28/02/2011

Cavafy



Esta photo faz-me lembrar imenso esta descrição do Cavafy.

"a greek gentleman in a straw hat, standing absolutely motionless at a slight angle to the universe" - EM Foster

27/02/2011

LE jugement est un util à tous subjects, et se mesle par tout. A cette cause aux Essais que j'en fay icy, j'y employe toute sorte d'occasion. Si c'est un subject que je n'entende point, à cela mesme je l'essaye, sondant le gué de bien loing, et puis le trouvant trop profond pour ma taille, je me tiens à la rive. Et cette reconnoissance de ne pouvoir passer outre, c'est un traict de son effect, ouy de ceux, dont il se vante le plus. Tantost à un subject vain et de neant, j'essaye voir s'il trouvera dequoy luy donner corps, et dequoy l'appuyer et l'estançonner. Tantost je le promene à un subject noble et tracassé, auquel il n'a rien à trouver de soy, le chemin en estant si frayé, qu'il ne peut marcher que sur la piste d'autruy. Là il fait son jeu à eslire la route qui luy semble la meilleure : et de mille sentiers, il dit que cettuy-cy, ou celuy là, a esté le mieux choisi. Je prends de la fortune le premier argument : ils me sont egalement bons : et ne desseigne jamais de les traicter entiers. Car je ne voy le tout de rien : Ne font pas, ceux qui nous promettent de nous le faire veoir. De cent membres et visages, qu'à chasque chose j'en prens un, tantost à lecher seulement, tantost à effleurer : et par fois à pincer jusqu'à l'os. J'y donne une poincte, non pas le plus largement, mais le plus profondement que je sçay. Et aime plus souvent à les saisir par quelque lustre inusité. Je me hazarderoy de traitter à fons quelque matiere, si je me connoissoy moins, et me trompois en mon impuissance. Semant icy un mot, icy un autre, eschantillons dépris de leur piece, escartez, sans dessein, sans promesse : je ne suis pas tenu d'en faire bon, ny de m'y tenir moy-mesme, sans varier, quand il me plaist, et me rendre au doubte et incertitude, et à ma maistresse forme, qui est l'ignorance.

Montaigne. Essais Chapitre 50.

Arte Absoluta

A melhor arte é sempre igual. A coragem que é exigida ao kosmos é a coragem da repetição. O Sol tem de ousar nunca se cansar de sempre surgir no horizonte. As galáxias têm de ousar nunca se cansar de umas as outras orbitar. As leis da phýsica têm de ousar nunca variar. A Repetição a maior coragem. Somos platónicos: a nossa melhor arte é sempre igual, igual a si mesma, igual ao kosmos. O que é pois um hino, o que é a apotheose duma symphonia? É a inesgotável auto-fundamentação da eternidade em arte. Quando acaba um hino? Um hino, uma elegia, nunca acaba, não poderia jamais acabar, não pode pois terminar: soa sempre falso: soa sempre humano demasiado humano: quem ousa dizer que o destino da Nona não seria perpetuar-se em crescentes motivações, no volume altíssimo muito para além da audição humana? acercarmo-nos do fim, ouvirmos o estrondo final, é o orgasmo humano, mas tal não faz a Natureza: Que habita o seu culminar incansável. Assim é o Louvor Absoluto: pois que faz Píndaro encerrando uma ode? a carne é fraca, e a certa altura o humano tem de pousar a caneta, descansar os ouvidos (glória a quem o recusou: Musil, Hölderlin). Mas a verdade permanece: o encerrar que nunca encerra, a que em tempos os gregos chamaram ζωή.

26/02/2011

human beings the eternally uncreated

reluctant to join any living comunity in service, to say nothing of taking the fate of a single living creature upon himself for this purpose, oh, he had always lived with the dead only, among whom he reckoned the living, he had considered human beings as lifeless building blocks with which to erect and create a death-fixed beauty, and therefore human beings as a whole had disappeared for him into the realm of the unaccomplished, into the oblivion of the eternally uncreated

Hermann Broch, The Death of Vergil. Jean Starr Untermeyer (trad). Vintage International: 1995

A graça da filosofia

"Men are constantly attracted and deluded by two opposite charms: the charm of competence which is engendered by mathematics and everything akin to mathematics, and the charm of humble awe, which is engendered by meditation on the human soul and its experiences. Philosophy is characterized by the gentle, if firm, refusal to succumb to either charm. It is the highest form of the mating of courage and moderation. In spite of its highness or nobility, it could appear as Sisyphean or ugly, when one contrasts its achievement with its goal. Yet it is necessarily accompanied, sustained and elevated by eros. It is graced by nature's grace."

