive me to Him, but when they do I treat them in the same way as when I see supposed friends who try to con or cheat you, and I will not have it.

Love and Hate guide the lover, but the loved is not without his guiles. In faith, and this Kazantzakis taught me best, the hardest thing is to discern which one is which. Is God the lover or the loved? Does God want my faith, or do I want to believe? We dance, of course. I taunt Him and tease Him with my hesitant Yes, He flirts and He holds me against Himself with poems, with films, and with, oh Lord, with music, that most cunning of all His shieldmaidens. Simone Weil supposedly converted upon reading a poem called Love. (I've always avoided reading it, my eyes dodge the page where it will appear.) One of my greatest teachers argued with no small persuasive power that Beethoven's Arietta proved the existence of God. That is not a rational argument, it is a fallacy, and it is good that we refuse to be persuaded by it.

It is not that I wouldn't like God to hold me in His arms. It is just that the promises he makes are a lover's promises, sweet and tender, and perhaps even He Himself would like to believe in them, but that does not make them true. If I would fall on my knees and believe in your name, my Lord Hakodesh, would the world be once again held in its place? Would you draw the chains to hold again the Horizon of Heaven and Hell in its place? You can promise me that, and you do promise me that, but you do know, Adonai, that standing underneath the starry sky not even You can promise me that. A Lover's words, in rapida scribere oportet aqua, that Heraclitean rag.

To take God at His word, I would have to believe the impossible. This would put me off-balance. I present Him with my kind of impossibility: if You would persuade me to love you, I would believe the impossible. We are a strange couple. Epistemology has as much a role to play in it as when the fool Niccolò Niccolì criticizes Dante for not sticking to historical fact. We read Anselm when you stayed in my house in Thessaloniki, you were visibly excited when I told you that the ontological proof of the existence of God remained unshakeable until Kant, and even after the man there was a possibility that it might still be rescued. Your thirst for your God was endearing to me. You wanted to know how it worked, and once again you were surprised when I told you that even if if were some unassailable logic, still it wouldn't be put me down a single notch, that my atheism was not for debate. I think that was when I promised you that I would write this. I know it is not what you were expecting, but I hope it is at least satisfactory. One way or another you're bound to understand why is it we were talking on different spheres altogether. Maybe next time we meet we can continue from here.

Hope to see you soon,
M.

07/10/2014

Navegar até Byzâncio (1926)

Um país assim não é para velhos. Os jovens
Nos braços uns dos outros, pássaros nas árvores
— As gerações que morrem — ao seu canto,
As cascatas dos salmões, os mares apinhados de carapau,
Peixe, carne, ou ave, ao longo de todo o verão propõem
O que é gerado, que nasce, que morre.
Retidos naquela música dos sentidos todos desprezam
Monumentos do intelecto sem idade.

Um homem de idade é uma coisa desprezível,
Um casaco aos farrapos pendurado, a não ser que
A alma cante e bata palmas, e cante mais alto
Por cada farrapo nas suas vestes mortais,
E aliás a única escola de música é estudar
Os monumentos da sua própria magnificência;
E por isso eu naveguei os mares e cheguei
À santa cidade de Byzâncio.

Ó sábios no meio do santo fogo de Deus
Como nos mosaicos dourados da parede,
Saiam do fogo santo, bobina girante,
E sejam os mestres-cantores da minha alma.
Consumam o meu coração, que doente de desejo
E atado a um animal moribundo
Não sabe o que é; e reunam-me
Dentro do artifício da eternidade.

Assim que sair da natureza jamais assumirei
A forma corpórea de algo que for natural,
Antes uma forma como as que os ourives Gregos esculpem
De ouro martelado e esmalte de ouro
Para manter acordado o Imperador sonolento;
Ou com um ramo de ouro cantarei
Aos senhores e damas de Byzâncio
Do que passou, do que se passa, ou do que virá.


William Butler Yeats. Tradução minha


Sailing to Byzantium

That is no country for old men. The young
In one another's arms, birds in the trees
– Those dying generations – at their song,
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,
Fish, flesh, or fowl, commend all summer long
Whatever is begotten, born, and dies.
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unageing intellect.

An aged man is but a paltry thing,
A tattered coat upon a stick, unless
Soul clap its hands and sing, and louder sing
For every tatter in its mortal dress,
Nor is there singing school but studying
Monuments of its own magnificence;
And therefore I have sailed the seas and come
To the holy city of Byzantium.

O sages standing in God's holy fire
As in the gold mosaic of a wall,
Come from the holy fire, perne in a gyre,
And be the singing-masters of my soul.
Consume my heart away; sick with desire
And fastened to a dying animal
It knows not what it is; and gather me
Into the artifice of eternity.

Once out of nature I shall never take
My bodily form from any natural thing,
But such a form as Grecian goldsmiths make
Of hammered gold and gold enamelling
To keep a drowsy Emperor awake;
Or set upon a golden bough to sing
To lords and ladies of Byzantium
Of what is past, or passing, or to come.

05/10/2014

Um poema do Dimakis Minas

Madrugada à minha janela

é bela a luz
vês as árvores e os pássaros
junto à colina
amanhece
as últimas trevas retiram-se
as sombras indistintas
forma vão ganhando pouco a pouco:
são rochas, pinheiros, ciprestes
os pássaros despertam
alinham-se nos ramos das árvores
o cinzento torna-se branco
por instantes até dourado
é bela a luz
é belo ver a graça de Deus

Dimakis Minas. Tradução minha.


Ξημέρωμα στο Παράθυρό μου

Είναι ωραίο το φως
Να βλέπεις τα δέντρα και τα πουλιά
Εκεί πλάι στο λόφο
Ξημερώνει
Τα τελευταία σκοτάδια υποχωρούν
Ίσκιοι διαγράφονται αόριστα
Σε λίγο παίρνουν μορφή
Είναι τα βράχια τα πεύκα τα κυπαρίσσια
Τα πουλιά ξυπνούν
Σχηματίζουν κορδέλες από δέντρο σε δέντρο
Το γκρίζο γίνεται λευκό
Χρυσίζει σε λίγο
Είναι ωραίο το φως
Είναι ωραίο να βλέπεις τη χάρη του Θεού

Δημάκης Mηνάς

20/09/2014

Um poema do Kavafis

Vozes

Vozes ideais e adoradas
daqueles que morreram, ou daqueles que para nós
estão tão perdidos como os mortos.

Às vezes em sonhos falam connosco,
Às vezes a mente surpreende-os nas nossas reflexões.

E com o som deles por um instante voltam
sons da primeira poesia da nossa vida —
como a música de noite que se extingue ao longe.


Konstantinos Kavafis. Tradução minha.


