03/06/2014

mãos cansadas de cavar

Vão-se os dedos, ficam as mãos
que os levavam à cara, esmagadas
pelo peso da própria pele dobrada
sobre a pele como uma renascentista túnica.

Sei que também eu mudei de roupa, da mesma
forma que mudei de pecados ou os troquei
por verso livre. Não sejas assim perverso
para com o teu império, o domínio

dos outonos habituou-te a desprezares
tudo que não incluísse humor. A verdade
é que a internet, não sendo uma clareira,
tem toda a razão. Queres salvação? Tudo é,

Dizia, tudo é santo, inclusive as mãos
que já lavaste. Estás de fora, separado,
Lavas as mãos de certezas, do sangue
dos teus amigos, das rugas, das linhas

da vida, das da morte, das telefónicas,
e jamais morrerás mas jamais falarás
com outra pessoa outra vez. Nem chamarás
ninguém sem antes reservares um quarto

nas muitas cidades onde ainda podes fazer
isso e amor sem perigo de que resolvas
acidentalmente algum enigma. As pessoas,
e nisso eu e tu estamos de acordo e podemos

falar francamente um com o outro, são
como peixes que de noite mudam de escamas
e de dia nadam sem elas. São quentes
como a lã espanhola que lavei em tinta

Azul. Não vale a pena avaliá-la com certeza.
Sem certezas quanto às mãos que esfregam,
pinto sem distinção mãos e iluminuras
e cidades. Mãos não pintam, mas mãos mortas.

Sem comentários:

Enviar um comentário