Leo Strauss

25/02/2011

Sobre a Sinagoga e a Igreja


O Cristão e o Hebreu são bastante diferentes do Heleno. O Hebreu passa por três fases na sua longa história. A primeira diz respeito ao tempo antes da revelação da Lei a Moisés. Antes de Deus se-lhe revelar, o Hebreu não tem templo, não tem lugar de culto. É apenas a partir do momento em que precisa de descobrir um espaço onde se possa preservar a memória da revelação histórica do Deus eterno é que ele passa a ter um templo, que equivale ao témenos grego: assim é o Tabernáculo, a morada ambulatória do senhor do deserto; e mesmo a sua conversão no Templo em Jerusalém não altera a sua natureza, é a fixação num espaço do cilindro de acesso do céu e da terra: a fixação da presença de Deus. Com a destruição do Templo inicia-se a terceira, e actual fase (pois nem o Estado de Israel ousará construir o Terceiro Templo): a era da sinagoga. Sinagoga é uma palavra grega que significa reunião, e não é um templo. Existiam sinagogas antes da destruição do templo, mas eram unicamente lugares de leitura da Torah e de reunião pública: com a diáspora e a impossibilidade de aceder ao templo, os ritos são transferidos para aquele que se torna o lugar de reunião da comunidade: mas o foco está na comunidade, não na presença imanente do divino. O problema põe-se do acesso à transcendência, visto que o modo de comunicar com Deus sancionado pela Torah, a saber rituais e sacrifícios no Templo em Jerusalém, se torna impossível: o espaço físico é desenraizado, e a resposta é dupla: o estudo da Torah, tarefa santa, e o cumprir da Lei e do ritual de todos os dias, que honra o Senhor e cuida do mundo.

É essencialmente a resposta cristã. A terceira pessoa da Trindade, o Spírito Sancto, oferece-se ao Cristão para que ele não necessite de lugar — assim sendo, o momento essencial da theologia cristã é o Pentecostes: (Mateus 18:20); ou ainda, a Eucaristia: quando o espaço físico é substituido por um espaço temporal: o momento da memória é simultaneamente o momento da presença do deus-vivo na reunião dos fiéis; ou ainda, a mýstica: a introspecção pessoal, sem lugar no mundo, sem área alguma ocupar nem profundidade espacial (não é de esquecer que, muito embora historicamente o Livro de Esplendor da Qaballa, o Zohar, só tenha sido escrito no século XII, a tradição tenta perseguir o seu segredo credivelmente apenas até ao momento da destruição do Templo: antes de então não havia necessidade de Mýstica). Tudo isto entendemos pelo nome do lugar de culto: igreja, do grego ekklesia, assembleia. Tal como a sinagoga hebraica, a ekklesia define-se não pelo seu espaço mas por quem lá se reune: e Deus não lá reside (a igreja não é um naos). Assim, quando em algumas igrejas vemos Mateus 21:13 citado (ou, mais comummente, apenas a primeira metade do versículo), notamos o esquecimento de que tal dito se referia ao Templo em Jerusalém: a Igreja não é a casa de Deus: a Igreja é a reunião dos seus fiéis, e o edifício pouco de sagrado tem.

Da Mesquita nada sei.