Ἰδανικὲς φωνὲς κι ἀγαπημένες
ἐκείνων ποὺ πεθάναν, ἢ ἐκείνων ποὺ εἶναι
γιὰ μᾶς χαμένοι σὰν τοὺς πεθαμένους.

Κάποτε μὲς στὰ ὄνειρά μας ὁμιλοῦνε·
κάποτε μὲς στὴν σκέψι τὲς ἀκούει τὸ μυαλό.

Καὶ μὲ τὸν ἦχο των γιὰ μιὰ στιγμὴ ἐπιστρέφουν
ἦχοι ἀπὸ τὴν πρώτη ποίησι τῆς ζωῆς μας —
σὰ μουσική, τὴν νύχτα, μακρυνή, ποὺ σβύνει.

15/09/2014

Σὲ περιμένω παντοῦ

Κι ἂν ἔρθει κάποτε ἡ στιγμὴ νὰ χωριστοῦμε, ἀγάπη μου,
μὴ χάσεις τὸ θάρρος σου.
Ἡ πιὸ μεγάλη ἀρετὴ τοῦ ἀνθρώπου, εἶναι νὰ ᾿χει καρδιά.
Μὰ ἡ πιὸ μεγάλη ἀκόμα, εἶναι ὅταν χρειάζεται
νὰ παραμερίσει τὴν καρδιά του.

Τὴν ἀγάπη μας αὔριο, θὰ τὴ διαβάζουν τὰ παιδιὰ στὰ σχολικὰ βιβλία, πλάι στὰ ὀνόματα τῶν ἄστρων καὶ τὰ καθήκοντα τῶν συντρόφων.
Ἂν μοῦ χάριζαν ὅλη τὴν αἰωνιότητα χωρὶς ἐσένα,
θὰ προτιμοῦσα μιὰ μικρὴ στιγμὴ πλάι σου.

Θὰ θυμᾶμαι πάντα τα μάτια σου, φλογερὰ καὶ μεγάλα,
σὰ δύο νύχτες ἔρωτα, μὲς στὸν ἐμφύλιο πόλεμο.

Ἄ! ναί, ξέχασα νὰ σοῦ πῶ, πὼς τὰ στάχυα εἶναι χρυσὰ κι ἀπέραντα, γιατὶ σ᾿ ἀγαπῶ.

Κλεῖσε τὸ σπίτι. Δῶσε σὲ μιὰ γειτόνισσα τὸ κλειδὶ καὶ προχώρα. Ἐκεῖ ποὺ οἱ φαμίλιες μοιράζονται ἕνα ψωμὶ στὰ ὀκτώ, ἐκεῖ ποὺ κατρακυλάει ὁ μεγάλος ἴσκιος τῶν ντουφεκισμένων. Σ᾿ ὅποιο μέρος τῆς γῆς, σ᾿ ὅποια ὥρα, ἐκεῖ ποὺ πολεμᾶνε καὶ πεθαίνουν οἱ ἄνθρωποι γιὰ ἕνα καινούργιο κόσμο... ἐκεῖ θὰ σὲ περιμένω, ἀγάπη μου!

Τάσος Λειβαδίτης

Salónica

na penumbra aguardando o meio dia
junto à água de ouro e de tinta
o coração theólogo do mar
chama-me, e como fugir-lhe?

11/09/2014

Kavafis - Ionikon

Sim, derrubámos as suas estátuas,
Sim, expulsámo-los dos seus templos,
mas nada disso fez com que os deuses morressem.
Ó terra da Iónia, é a ti que eles amam ainda,
é de ti que as almas deles se recordam ainda.
Quando uma madrugada de Agosto amanhece sobre ti,
algo da vida deles dá alento ao ar que te envolve
e, de vez em quando, uma figura jovem e etérea,
indistinta, com passo rápido,
corre sobre as tuas colinas.

Cavafis. Tradução minha.

Γιατὶ τὰ σπάσαμε τ' ἀγάλματά των,
γιατὶ τοὺς διώξαμεν ἀπ' τοὺς ναούς των,
διόλου δὲν πέθαναν γι' αὐτὸ οἱ θεοί.
Ὦ γῆ τῆς Ἰωνίας, σένα ἀγαποῦν ἀκόμη,
σένα ἡ ψυχές των ἐνθυμοῦνται ἀκόμη.
Σὰν ξημερώνει ἐπάνω σου πρωΐ αὐγουστιάτικο
τὴν άτμόσφαιρά σου περνᾶ σφρῖγος ἀπ' τὴν ζωή των·
καὶ κάποτ' αἰθερία ἐφηβικὴ μορφή,
ἀόριστη, μὲ διάβα γρήγορο,
ἐπάνω ἀπὸ τοὺς λόφους σου περνᾶ.

06/09/2014

Um poema do Geoffrey Hill

Citações II

Se o poder corre a árias ou recitativos
não é bem uma questão ociosa.
Recitativos principalmente diria eu embora
as pessoas me estejam sempre a perguntar porque é que os truques do teu lirismo
atrofiaram aos noventa. Eu
juro pela minhas vistas que atrofia não é a palavra certa
e que a invenção se reinventa
constantemente na linha da morte.

E se não porque não: chama à escrita nada
a não ser auto-indemnização pois o que é que lhe é negado?
Sim, para parar de brincar, o puxar impiedoso entre
verdade e métrica, mesmo que mal o consigas ouvir.
Onde sim ler possivelmente. O comboio acabou de parar
no Jewellery Quarter. Talvez se eu apeasse
também eu passearia por uma cidade de esmeralda
ou pelo menos zircão.


Geoffrey Hill. Tradução minha.


Citations II

Whether power rides on arias or recitatives
is not entirely an idle question.
Recitatives mainly I'd say although
people keep asking why your lyric mojo
atrophied at around ninety. I'd
swear myself blind atrophy's not the word
but that invention reinvents itself
every so often in the line of death.

Or if not why not: call writing nothing
but self-indemnity for what is denied it?
Yes, to be blunt, the pitiless wrench between
truth and metre, though you can scarcely hear this.
For yes read possibly. The train's just stopped
as the Jewellery Quarter. Perhaps if I alighted
I too would stroll a city of emerald
or at least zircon.

26/08/2014

"Kierkegaard" aka "porque é que dizer sim ao Absoluto é mais corajoso que dizer-lhe não?"

Meu Deus
chamei-te e chamei-te
à atenção, disseste Não
fui eu foram
os meus.

Mas não
foram os teus,
meu Deus,
foste tu,
meu Deus,
e chamaste
os teus
à atenção.

