04/02/2011

Imitando as Donzelas


Hoje num seminário comentei o problema da possibilidade de existência dum mundo sem arte. Para responder falei sobre culturas anteriores onde a divisão ou separação de outros existenciais culturais como a religião ou ciência ainda não estariam separadas da arte, mas que, conquanto assimilada a essas outras realidades humanas, existia ainda assim aquilo que precipita a necessidade humana da arte, a saber a necessidade humana de permanência. Concluí portanto que Não, um mundo sem arte não só não seria possível como seria também uma contradição.

Ao que o professor me respondeu desmantelando o meu problema histórico, transformando-o num problema político: o problema não era saber o antes antigo, mas sim aquilo que o presente nos ensinou: o contra-exemplo foi, incluindo no tema em questão, a saber a reflexão de Hannah Arendt sobre a obra de arte enquanto fruto do pensamento, sugerir o exemplo histórico dos totalitarismos nos quais, na proporção em que não haveria pensamento, não haveria também obras de arte: sendo que portanto a resposta seria Sim, é possível um mundo sem obras de arte.

Só então reparei na futilidade que é escrever sobre este ou aquele tema se mais tarde não o incorporo nos meus pensamentos. Ao recusar-me a pensar o presente, ao apressar-me em encontrar um fácil Sim nas brumas do passado, ao afirmar a omni-necessidade da Arte, o que faço eu? Aliás, o que faz todo o Sim que implica a necessidade de tal ou tal coisa? Imediatamente desresponsabiliza: o que o meu Sim diz é: «não é preciso fazer valer a arte, não é preciso combater por ela; ela é sempre necessária, e portanto haverá sempre alguém, qualquer pessoa, que por ela lute; eu não necessito fazer nada». Por muito que tenha pensado nelas, acabei, na primeira oportunidade, por me comportar exactamente como as Donzelas do Rheno: na primeira oportunidade afirmei a Incorruptibilidade-Intocabilidade do Ouro-Arte, preparando o caminho para que na primeira oportunidade mo-lo roubem.

O argumento está apenas esboçado, mas outra coisa que interessa notar é que partimos ambos, eu e o professor, para exemplos extremos: pegámos em civilizações estranhas nas quais pudéssemos afirmar que não possuiriam obras de arte como estas foram entendidas a partir da modernidade. O meu exemplo funciona, assim como o dele, mas não pude deixar de passar o resto da aula a auto-analisar-me, apercebendo-me tenebrosamente de que é assim que eu penso: ao confrontar-me com um problema, transporto-me imediatamente para o passado, puxo os limites históricos, primitivizo, ou, para não haver problemas lexicais, vejo as primícias. Isto corre o risco de se tornar saudodismo ou ahistoricidade mais perigosa: ao invés de olhar para os extremos políticos do presente, refugio-me na certeza da estabilidade do passado imperturbável. No Nostalgia do Absoluto, Steiner pensa Lévi-Strauss como aquele que encontra o paradiso no estudo do passado incorrupto, sendo que o presente já estaria de tal maneira podre que nada o poderia resgatar. Eu desdenho tal vista, e desse modo entristece-me aperceber-me de que dou por mim precisamente a pensar de modo semelhante.

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