Sobre o Templo


Os Helenos chamavam aos seus lugares de culto genericamente três nomes: hieronnaos, e temenos. Desta última palavra encontramos um correspondente etimológico latino em templum, que obviamente origina a nossa palavra templo (a palavra igreja é derivada do grego também, mas da palavra ekklesia que significa assembleia). Hieron refere-se à santidade do lugar, pois significa simplesmente 'santo', no sentido de divino. Naos refere-se ao lugar central do templo onde era colocada a imagem do deus, e significa exactamente lugar onde o deus habita. Ora temenos é a etimologia mais curiosa, conquanto célebre: temno em grego significa cortar. O temenon, ou o templum, é o espaço pertencente ao mundo profano que é cortado do céu até à terra, que o sacerdote circunda numa área do mundo de modo a que essa área se erga como um cilindro até aos céus, e o seu espaço correspondente de terra e de horizonte é separado daquilo que a rodeia para passar a fazer parte da realidade celeste. (É por esta via que Heidegger faz a sua leitura n'A Origem da Obra de Arte, o templo enquanto obra de arte que estática se coloca no lugar central que liga o céu e a terra, os mortais e os imortais.) Assim sendo, a popular etimologia para a palavra religião, do latim re-ligo, voltar a ligar, é por uma luz encandescida: participar do templo é ligar-se ao domínio dos deuses, e é a possibilide de contacto; a necessidade de transcendência humana, assim como a do próprio deus, é mitigada, e há pouco espaço para misticismo, pois há pouca necessidade de introspecção e de acesso individual a esse deus, que existe na presença, pois o seu domínio passa a estar na terra: o seu templo permanece um espaço presente e mundano, conquanto cortado deste e portanto é uma casa que não se pode sentir em casa, como um daimon ou um herói cuja sombra passa "indistinta, em passo veloz" (Cavafy); mas a participação do deus é possível ao cultor (o Cristianismo que necessitará da mística vem longe). E por uma luz escura: a ironia da palavra obriga a que a ligação aos céus obrigue o templo, o deus, e o mortal que deles comungue a do mundo se separar: cortar-se, para não mais ser deste mundo: a ligação implica a separação, o golpe de sangue entre dois reinos: não é apenas o deus que não é mais deste mundo, mas também o seu fiel, que oscila entre céu e terra na ambiguidade da pertença: o contágio é o resultado, a sacralização da terra, a humanização do deus, desconfortáveis feridas.

a coisa mais triste do mundo

§1

Que vantagem é que tiramos de ouvir um homem dizer que se viu livre do jugo, que não acredita mais que haja um Deus que vele pelas suas acções, que se considera o único mestre da sua conduta, que não presta contas a ninguém a não ser a si mesmo? Será que pensa mesmo que faz com que a partir de agora vamos passar a ter confiança nele, e a pedir-lhe consolação, conselhos, e ajuda em todas as necessidades da vida? Será que pensa que nos alegrou ao dizer-nos que duvida que a nossa alma seja mais do que um pouco de vento e de fumo, e ainda por cima de no-lo dizer com um tom de voz fogoso e satisfeito? É isto então algo a dizer com alegria; e não pelo contrário algo a dizer tristemente, com a maior tristeza do mundo?

Pascal. Pensées. [194]. Tradução minha.

Quel avantage y a-t-il pour nous à ouïr dire à un homme qu'il a secoué le joug, qu'il ne croit pas qu'il y ait un Dieu qui veille sur ses actions, qu'il se considère comme seul maître de sa conduite, qu'il ne pense à en rendre compte qu'à soi-même? Pense-t-il nous avoir porté par là à en avoir désormais bien de la confiance en lui, et à en attendre des consolations, des conseils, et des secours dans tous les besoins de la vie? Pense-t-il nous avoir bien réjouis de nous dire qu'il doute si notre âme est autre chose qu'un peu de vent et de fumée, et encore de nous le dire d'un ton de voix fier et content? Est-ce donc une chose à dire gaiement; et n'est- ce pas une chose à dire au contraire tristement, comme la chose du monde la plus triste?


§2

«E que faz o santo na floresta?», perguntou Zaratustra.
O santo respondeu: «Faço canções e canto-as. E, quando faço canções, rio, choro e murmuro; portanto, louvo a Deus.
Ao cantar, chorar, rir e murmurar, louvo o Deus que é o meu Deus. Mas que nos trazes tu de presente?»
Quando Zaratustra ouviu estas palavras, despediu-se do santo e disse:
«Que teria eu para vos dar?! Mas deixai-me ir embora depressa, para que não vos tire nada!»
E assim se separaram um do outro, o velho e o homem feito, rindo, tal como riem dois garotos. Mas quando Zaratustra se encontrou só, falou assim no seu íntimo:
«Será, então, possível? Este velho santo ainda nada ouviu dizer, na sua floresta, de que Deus morreu!»