24/08/2014

Art under Plutocracy

[...] Now I do not wonder that those who think that these evils are from henceforth for ever necessary to the progress of civilization should try to make the best of things, should shut their eyes to all they can, and praise the galvanized life of the art of the present day; but, for my part, I believe that they are not necessary to civilization, but only accompaniments to one phase of it, which will change and pass into something else, like all prior phases have done. I believe also that the essential characteristic of the present state of society is that which has so ruined art, or the pleasure of life; and that this having died out, the inborn love of man for beauty and the desire for expressing it will no longer be repressed, and art will be free. At the same time I not only admit, but declare, and think it most important to declare, that so long as the system of competition in the production and exchange of the means of life goes on, the degradation of the arts will go on; and if that system is to last for ever, then art is doomed, and will surely die; that is to say, civilization will die. I know it is at present the received opinion that the competitive or "Devil take the hindmost" system is the last system of economy which the world will see; that it is perfection, and therefore finality has been reached in it; and it is doubtless a bold thing to fly in the face of this opinion, which I am told is held by the most learned men. But though I am not learned, I have been taught that the patriarchal system died into that of the citizen and chattel slave, which in its turn gave place to that of the feudal lord and the serf, which, passing through a modified form, in which the burgher, the gild-craftsman and his journeyman played their parts, was supplanted by the system of so-called free contract now existing. That all things since the beginning of the world have been tending to the development of this system I willingly admit, since it exists; that all the events of history have taken place for the purpose of making it eternal, the very evolution of those events forbids me to believe.

For I am "one of the people called Socialists"; therefore I am certain that evolution in the economical conditions of life will go on, whatever shadowy barriers may be drawn across its path by men whose apparent self-interest binds them, consciously or unconsciously, to the present, and who are therefore hopeless for the future. I hold that the condition of competition between man and man is bestial only, and that of association human; I think that the change from the undeveloped competition of the Middle Ages, trammelled as it was by the personal relations of feudality, and the attempts at association of the gild-craftsmen into the full-blown laissez-faire competition of the nineteenth century, is bringing to birth out of its own anarchy, and by the very means by which it seeks to perpetuate that anarchy, a spirit of association founded on that antagonism which has produced all former changes in the condition of men, and which will one day abolish all classes and take definite and practical form, and substitute association for competition in all that relates to the production and exchange of the means of life. I further believe that as that change will be beneficent in many ways, so especially will it give an opportunity for the new birth of art, which is now being crushed to death by the money-bags of competitive commerce.

My reason for this hope for art is founded on what I feel quite sure is a truth, and an important one, namely that all art, even the highest, is influenced by the conditions of labour of the mass of mankind, and that any pretensions which may be made for even the highest intellectual art to be independent of these general conditions are futile and vain; that is to say, that any art which professes to be founded on the special education or refinement of a limited body or class must of necessity be unreal and short-lived. ART IS MAN'S EXPRESSION OF HIS JOY IN LABOUR. If those are not Professor Ruskin's words they embody at least his teaching on this subject. Nor has any truth more important ever been stated; for if pleasure in labour be generally possible, what a strange folly it must be for men to consent to labour without pleasure; and what a hideous injustice it must be for society to compel most men to labour without pleasure! For since all men not dishonest must labour, it becomes a question either of forcing them to lead unhappy lives or allowing them to live unhappily. Now the chief accusation I have to bring against the modern state of society is that it is founded on the art-lacking or unhappy labour of the greater part of men; and all that external degradation of the face of the country of which I have spoken is hateful to me not only because it is a cause of unhappiness to some few of us who still love art, but also and chiefly because it is a token of the unhappy life forced on the great mass of the population by the system of competitive commerce.

The pleasure which ought to go with the making of every piece of handicraft has for its basis the keen interest which every healthy man takes in healthy life, and is compounded, it seems to me, chiefly of three elements; variety, hope of creation, and the self-respect which comes of a sense of usefulness; to which must be added that mysterious bodily pleasure which goes with the deft exercise of the bodily powers. I do not think I need spend many words in trying to prove that these things, if they really and fully accompanied labour, would do much to make it pleasant. As to the pleasures of variety, any of you who have ever made anything, I don't care what, will well remember the pleasure that went with the turning out of the first specimen. What would have become of that pleasure if you had been compelled to go on making it exactly the same for ever? As to the hope of creation, the hope of producing some worthy or even excellent work which without you, the craftsmen, would not have existed at all, a thing which needs you and can have no substitute for you in the making of it - can we any of us fail to understand the pleasure of this? No less easy, surely, is it to see how much the self-respect born of the consciousness of usefulness must sweeten labour. To feel that you have to do a thing not to satisfy the whim of a fool or a set of fools, but because it is really good in itself, that is useful, would surely be a good help to getting through the day's work. As to the unreasoning, sensuous pleasure in handiwork, I believe in good sooth that it has more power of getting rough and strenuous work out of men, even as things go, than most people imagine. At any rate it lies at the bottom of the production of all art, which cannot exist without it even in its feeblest and rudest form. Now this compound pleasure in handiwork I claim as the birthright of all workmen. I say that if they lack any part of it they will be so far degraded, but that if they lack it altogether they are, as far as their work goes, I will not say slaves, the word would not be strong enough, but machines more or less conscious of their own unhappiness. [...]

It was this system, which had not learned the lesson that man was made for commerce, but supposed in its simplicity that commerce was made for man, which produced the art of the Middle Ages, wherein the harmonious co-operation of free intelligence was carried to the furthest point which has yet been attained, and which alone of all art can claim to be called Free. The effect of this freedom, and the widespread or rather universal sense of beauty to which it gave birth, became obvious enough in the outburst of the expression of splendid and copious genius which marks the Italian Renaissance. Nor can it be doubted that this glorious art was the fruit of the five centuries of free popular art which preceded it, and not of the rise of commercialism which was contemporaneous with it; for the glory of the Renaissance faded out with strange rapidity as commercial competition developed, so that about the end of the seventeenth century, both in the intellectual and the decorative arts, the commonplace or body still existed, but the romance or soul of them was gone. [...]

I tell you the very essence of competitive commerce is waste; the waste that comes of the anarchy of war. Do not be deceived by the outside appearance of order in our plutocratic society. It fares with it as it does with the older forms of war, that there is an outside look of quiet wonderful order about it; how neat and comforting the steady march of the regiment; how quiet and respectable the sergeants look; how clean the polished cannon; neat as a new pin are the storehouses of murder; the books of adjutant and sergeant as innocent-looking as may be; nay, the very orders for destruction and plunder are given with a quiet precision which seems the very token of a good conscience; this is the mask that lies before the ruined cornfield and the burning cottage, the mangled bodies, the untimely death of worthy men, the desolated home. [...]

William Morris. Art under Plutocracy (1883). Aqui.

16/08/2014

On the Value of the Determination of Authorship

If the determination of the authorship of an individual work of art most certainly is not the ultimate and highest task of artistic erudition; even if it were no path to the goal: nevertheless, without a doubt, it is a school for the eye, since there is no formulation of a question which forces us to penetrate so deeply into the essence of the individual work as that concerning the identity of the author. The individual work, rightly understood, teaches us what a comprehensive knowledge of universal artistic activity is incapable of teaching us.

