25/02/2011

Sobre o Templo


Os Helenos chamavam aos seus lugares de culto genericamente três nomes: hieronnaos, e temenos. Desta última palavra encontramos um correspondente etimológico latino em templum, que obviamente origina a nossa palavra templo (a palavra igreja é derivada do grego também, mas da palavra ekklesia que significa assembleia). Hieron refere-se à santidade do lugar, pois significa simplesmente 'santo', no sentido de divino. Naos refere-se ao lugar central do templo onde era colocada a imagem do deus, e significa exactamente lugar onde o deus habita. Ora temenos é a etimologia mais curiosa, conquanto célebre: temno em grego significa cortar. O temenon, ou o templum, é o espaço pertencente ao mundo profano que é cortado do céu até à terra, que o sacerdote circunda numa área do mundo de modo a que essa área se erga como um cilindro até aos céus, e o seu espaço correspondente de terra e de horizonte é separado daquilo que a rodeia para passar a fazer parte da realidade celeste. (É por esta via que Heidegger faz a sua leitura n'A Origem da Obra de Arte, o templo enquanto obra de arte que estática se coloca no lugar central que liga o céu e a terra, os mortais e os imortais.) Assim sendo, a popular etimologia para a palavra religião, do latim re-ligo, voltar a ligar, é por uma luz encandescida: participar do templo é ligar-se ao domínio dos deuses, e é a possibilide de contacto; a necessidade de transcendência humana, assim como a do próprio deus, é mitigada, e há pouco espaço para misticismo, pois há pouca necessidade de introspecção e de acesso individual a esse deus, que existe na presença, pois o seu domínio passa a estar na terra: o seu templo permanece um espaço presente e mundano, conquanto cortado deste e portanto é uma casa que não se pode sentir em casa, como um daimon ou um herói cuja sombra passa "indistinta, em passo veloz" (Cavafy); mas a participação do deus é possível ao cultor (o Cristianismo que necessitará da mística vem longe). E por uma luz escura: a ironia da palavra obriga a que a ligação aos céus obrigue o templo, o deus, e o mortal que deles comungue a do mundo se separar: cortar-se, para não mais ser deste mundo: a ligação implica a separação, o golpe de sangue entre dois reinos: não é apenas o deus que não é mais deste mundo, mas também o seu fiel, que oscila entre céu e terra na ambiguidade da pertença: o contágio é o resultado, a sacralização da terra, a humanização do deus, desconfortáveis feridas.

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