Nietzsche. Assim Falava Zaratustra. Paul Osório de Castro (trad). Relógio d'Água: 1998

»Und was macht der Heilige im Walde?« fragte Zarathustra.
Der Heilige antwortete: »Ich mache Lieder und singe sie, und wenn ich Lieder mache, lache, weine und brumme ich: also lobe ich Gott.
Mit Singen, Weinen, Lachen und Brummen lobe ich den Gott, der mein Gott ist. Doch was bringsts du uns zu Geschenke?«
Als Zarathustra diese Worte gehört hatte, grüßte er den Heiligen und sprach: »Was hätte ich euch zu geben! Aber laßt mich schnell davon, daß ich euch nichts nehme!« - Und so trennten sie sich voneinander, der Greis und der Mann, lachend, gleich wie zwei Knaben lachen.
Als Zarathustra aber allein war, sprach er also zu seinen Herzen: »Sollte es denn möglich sein! Dieser alte Heilige hat in seinem Walde noch nichts davon gehört, daß Gott tot ist!«


Bonus:


Où peut-on prendre ces sentiments? Quel sujet de joie trouve-t-on à n'attendre plus que des misères sans ressource? Quel sujet de vanité de se voir dans des obscurités impénétrables? Quelle consolation de n'attendre jamais de consolateur?


Qu'ils laissent donc ces impiétés à ceux qui sont assez mal nés pour en être véritablement capables: qu'ils soient au moins honnêtes gens, s'ils ne peuvent encore être Chrétiens: et qu'ils reconnaissent enfin qu'il n'y a que deux sortes de personnes ; ou ceux qui servent Dieu de tout leur cœur, parce qu'ils le connaissent; ou ceux qui le cherchent de tout leur cœur, parce qu'ils ne le connaissent pas encore. C'est donc pour les personnes qui cherchent Dieu sincèrement, et qui reconnaissant leur misère désirent véritablement d'en sortir, qu'il est juste de travailler, afin de leur aider à trouver la lumière qu'ils n'ont pas.

23/02/2011

El filósofo quejoso

ROSAURA
No quise darte parte
en mis quejas, Clarín, por no quitarte,
llorando tu desvelo,
el derecho que tienes al consuelo.
Que tanto gusto había
en quejarse, un filósofo decía,
que, a trueco de quejarse,
habían las desdichas de buscarse.

Pedro Calderón de la Barca, La Vida es sueño. Editorial Espasa: 1997

quando, quando, Quando, meu Sonho e meu senhor

§1




Leos Janacek. Da Casa dos Mortos (Abertura).






§2


Screvo meu livro à beira-mágoa.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.

Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?

Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?

Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus fez?

Ah, quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?

Fernando PessoaMensagem. Assírio & Alvim: 2002






§3


,

Pieter de GrebberDavid em Meditação. 1635, @ Museum Catharijneconvent, Utrecht





§4

Ao mestre de canto. Com instrumentos de corda. Em oitava. Salmo de David.
Senhor, na vossa cólera não me repreendais,
      no vosso furor não me castigueis.
Tende piedade de mim, Senhor, porque desfaleco;
      curai-me, pois sinto abalados os meus ossos.
A minha alma está muito perturbada;
      vós, porém, Senhor, até quando?...
Voltai, Senhor, livrai a minha alma;
      salvai-me, pela vossa bondade.
Porque no seio da morte não há quem se lembre de vós;
      quem vos glorificará na habitação dos mortos?
Eu me esgoto de tanto gemer;
      todas as noites banho de pranto a minha cama,
      com lágrimas inundo o meu leito.
Turvam-se de amargura os meus olhos,
      esmorecem por causa dos que me oprimem.
Apartai-vos de mim, vós todos que praticais o mal,
      porque o Senhor atendeu às minhas lágrimas.
O Senhor escutou a minha oração,
      o Senhor acolheu a minha súplica.
Que todos os meus inimigos sejam envergonhados e aterrados;
      recuem imediatamente, cobertos de confusão!

Salmos. VI. Editorial Missões.

22/02/2011

Fragmento de uma Ode ao Deus Terrível

Deus é a luz
e eu pensava
que morreria disso


Mário Rui de Oliveira. Bairro Judaico. Assírio & Alvim: 2003

João Barrento e Paulo Quintela

Ia dizer que o João Barrento é uma espécie de Paulo Quintela dos dias de hoje, mas o Paulo Quintela traduziu o Fausto? o Musil? ah pois, ah pois, se calhar o PQ é que era um João Barrento de antigamente.

ou isto já é fanboy demais?
que signaliza dizer Sancta Grécia?

21/02/2011

Marginalia

Sometimes the notes are ferocious,
skirmishes against the author
raging along the borders of every page
in tiny black script.
If I could just get my hands on you,
Kierkegaard, or Conor Cruise O'Brien,
they seem to say,
I would bolt the door and beat some logic into your head.