Goethe’s works were published under his name; nothing is attributed to him or declared not to be by him. One might imagine that the understanding of Goethe’s language, spiritual nature and development would be greater than it is, if scribes would have had gradually to put together his œvre. They would scarcely have performed their task with complete success, but they would have learnt a a good deal as a result of their efforts.

Over long stretches of time the determination of authorship seems to be impossible. Many productions, notably of architecture, can be fixed in time — in the case of architecture the localization is always, and in the case of sculpture often, available — but they are not recognized as the expressions of individual talents. Anonymity is a symptom of deficient knowledge, even if the deficiency often is inevitable. Strictly speaking, every work of man is the product of a personality with qualities, existing once and unique. Whoever arrives in China, thinks at first that all Chinamen look alike; it is only gradually that he learns to distinguish individualities. A similar experience is that of the connoisseur who approaches the ‘dark’ periods. Admittedly a personality reveals itself according to the period more or less definitely in its activity. The ultimate, the most fruitful question, even if it cannot be answered, is and remains that which concerns personality.

Fairly frequently one hears the plausible-sounding objecting that we know that there were hundreds of painters, yet all the existing works are divided up amongst comparatively few names. A statistical computation may serve as a defence against these misgivings. It is chiefly the prominent works that have survived, and of the surviving ones it is against the best ones that are collected, exhibited in museums and accessible to art lovers. Finally, I possess hundreds and hundreds of photographs of Netherlandish pictures of the 15th and 16th centuries which I cannot attribute, of which scarcely two seem to be by the same hand. These nameless pieces mostly are valueless and devoid of character. From this I think one may conclude that the many painters who are unknown to us have mainly produced unimportant things; and that, on the other hand, the better works with which the determination of authorship concerns itself are due to relatively few artists. This calculation applies to Netherlandish and German painting of the 15th and 16th centuries; it may not be valid, or is perhaps valid in a lesser degree, for other countries and other periods.

Max J. Friendländer. On Art & Connoisseurship - Capítulo XXIII. Tancred Borenius (trans.) Bruno Cassirer (1942)

Ficámos nós a hesitar / Por entre as brumas do futuro

11/08/2014

Dias de '14

Mas que tempos doces.

As pessoas andam talvez um pouco mais tristes
Mas vivem mais tempo e podem,
Mesmo quando escolhem não o fazer,
Reflectir sobre o sentido da tristeza.

Naqueles sítios onde se morre,
Ainda se morre,
Mas morre-se menos, eu acho.

As cidades têm mais lâmpadas à noite
Que só de vez em quando fundem
E poucos dias depois vem sempre
Alguém que compõe.

10/08/2014

Pitagorismo e charlatonice

Vieste comigo e contámos os mortos
Sem temor ou moral, sem melodrama,
Sem estatística até. Mas absortos
Nos números, reuindo a gama

De nomes e vultos. E sabemos haver
Um final: Se do nada surgimos, um tempo
Existiu em que na terra nenhum ser
Humano vivia. E não há um Além. Por

Isso é que somos contáveis. Todos
Aqueles que sofrendo aprenderam a fala.
Desde o princípio, dos bisontes nas rudes
Cavernas, dos velhos que esperam na ala

Enterrada dos reis da montanha,
Nados-mortos, aqueles por amor inventados
Mas que o mundo de troça e de manha
Chutou aos leões com enfado,

Deuses e fetos e outros protagonistas
De contos e livros. Mas há no teu corpo
Mais células do que gente avistada
No mundo e que agora é pertença do Orco.

08/08/2014

A Origem da Nicotina

Origo Nicotianæ (Fabula Arabum)

Propheta aliquando in agro ambulans serpentem invenit frigore pæne exstinctum. Quem misericordia commotus sustulit et focillavit.
Quum jam serpens animum recepisset, dixit: "Dive propheta, scito quod te nunc mordebo."
"Eccur?" quærit Mohammed.
"Quia genus tuum hoc meum persequitur et exstirpare conatur."
"Nonne etiam genus tuum," inquit propheta, "adversus meum quotidie bellum gerit? Insuper quomodo potes tam ingratus esse tamque cito oblivisci, me vitam tibi reddidisse?"
"Gratitudo," respondet serpens, "in mundo non exstat. Etiamsi tibi parcere vellem, tamen alius generis tui postea me interficeret. Nomine Allah, mordebo te!"
"Quum nomine Allah jurasti, ego causa esse nolo, quod juramentum frangas." Quo dicto, propheta manum serpenti ad os præbuit.
Serpens eum momordit; Mohammed autem venenum e vulnere exsugit et in terram exspuit. Eodemque loco planta est exorta, quæ venenum serpentis et misericordiam prophetæ in se conjungit. Hanc plantam homines nicotianam vocant.

(Præco Latinus, 1896, Vol. II, Nus. 5)

 textkit inventum

02/08/2014

O Diário de Leonardo (1966)



Jan Svankmajer (1966)

Facas

«Of course he has a knife, he always has a knife, we all have knives! It's 1183 and we are barbarians! How clear we make it. Oh, my piglets, we are the origins of war: not history's forces, nor the times, nor justice, nor the lack of it, nor causes, nor religions, nor ideas, nor kinds of government, nor any other thing. We are the killers. We breed wars. We carry it like syphilis inside. Dead bodies rot in field and stream because the living ones are rotten. For the love of God, can't we love one another just a little? That's how peace begins. We have so much to love each other for. We have such possibilities, my children. We could change the world.»

Anthony Harvey. The Lion at Winter (1968)

25/07/2014

Vergílio contra o mundo

perdoar-te o quereres começar
aquilo que já existia
a água que bate na praia
as costas adonde se chega;

perdoar-te ainda
do destino a gaita de foles
dos tiranos heróicos as palavras inteiras
o saco de ar quente que foste:
rebentaste nas silvas mordazes,
o meu sangue bateste-o nas eiras.

salva-se saberes que é nos mortos
que se dobra ao meio a viagem
como a casca dum ovo partido
que se bate e mistura a semente,
o centro plos raios se espalha
o passado futuro se torna, e o futuro
não é mais necessário
(e afinal profecias é isto).
sabias o que era o que fora e aquilo que um dia seremos.
tu emudecias os mortos.

por isso perdoamos talvez,
se houver talvez no perdão,
até porque dizem
que por vezes ficavas
triste sem no-lo dizeres.

mas nunca escreveste elegias
e isso eu não to desculpo.
a fúria gerou-te
gerou-te a vontade
e a santa birra de Jove.
e nunca escreveste elegias.

29/06/2014

Santo Agostinho sobre as pessoas que têm uma opinião sobre o Acordo Ortográfico.

Vide Dominus Deus, et patienter, ut vides, vide, quomodo diligenter observent filii hominum pacta litterarum et syllabarum accepta a prioribus locutoribus et a te accepta æterna pacta perpetuæ salutis neglegant, ut qui illa sonorum vetera placita teneat aut doceat, si contra disciplinam grammaticam sine aspiratione primæ syllabæ hominem dixerit, magis displiceat hominibus, quam si contra tua præcepta hominem oderit, quum sit homo.

Vê Senhor Deus, com a paciência que é a tua, com quanto cuidado os filhos dos homens cuidam dos preceitos que regem letras e sílabas transmitidos por aqueles falantes que viveram antes deles, ao mesmo tempo que descuram dos preceitos eternos da perpétua salvação que de ti receberam. Se alguém que aprendeu ou que ensina a antiga maneira de escrever, se por acaso disser à revelia das leis da gramática a palavra 'Homem' sem a aspiração inicial, será odiado pelos outros homens bem mais do que se, contra os teus preceitos, sendo homem odiar outro homem.

Confissões I.29. Tradução minha.

03/06/2014

mãos cansadas de cavar

Vão-se os dedos, ficam as mãos
que os levavam à cara, esmagadas
pelo peso da própria pele dobrada
sobre a pele como uma renascentista túnica.

Sei que também eu mudei de roupa, da mesma
forma que mudei de pecados ou os troquei
por verso livre. Não sejas assim perverso
para com o teu império, o domínio

dos outonos habituou-te a desprezares
tudo que não incluísse humor. A verdade
é que a internet, não sendo uma clareira,
tem toda a razão. Queres salvação? Tudo é,

Dizia, tudo é santo, inclusive as mãos
que já lavaste. Estás de fora, separado,
Lavas as mãos de certezas, do sangue
dos teus amigos, das rugas, das linhas

da vida, das da morte, das telefónicas,
e jamais morrerás mas jamais falarás
com outra pessoa outra vez. Nem chamarás
ninguém sem antes reservares um quarto

nas muitas cidades onde ainda podes fazer
isso e amor sem perigo de que resolvas
acidentalmente algum enigma. As pessoas,
e nisso eu e tu estamos de acordo e podemos

falar francamente um com o outro, são
como peixes que de noite mudam de escamas
e de dia nadam sem elas. São quentes
como a lã espanhola que lavei em tinta

Azul. Não vale a pena avaliá-la com certeza.
Sem certezas quanto às mãos que esfregam,
pinto sem distinção mãos e iluminuras
e cidades. Mãos não pintam, mas mãos mortas.

01/06/2014

Pensamentos sobre a Páscoa («und bereiteten das Osterlamm»)


Uma continuação atrasada deste texto: Elogio do Pharaóh.

A questão que coloco aos Cristãos é a seguinte: sê-lo-íeis se Cristo não houvesse ressuscitado? Se não houvesse as cantilenas do três vezes santo, Hosanna, Hosanna, Cristo Ressuscitou, alethôs anésthe, nem nada disso. O que é para vós o Cristo? É a redenção pelo sacrifício? É a salvação de nós pelo sangue dele? O Filho do Homem sentado à direita do Pai. Mas e se assim não fosse? Se o Cristo fosse realmente aquilo e apenas aquilo que vós mesmo dissestes, se as mulheres houvessem chegado ao seu sepulchro naquela manhã de Domingo e houvessem chorado e houvessem vertido unguentos e à distância uma figura vestida de branco tivesse também ela vertido inconsoladas lágrimas? Se não houvesse salvação, se não houvesse sequer certeza de que a Morte virá um dia a ser destruída, se a fortaleza do Senhor subitamente não fosse mais inexpugnável? Se o Príncipe das Trevas eternamente lançasse o seu esgar sorrindo na direcção dos céus. Seríeis ainda assim Cristãos?

Se Cristo fosse nada mais que um homem. Ou melhor ainda, se Cristo fosse Deus tornado homem, mas as heresias fossem demasiado certas e, tornando-se homem, se tivesse tornado completamente homem, sem qualquer resquício de divindade, e sem que as palavras Santas saindo dos seus lábios fossem por quem quer que seja ouvidas. Se tivesse feito o Bem, tivesse sofrido da forma mais atroz possível, tivesse morrido. Se a história fosse apenas isso. Seríeis ainda assim Cristãos?

A beleza pura, o derrotado Bem do Cristianismo está nisso. É uma beleza que não existe mais quando o pó e o sangue se confundem com o ouro e com o incenso. A grandeza do Cristianismo, o Tao do Cristianismo, está na capacidade profundamente humana como derrotou os pagãos: derrotou os estóicos pois do grande Deus fez um homem. E sancionou a Lei da Stôa com um sacrifício excessivamente santo. O Cristo foi o primeiro que entendeu verdadeiramente a grande lei grega, que recebeu o ensinamento modificando-o: já não 'aprender pelo sofrimento', mas apenas 'pelo sofrimento'. A grande diferença sendo que já não é algo decretado pelo grande cosmos mas sim por alguém que, pregado a uma cruz, morre segundo a sua própria Lei. No seu sangue diliu-se o paradoxo de Eutifronte.

O grande erro jaz no instante em que julgamos que o sofrimento irá resultar nalguma coisa. Nietzsche entendeu-o, é o Grande Ressentimento. Dizemos nós: Sofremos para. Sofreu por. É o pensamento mais abjecto que uma mente humana alguma vez concebeu: a verdade é que o sofrimento não serve para nada, e enoja-me quem às vítimas se refere nesses termos. A história da Igreja nada mais é que a recapitulação dos theológos de Job: dando sentido ao sofrimento pela vida eterna, pelos vindouros, pela glória de Deus. Deus, como Diana Soberana dos Vales, não se compraz com o sofrimento alheio: jamais alguém que sofreu o que ele sofreu poderia desejar a outrem que sofresse da mesma forma. Não há glória na dor. 

verdadeiro atheísmo ama a Deus. Ama a Deus porque ama a humanidade, cada homem e mulher individualmente, e Deus fez-se homem. Aqui é força ouvir: fez-se homem. Não temporariamente, não esporadicamente, mas fez-se homem. Deus foi um homem. Esse homem morreu, e Deus com ele, porque ele. Continuamos a amá-lo. Da sua morte, como da morte dum amigo, a morte dum irmão, nada poderá vir de bom. A última coisa que poderia dela advir seria a nossa redenção: quem aceitaria salvar-se à custa do sacrifício mortal do nosso irmão? (Essa pessoa não mereceria salvar-se.) Nós não podemos aceitar essa redenção, mesmo que se desse: temos que recusar até mesmo a sua possibilidade. Aceitá-la seria aceitar, seria querer a morte do Cristo. Eu não a quero. Foi gratuita, malvada, cruel. Com Maria Madalena, com Maria mãe de Tiago, e com Salomé também eu choro, é só e basta. Mas ser Cristão certamente não será nada isso.