Other comments are more offhand, dismissive -
"Nonsense." "Please!" "HA!!" -
that kind of thing.
I remember once looking up from my reading,
my thumb as a bookmark,
trying to imagine what the person must look like
why wrote "Don't be a ninny"
alongside a paragraph in The Life of Emily Dickinson.

Students are more modest
needing to leave only their splayed footprints
along the shore of the page.
One scrawls "Metaphor" next to a stanza of Eliot's.
Another notes the presence of "Irony"
fifty times outside the paragraphs of A Modest Proposal.

Or they are fans who cheer from the empty bleachers,
Hands cupped around their mouths.
"Absolutely," they shout
to Duns Scotus and James Baldwin.
"Yes." "Bull's-eye." My man!"
Check marks, asterisks, and exclamation points
rain down along the sidelines.

And if you have manage to graduate from college
without ever having written "Man vs. Nature"
in a margin, perhaps now
is the time to take one step forward.

We have all seized the white perimeter as our own
and reached for a pen if only to show
we did not just laze in an armchair turning pages;
we pressed a thought into the wayside,
planted an impression along the verge.

Even Irish monks in their cold scriptoria
jotted along the borders of the Gospels
brief asides about the pains of copying,
a bird signing near their window,
or the sunlight that illuminated their page-
anonymous men catching a ride into the future
on a vessel more lasting than themselves.

And you have not read Joshua Reynolds,
they say, until you have read him
enwreathed with Blake's furious scribbling.

Yet the one I think of most often,
the one that dangles from me like a locket,
was written in the copy of Catcher in the Rye
I borrowed from the local library
one slow, hot summer.
I was just beginning high school then,
reading books on a davenport in my parents' living room,
and I cannot tell you
how vastly my loneliness was deepened,
how poignant and amplified the world before me seemed,
when I found on one page

A few greasy looking smears
and next to them, written in soft pencil-
by a beautiful girl, I could tell,
whom I would never meet-
"Pardon the egg salad stains, but I'm in love."

- Billy Collins

19/02/2011

Ragnarök - Ere the World Sinks


Much wisdom knows the Sybil
I see further ahead
To Ragnarök
And the fighting gods

Brother will fight brother
and slay him
cousins shall their bonds of kinship
Violate
Hard it is in the world, great whoredom

An axe-age a sword-age
shields shall be cloven
A wind-age a wolf-age

ere the world sinks


The Poetic Edda. Carolyne Larrington (trad, alterada por mim). Oxford World's Classics: 1996

Lembro também este vetusto post e este.

18/02/2011

Alcestes de Eurípides

A Alceste de Eurípides é a peça mais estúpida que alguma vez li. É sobre Admeto, a quem os deuses permitirão evitar a morte se alguém morrer por ele. Ele tenta convencer os pais, eles recusam-se, mas a sua esposa Alcestes aceita. Admeto não se opõe, deixa que ela morra por ele, passa o resto da peça a chorar até que por fim Hércules trá-la do submundo e tudo fica bem. Sei lá, é justo de quem ama oferecer-se para morrer por quem ama, mas é igualmente justo de quem ama de volta recusar-se a que o outro morra. O que vem daqui apenas os fados o sabem,

Mas nesta peça, desde a soap-opera completa, ao anti-trágico que não consegue ser cómico, à completa previsibilidade e antecipação, ao melodrama, às personagens irremediavelmente tontas, é tudo parvoíce. A única coisa que se aproveita em toda a peça é a fala em que o pai do imbecil do Admeto, Feres, lhe atira as mimalhices à cara e o manda deixar de se comportar como um hipócrita. Assim sendo, vou citá-lo.