22/05/2014

A ti te reconheço meu Senhor

Serei digno de apenas pronunciar-te,
Ou resvalando os lábios plo teu nome,
Passando o fio santo que os consome,
Carnais hão-de pecar em só chamar-te?
Quem dera que não errasse em ser teu filho
E alegre recebesse a tua graça
E como o caçador que absolve a caça
Me ouvisses contristado um estribilho.
Sou teu, que posso eu sequer dizer-te?
A ti te reconheço meu Senhor.
Em nada te acrescento; o meu amor
Não pode adiantar-te ou comover-te.
Aqui estão os meus fins nas tuas mãos.
Ensina-me os meus sins com os teus nãos.

. Daniel Jonas, Assírio & Alvim (2014).

«o primeiro tema da reflexão grega é a justiça»

eu não quero a Grécia
da Sophia, reflectida
na luz gloriosa dos céus,
intacta e cheia da esperança
do dórico eterno sorriso ·
não é diferente da Grécia
dos filólogos, dos Estudos
Clássicos, dos aparatos,
das concordâncias, da espiral
crescente do saber
e do esquecimento daquelas
perguntas · nessas Grécias
jamais um vagabundo mal-cheiroso
pela primeira vez perguntou
o que era a Justiça
e não obteve resposta.

20/05/2014

pássaros

por vezes as pessoas falam e dizem
palavras justas. não é sempre
pois passam dias sem que isso aconteça
mas quando o fazem os pássaros dançam
formas estranhas no ar
que só podem ser vistas de cima. olhamos
para eles, e para nós são como um sólido
desenhado numa folha bidimensional. a grandeza
reduzida a um esquema, o grande volume
capaz de conter em si todo o amor
limitado aos cantos duma folha.
mas quem está por cima, as nuvens, os deuses,
os outros pássaros, olham em profundidade
e aceitam ver os sinais. a vida não muda,
um signo segue-se a um outro, e melhor
não fica o mundo, mas obrigado Senhor
por essas tuas palavras que falas
depois que também tu aprendeste
a linguagem das aves
e foste uma delas.

19/05/2014

A Morte de Marat


The Horatii established [Jacques Louis] David as one of the leaders of the national life. Thenceforward his pictures had the public importance of manifestos. It was a position to which unfortunately several artists since the time of Raphael had aspired but none had achieved in anything like the same degree. David realised the dream which has proved fatal to so many painters of mediocre talent, and even those of real accomplishment such as Diego Rivera and Orozco — the dream that a painter can use his art to influence men's conduct. [...]

The Marat Assassiné is, to my mind, the greatest political picture ever painted. It is almost the only justification of the popular belief that an event which has aroused public emotion may immdiately become the subject of a work of art. Pictorially this was a triumph for the classic discipline. David, who was in the habit of pondering every detail, had to paint with great speed, yet the whole design has an air of concentration and finality which is usually the result of prolongued elimination. David's classical training also enabled him to strike a perfect bargain with 'the ideal'. The figure, no less than the wooden box and the trompe l'œil papers, gives the impression of absolute truth, even though we know that Marat's face and body were ravaged by disease which David dared not represent.

The Death of Marat has a special interest for us today. It proves that totalitarian art must be a form of classicism: the State which is founded on order and subordination demands an art with a similar basis. Romantic painting, however popular, expresses the revolt of the individual. The State also requires an art of reason by which appropriate works may be produced as required. Inspiration is outside state control. The classic attitude towards subject matter — that it should be clear and unequivocal — supports the attitude of unquestioning belief. Add the fact that totalitarian art must be real enough to please the ignorant, ideal enough to commemorate a national hero, and well enough designed to present a memorable image, and one sees how perfectly The Death of Marat fills the bill. That it happens also to be a great work of art makes it dangerously misleading.

Kenneth Clark. The Romantic Rebelion: Romantic versus Classical Art. John Murray (1973).

17/05/2014

Augusto Salvador


Nunca fora capaz de perceber o culto imperial. Como qualquer pessoa tinha relativamente bem presente a cronologia daquele fenómeno estranho ao império romano pelo qual, a partir de Augusto, os imperadores após a morte foram sendo divinizados, tomados por deuses, e mais tarde ainda em vida. Esta divinização implicava tudo o que dizia respeito a um deus, e por vezes mais. O ancestral culto civil romano integrou o culto ao imperador na perfeição, e paralelamente aos templos aos deuses do panteão foram sendo construídos templos ao imperador por todo o império. Ao imperador eram devidos rituais, sacrifícios, sacerdotes, como a qualquer outro deus.

O culto ao imperador evoluirá tanto, tomará uma função de tal forma central, que se tornará de certa forma a religião oficial dum império que até então jamais tivera uma: às províncias conquistadas era permitido que mantivessem os seus deuses locais (que até eram mesmo muitas vezes transladados para Roma para tomarem parte do grande sincretismo latino), e a única condição que lhes eram posta era que integrassem o imperador nos seus ritos (o caso de longe mais famoso, por ter sido o único em que esta exigência foi posta em causa, foi claramente o caso da Judeia, que se rebelou e levou Roma a devastar a província e a resistência religiosa judaica).

Ora todo este aparato sempre me soara a mim um sinal não só de decadência mas até mesmo um sinal de decadência incompreensível. Ao contrário de outras manifestações de decadência cujas raízes conseguia traçar e, traçadas, entendê-las mesmo que as lamentasse, sempre me fora impossível perceber como é que esta nação fora capaz de adorar como deuses homens que há poucos anos tinha conhecido ou que conhecia presencialmente. Os exemplos de outras civilizações, principalmente a Egípcia, estão o mais das vezes demasiado distantes no tempo e espaço culturais para sentirmos sequer que deveríamos ser capazes de fazer a ponte, mas no caso de Roma o problema do culto imperial era diferente do da civilização egípcia, onde o todo me era estranho e onde portanto a divinização faraónica assumia os contornos duma situação que fazia sentido no contexto totalizante — sendo que esse contexto totalizante me era bizarro à partida; antes, em Roma, deparava-me com o culto imperial como um elemento que fazia pouco sentido no contexto da restante civilização, um puzzle onde uma peça não encaixa, um enigma cujo ónus estava em mim para decifrar, e por conseguinte também a culpa ou a incapacidade por não o conseguir fazer.