FERES
Ó filho, a quem te vanglorias tu de injuriar? A algum lídio ou frígio comprado a dinheiro? Não sabes que sou tessálio, filho de pai tessálio e um homem nascido livre? Exageras na insolência e agrides-me. Não será impunemente que me lanças essas palavras pueris. Gerei-te e criei-te para seres senhor desta casa, mas não é meu dever morrer por ti. Essa é lei que não faz parte da tradição da nossa família, que os pais têm de morrer pelos filhos. Isso não é próprio dos Helenos. Feliz ou desgraçado, a vida é tua. Aquilo que tinhas a receber de mim, já tu o conseguiste. São muitos os súbditos que te obedecem, grande a extensão de terras que te hei-de deixar, muitas jeiras, as mesmas que recebi do meu pai. Portanto, em que te prejudiquei? De que te privo? Não morras por este homem que eu sou, que eu também não morro por ti. Gostas de ver a luz do dia? Não te parece que o teu pai também gosta? A vida é curta, mas doce, enquanto o tempo lá em baixo é longo, imagino. Sem sombra de pudor, lutaste para não morrer e continuas vivo, soubeste escapar ao que estava designado pela fortuna, que a matou a ela. E falas da minha cobardia, tu que és um cobarde, vencido por uma mulher que morreu por ti, um belo jovem? Encontraste foi forma de nunca morrer, esperto, se convenceres sempre a mulher que tiveres a morrer por ti. E agora invectivas os teus amigos por não quererem fazê-lo, quando tu próprio és um cobarde? Cala-te! Nota que se amas a tua vida, todos amam as suas. Em troca dessas injúrias que proferes, hás-de ouvir muitas outras similares e verdadeiras.

Eurípides. Alceste, in Obras Completas I. INCM.

17/02/2011

Notas sobre o Podre

Fere-me constantemente a frequência com que conversas ou linhas de raciocínio assumem perante a literatura alemã, em particular aquela de 1871 a 1939 do Segundo Reich à Segunda Grande Guerra, uma pose melodramática e exterior que se propõe tentar perceber os podres da Alemanha, ou na melhor das hipóteses de condescendentemente tentar compreender os erros da Alemanha, e de que modo uma civilização pôde cometer tamanhos males. Isto dizemos nós, escandalizados, enquanto olhamos de fora para dentro. Urge rememorar, porém, que se trata de algo muito maior, e que essa atitude de pudor ofendido é criminosa. Lembro o poema do Pessoa Eros e Psique "Conta a lenda que dormia / Uma Princesa encantada / A quem só despertaria / Um Infante, que viria / De além do muro da estrada. / [...] / E, inda tonto do que houvera, / À cabeça, em maresia, / Ergue a mão, e encontra hera, / E vê que ele mesmo era / A Princesa que dormia."

Passa-se exactamente o mesmo: não é por qualquer tendência europeísta que eu possa ter que deixa de ser verdade que não foi "A Alemanha" quem fez a Shoah: foi a Europa, ou o ideal cultural a que a Europa almejou sempre, e compreender isso implica aceitar o fardo da culpa (haverá fardo maior? compreenderei o que estou a pedir? ouso um Não silencioso) sem uma tirada melodramática de berros e e culpa auto-atribuída: aliás, a única resposta é não responder (o silêncio: Theresienstadt), saber que ao tentar perceber estou a fazer auto-análise, estou a procurar os meus próprios podres. 

Pois a Alemanha é um macrocosmos da alma de cada pessoa para quem a cultura é considerada um bem maior. É olhar para as nossas maiores esperanças e ver já um dos resultados possíveis: como quem olha para um familiar e não para um estrangeiro. Cabe-nos isso, cabe-nos aceitar ser Allemani, e não practicar essa cisão condescendente para com a história com que temos de lidar quando quer que tocamos no que nos está no coração, tudo o que de nosso é religioso e científico, filosófico e cultural. As grandes obras alemãs não podem ser lidas como fábulas moralizantes enaltecidas, "não faças assim", ao contrário do que frequentemente ouço (e mesmo saindo da literatura, o recente filme Das weiße Band, é um perfeito exemplo do mesmo crime).


Por muito fácil que seja explaining away a Montanha Mágica como uma alegoria Alemanha —que é—, onde muitas opções de futuro se propõem em casamento ao jovem Castorp-Alemanha, aqueles sedutores futuros não se lançam apenas ao jovem alemão, mas sim a qualquer povo que se proponha a si mesmo aquilo que Hans recebe: um mundo à beira de desabar, a paz senescente dum iluminado futuro por-vir; ou a violência do terror, a bondade do mal, a crueldade que conquista o humano. Ou ler o delírio da subjugação da volição artística ao poder estatal, secular e seguro, providencial, da Morte de Vergílio de Hermann Broch principalmente por tal ser tal como aconteceu na Alemanha nazi quão desviado é isto, que possibilidades de crescimento civilizacional isso não recusa? Para perceber basta pensar em Nietzsche como pensar em Nietzsche como um alemão??