Mais uma vez a resposta está na música. O compositor humanista Petrus Tritonius (1465-1525) faz parte daquela elegante e maravilhosa corrente que, principalmente durante o Renascimento, tentou fazer de novo brilhar a poesia greco-latina através dos metros que lhe são ínsitos. Hoje em dia quem aprende Latim (ou Grego) aprende que os poemas estão escritos numa coisa chamada métrica, que ao contrário da prosódia das línguas modernas (ela própria abandonada quase por completo pelos poetas contemporâneos), se articula pela alternância de sílabas longas e breves, que nada tem que ver com o sistema de sílabas tónicas: numa palavra latina pode haver tantas sílabas longas ou breves quantas houver na palavra, sem que por isso tenham de forma alguma de coincidir com a tónica.

Esta métrica parece uma coisa absolutamente arcana que é cultivada, parece-me, por dois tipos de pessoas apenas: ou pelos estudiosos críticos que se podem servir dela para identificar problemas textuais (um hexâmetro, por exemplo que comece por uma sílaba breve sofreu claramente uma falha de transmissão e carece de correcção pelo editor moderno); ou então por pessoas a quem apraza furar os ouvidos com um ferro quente: ARma viRUMque caNO TROIÆ QUI PRImus ab ORIS pronunciado como se alguém tivesse resolvido dar um tambor ao meu irmão mais novo (o que é dito com muita injustiça, pois o Álvaro toca muito bem piano e talvez até leia este blog).

Isto é bastante absurdo, pois significa enxertar um sistema de prosódia — o nosso das sílabas tónicas — no sistema antigo de longas e breves. Os antigos, sabemo-lo, tinham por hábito cantar os seus poemas, e por cantar entende-se musicalmente: o ritmo de longas e breves, de quantidades, é o ritmo duma canção, que muitas vezes eram compostos pelos próprios poetas, outras tantas improvisadas ou inventadas por terceiros. Recitar Vergílio implicava, antes de mais, cantá-lo, com modulações de voz que se aproximam das nossas recitações musicadas, e, segundo os tratados de Música antigos, poemas como as odes corais trágicas tinham ritmos elaborados compostos especificamente para eles que desafiavam até mesmo a compreensão verbal (como aconteceu com a ópera em vários momentos da sua história, por exemplo no Barroco).

Como eu dizia antes, houve na Modernidade quem tenha compreendido esse carácter musical da poesia antiga, e que tenha tentado compor melodias para os poemas que chegaram até nós. Os exemplos mais interessantes dessas tentativas foram realizados no Renascimento, esse glorioso tempo em que, mais que em qualquer outro, a Antiguidade era um amigo que desafiava, mais do que um pai cujo parricídio era necessário, ou do que um paciente a analisar. Eu já conhecia várias dessas experiências; conhecia também alguma da sua prole através das composições do século XX de Jan Jovak ou, ainda mais recentemente, das composições de Eusebius Toth na Academia Vivarium Novum.

Estas composições têm a grande virtude de revitalizar os poemas através da sua força intrínseca: a métrica antiga, mais do que a moderna, é uma parte tão constitutiva do poema quanto as palavras, e ao recuperá-la poéticamente tornamo-nos capazes de lidar com o poema duma forma muito mais próxima do que a alternativa (que passa por regra por ler o poema ignorando a métrica, e depois "escandir" o poema independentemente, como tarefa à parte e frequentemente de incompreensível propósito). Ora essa dita escansão é muitas vezes algo difícil, pois implica o conhecimento a priori das quantidades vocais das vogais, conhecimento esse que, no que é importante, não pode ser antecipadamente derivado de qualquer regra.

A transposição destes poemas para música cumpre portanto uma série de funções, das quais numero as que me parecem mais notáveis: α) a restauração ao poema dum elemento sem o qual ele é virtualmente incompreensível β) o tornar o contacto com o poema como um todo numa experiência muito mais próxima do que teria sido na Antiguidade do que aquela que a nossa leitura martelada é capaz γ) aumentar o mero prazer estético da leitura/audição δ) facilitar exponencialmente a memorização (memorização essa que depois por si inúmeras outras vantagens).

Diz respeito principalmente ao β este grande excurso sobre métrica e prosódia num texto sobre o culto imperial. Pois, e foi isto que me fez lançar-me a escrever este texto, foi a recente audição da melodia que o acima-mencionado Petrus Tritonius compôs para a Ode II.2 de Horácio que me fez pela primeira vez entender o culto imperial como fenémeno religioso. Qualquer pessoa que estude Horácio sabe que há algumas das suas odes no terceiro livro que costumam ser classificadas como as "Odes Romanas", mas essas não são as únicas odes devotadas não a algum dos vários temas que permeiam as restantes odes — o vinho, o epicurismo, as jovens, os jovens — mas que se manifestam antes ostensivamente como uma glorificação de Roma e do seu César, Octaviano Augusto. Eu já tinha lido estas odes. Algumas delas várias vezes. Mas uma coisa certamente é vera, a saber que a força sacral do poema dificilmente se cede à leitura.

Estes poemas foram feitos para serem cantados, e se o não forem não revelam a sua vitalidade. Até ouvir esta ode cantada eu tinha sido incapaz de entender como é que alguém como o Horácio poderia alguma vez ter celebrado Augusto como o fez. Ao ouvi-lo entendi pela primeira vez o que significa a gratidão sagrada, o culto do pai da pátria. Posso não concordar com ela, posso rejeitá-la — e rejeito-a, aliás ostensivamente: este ano celebram-se a o bismilenário de Augusto, mas eu não celebro tiranos — mas agora pela primeira vez posso dizer que a rejeito com a consciência do que estou a rejeitar, e só assim o posso fazer por completo. Só compreendendo o espírito com que foram compostas as Odes Romanas o posso combater, caso contrário outra coisa não faço que combater uma ideologia supervacânea em nome de outra.

Porque de ideologia sempre se trata. Aproximamo-nos do aparato literário-propagandístico da Antiguidade, duma Eneida, dum Carmen Sæculare, e ou vemos nele o cinismo insuportável dos sicofantes — lembrar aqui, acima de tudo, A Morte de Vergílio daquele Vergílio, Hermann Broch, nado tarde de mais —, a versão sublimada da propaganda política; ou, se somos incapazes, se nos recusamos a ver na Eneida apenas isso, se sentimos em nós que o Vergílio não pode ter sido apenas um fantoche político,  se mantemos aquele descentrado preconceito de que a verdadeira arte sempre se fundará em algo mais do que a propaganda, e se vemos na Eneida verdadeira arte, então nesse caso somos confrontados mais uma vez com o paradoxo: como é que alguém alguma vez poderia acreditar nestes messias? nestes deuses? («deus nobis hæc otia fecit. / namque erit ille mihi semper deus, illius aram / sæpe tener nostris ab ovilibus imbuet agnus.») A nossa mente repugna porque não experimentámos, não vivemos, não aceitamos. E os subsídios que à nossa mão jazem para que o entendemos, os testemunhos passados e relatados não permitimos que falem.