Mas tudo isto não aconteceu, então?, as histórias são falsas, e a Alemanha (seja ela o que for), não lhes é central? Claro que é; tal como os seus autores o fizeram. Mas nós estamos mais longe, e sabemos que longe de ser uma "peste germânica", aquilo que a Alemanha sonhara para si mesma não foram os sonhos, ou não foram só, dum povo corrompido pelos «pecados dos pais»; antes pelo contrário, foram talvez os mais grandiosos sonhos de toda a Europa, nossos incluídos. Urge ler-nos a nós mesmos e não "àquele povo germânico, estranho". Teríamos sido a Alemanha se tivéssemos ousado. Como então lidar então com a percepção de que o nosso ideal de ousadia seria talmente podre, como o substituir, como sobreviver ao degenerar absurdo do sonho em psicose?


(Sobre este tema, na minha lista de leitura, que cresce como a peste. Do mesmo autor que a genial secção alemã deste livro.)

Elogio do Φaraó


Uma das figuras mais fascinantes e que mais me pessoalmente seduzem da narrativa bíblica é o Pharaóh egípcio. Quem é ele, o que o motiva? Em vários outros pontos —o incrédulo Tomé, ou a segunda das Grandes Tentações, em que é proposto ao Christo que se lance do pináculo do Templo para que, demonstrando o poder do Milagre, instantaneamente traga os povos para junto de si— em vários outros pontos parece que a única coisa que realmente falta para trazer a vitória final de Israel, quase que a única coisa que seria necessária para trazer à terra a "Jerusalém celeste" seria que Deus se manifestasse abertamente, que logo todos os povos da terra acorreriam à vera crença.

Ora que faz o Pharaóh? Essencialmente o oposto. O Pharaóh é uma espécie de paragono da anti-fé: que diriam vocês se, à ordem de alguém, o rio se ensanguescece, caísse fogo do céu, e o vosso corpo apodrecesse de peste? Posso facilmente afirmar que a grande maioria se não mesmo a totalidade de nós não tardaria a reconhecer a superioridade da divindade revelada: se os milagres são filosoficamente impossíveis, nada melhor que testemunhar um para comprovar a verdade de quem pode fazer o impossível. 

Mas não o Pharaóh, e eu amo-o por isso: é impossível saber, mas não é improvável que a última pessoa a recusar a partida dos Hebreus tenha sido ele mesmo, que já a restante totalidade do povo egípcio crêsse no poder do Senhor manifesto nas nove anteriores pragas. Ele possui o tipo de fé que apenas o mais poderoso crente pode ter: é o perfeito crente religioso, o perfeito ateu. A vera fé não se esvai com meras contingências como factos comprováveis, o verdadeiro crente não se convence do oposto daquilo que acredita unicamente porque a realidade o contradiz completamente (cf o comentário de Ulrich no Homem Sem Qualidades, «"Que farias, para dar sentido ao mundo?" "Abolir a realidade."»).

Assim como o verdadeiro religioso não se convence do oposto da sua fé com uma tabela científica (as «provas da existência de Deus» são, e as sábias, como a de Santo Anselmo, assumem sê-lo, preaching to the converted), assim também o verdadeiro ateísta não se convence do oposto da sua fé (porque sim, o ateísmo é, epistomológica ou cientìficamente falando, uma fé; a única posição 'lógica' dum ponto de vista estritamente racional é um aborrecido agnosticismo) unicamente porque o Deus Vivo se lhe revela.

Que tipo de força pessoal, que convicção profunda não terá sido necessária para isto, para conceder uma base na qual assentar o poder desta vontade que cria mundos e os destrói? Porque ela Nunca quebra. A décima praga, a morte dos primogénitos. Não. Há um golpe humano, demasiado humano. Eu não creio no Deus dos hebreus, mas meu filho jaz perante meus ungidos braços caído: Partam! abandonem-me à minha dor. Mas não há uma convicção, não há um reconhecimento do poder de Deus: mesmo que a décima primeira praga fosse o engolir na terra de toda a Mênfis, não consentiria o Pharaóh se não fosse tocado pessoalmente: é o facto de lhe morrer o filho que o faz mexer. Deus, Moisés fazem jogo sujo: não conseguem nem conseguirão abalar a fé do pharaóh, portanto remendam o problema desviando-se de lhe mudar a fé e concentrando-se em atingi-lo enquanto um ser humano que também ele ama. 