Uma das muitas consequências desta auto-inflingida cegueira é a leitura pessimista da Eneida, a dita escola de Harvard. Segunda esta leitura, a Eneida é um poema triste, um poema pessimista, um poema ao fim de contas profundamente dissatisfeito com os resultados políticos da política augustana. Esta leitura peca antes de mais pelo falhanço hermenêutico que consiste em rejeitar o texto em nome da interpretação: esta é a interpretação que queremos de lá tirar porque é isso que nós sentimos do projecto político de Augusto. Ora isso é antes de mais uma falta de respeito para com o texto, uma falta de respeito para com a tradição e para com a herança da Antiguidade. O Pós-modernismo gosta de saltar um passo: enquanto que o genuíno confronto com a Tradição ouve a Palavra da Antiguidade, e então responde-Lhe, nega-a, confuta-a, aceita-a, o Pós-modernismo põe palavras na boca dos Antigos. Mas os antigos têm bocas de ouro e de prata que oxidam ao toque. Urge antes ouvir Vergílio, cujo tom triunfal e grato é em imensas passagens impossível de explicar ou sem má fé de ignorar.

Mas não devemos ser demasiado exigentes para com as leituras pessimistas da Eneida: quem nunca ouviu nos ouvidos o canto de Melibeu, quem nunca viu diante dos olhos tal como Vergílio no-los descreveu as sombras infernais da promessa de Roma, quem apenas leu sobre elas, como poderia entender? Para combater Vergílio, Horácio, Mecenas, é preciso antes tornarmo-nos antes Vergílio, Horácio, Mecenas, entendê-los, compreendê-los: e só depois combatê-los. O problema é quando se tenta fazer com que o combate assuma a forma de interpretação, e se desrespeita de tal forma os antigos que, já não bastasse o facto de eles não terem direito de resposta, mas ainda por cima roubamos-lhes o direito de formular as suas opiniões, preferindo antes sofísticas interpretações que tão inteligentemente revelam as "tensões intrínsecas" ou a "desconstrução do texto a partir de si próprio".

Esse modo de agir outra coisa não é que a cobardia de quem não ousa combater, quem prefere que o adversário capitule antes do combate. Mais corajoso seria dizer: o Vergílio diz isto: Mas eu digo-vos isto. A coragem de Jesus, desaprendida dos pós-cristãos («audistis quia dictum est … ego autem dico vobis…»). O Leo Strauss di-lo também, quando sugere que antes de entendermos os antigos melhor do que eles se entenderam a si mesmos (isto é, ele quer dizer, antes de desconstruirmos) temos que os entender tão bem quanto eles se entenderam a si mesmos. Avisem-se os descontructores: audite ac videte.

Quanto a mim, não estranharia se um dia viéssemos a concordar que o motivo pelo qual o Renascimento foi tão politicamente aristotélico, com o seu cepticismo em relação à existência da melhor forma de governo e o seu favorecer da teoria do bom governo segundo a virtude (não segundo a ordenação ou o número dos governantes) se tenha devido em grande parte à música que facultava esta capacidade de entender o enorme respeito, em suma a veneração que os Antigos tinham pelos seus governantes. A verdade é que eu, por muito que tivesse memorizado todo o Carmen Sæculare, jamais me tinha conseguido persuadir do seu carácter de prece. Por muito que tivesse lido sobre a divinização dos Césares em Ovídio jamais tinha acredito que alguém culto alguma vez pudesse ter acreditado que tal era possível, que César Augusto fosse realmente um deus. Mas depois ouvi o Tribonius, ouvi o Jam satis terris, e entendi. Fui capaz de responder ao enigma. Claro que qualquer leitor de Sófocles sabe que a responde ao enigma da Esfinge é apenas o primeiro passo, e nem o mais importante, e que a verdadeira luta até à morte que se travará em nome da busca da verdade está ainda para se travar. Mas a Querelle santa começa aí, e não antes. Desfazem-se os enigmas, e depois confronta-se a verdade. Permanecer voluntariamente diante dos enigmas é deixar que a esfinge nos devore. Os enigmas têm uma resposta (que, como o comentaram já os Antigos, é sempre a mesma: Nós). Mas aquilo que somos só o saberemos se avançarmos e se estivermos dispostos a pagar o preço desse conhecimento, como em tempos Hermes-Wotan esteve. Este problema deixemos que o Tritonius no-lo explique. Como é que alguma vez alguém poderia acreditar que Augusto é o Salvador? Assim —


In Augustum Salvatorem
Horácio I.2

Jam satis terrīs nivis atque dīræ
grandinis mīsit Pater et rubente
dexterā sacrās jaculātus arcēs
     terruit Urbem,

terruit gentīs, grave nē redīret
sæculum Pyrrhæ nova monstra questæ,
omne quum Prōteus pecus ēgit altōs
     vīsere montīs,

piscium et summā genus hæsit ulmō,
nōta quæ sēdes fuerat columbīs,
et superjectō pavidæ natārunt
      æquore dammæ.

Vīdimus flavom Tiberim retortīs
lītore Ētruscō violenter undīs
īre dējectum monumenta rēgis
     templaque Vestæ,

Īliæ dum sē nimium querenti
jactat ultōrem, vagus et sinistrā
lābitur rīpā Jove nōn probante*
     uxōrius amnis.

Audiet cīvīs acuisse ferrum,
quō gravēs Persæ melius perīrent,
audiet pugnās vitiō parentum
     rāra juventus.

Quem vocet dīvum populus ruentis
imperī rēbus? Prece quā fatīgent
virginēs sanctæ minus audientem
     carmina Vestam?

Cui dabit partīs scelus expiandī
Juppiter? Tandem veniās precāmur,
nūbe candentīs umerōs amictus,
     augur Apollo,

sīve tū māvīs, Erycīna rīdēns,
quam Jocus circumvolat et Cupīdo,
sīve neglectum genus et nepōtēs
     rēspicis, auctor,

heu nimis longō satiāte lūdō,
quem juvat clāmor galeæque lēvēs,
ācer et Maurī peditis cruentum
      voltus in hostem,

sīve mūtātā juvenem figūrā
āles in terrīs imitāris, almæ
fīlius Maiæ, patiēns vocārī
     Cæsaris ultor.

Sērus in cælum redeās diūque
lætus intersis populō Quirīnī,
nēve tē nostrīs vitiīs inīquum*
     ōcior aurā

tollat; hīc magnōs potius triumphōs,
hīc amēs dīcī pater atque princeps,
neu sinas Mēdōs equitāre inultōs
     tē duce, Cæsar.

* A gravação tem um erro aqui por não fazer a transição de probant'u, e de ler vitīs* em lugar de vitiīs.
A quantificação das sílabas é minha, portanto é possível que haja falhas.