Mas isso não é quebrá-lo. A fé frágil (a única passível de alguma vez ser quebrada) não sobrevive ao mais pequeno golpe, como um fasce cortado: lembremo-nos de Kierkegaard: se alguma vez creste para ti mesmo que algo está perdido, para ti tudo está para sempre perdido. Não é a fé do Pharaóh que quebra, tanto que o luto faz-se, como todo o luto em tempos de guerra, celeremente: não tardará a recompor-se, e a mandar as suas quadrigas trucidar aqueles escravos fugitivos; e aqui abandonamo-lo, porque sempre será a nossa fé frágil.

O pharaóh é o representante último daquilo que a Weil chama o ateísmo purificador, o ateísmo que purgou a sua crença em Deus por completo até chegar ao ponto de purgar o próprio Deus da sua crença. A convicção absoluta que a fé exige ao humano pode apenas nascer da esfera do transcendental, mesmo que seja um transcendental vazio: o ateísmo que se leve a sério é necessariamente religioso. A diferença é que o ateísmo, depois do confronto com o Christo nado-morto, recusa-se ainda assim a dar-se às contingências do real e a prescindir da sua fé, até chegar mesmo ao ponto de retirar a força para combater as Nove Pragas ao acreditar no vazio do nada, no desaparecimento de Deus,



Nur wer der Minne
Macht versagt,
nur wer der Liebe
Lust verjagt,
nur der erzielt sich den Zauber,
zum Reif zu zwingen das Gold.

Wagner

15/02/2011

love. love. Love. κ Eros [a]nikatos.

Love your body; only with it may you fight on this earth and turn matter into spirit.
Love matter. God clings to it tooth and nail, and fights. Fight with him.

Αγάπα το σώμα σου· μονάχα με αυτο στη γης ετούτη μπορείς να παλέψεις και να πνεματώσεις την ύλη.
Αγάπα την ύλη· απάνω της πιάνεται ο Θεός και πολεμάει. Πολέμα μαζί του.

Nikos KazantzakisSalvatores Dei, Kimon Friar (trad).

Pensar Metaphýsica



"Portanto, para esta cadeira é suposto que, para perceberem [este] livro do Heidegger, 'Kant e o Problema da Metafísica', releiam a primeira metade da Crítica da Razão Pura do Kant, releiam também [estas] secções do Ser e Tempo, assim como os 4 livros da Metaphýsica de Aristóteles que vos vou indicar." - A.S.

Philosophia ora me mete medo, ora me faz feliz, ora me faz feliz mesmo enquanto se me surge vastamente mais do que eu alguma vez poderia pensar, um tipo de pensamento que é tão cliché considerar abstracto que não posso se não por vezes temer o contágio desse preconceito, até porém ao momento em que me apercebo da sua importância última, do quão fundamental ele é, e do quão reclama o meu fascínio ingénuo, mesmo enquanto compreendo que possivelmente nunca o captarei sequer no mínimo sábio. A última vez que me aventurei nestas profundidades da ontologia foi numa altura da minha vida em que a minha cabeça estava de tal modo metida água, emocionalmente e não só, que levar a sério metaphýsica tão árida, ou ária pelo menos para alguém que em tudo isto se principiava, era uma questão impossível. Entretanto cresci, e parecendo que não passaram três anos desde então, quando começava a estudar Philosophia ao mesmo tempo que fazia o meu curso de Clássicas. Se penso que é muito? Pelo contrário, sei que é nada. Mas mesmo estando perdido ao menos penso que posso, pela primeira vez, por uns instantes parar - e olhar: Agora volto às paisagens escondidas. Sic sic juvat ire sub umbras: talvez seja a hora — vão-se lixar, que se para alguma coisa serve a universidade é pra isto.

Convergência lexical

Acabei de me aperceber de que uso as palavras saudável, espiritual, e humano todas com um significado essencialmente idêntico.

João Barrento Sem Qualidades

João Barrento a falar sobre o Homem Sem Qualidades de Robert Musil.

Sexta-feira, 25 de Fevereiro. Na sala 12 às 11.30 da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Eu estou tão lá.

11/02/2011

As Rosas amo dos jardins de Adónis

Em honra do Jardim de Adónis.



As Rosas amo dos jardins de Adónis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.

Ricardo Reis. Poesia. Assírio & Alvim: 2000.

10/02/2011

Was ist das? Was? Tot.


— Die Frau heute, was hat sie gehabt?
— Welche Frau? Ach so! Die war tot.
— Was ist das?
— Was?
— Tot.
— Was tot ist? Ach Gott! Was ist das für eine Frage! Das ist, wenn jemand nicht mehr lebt. Wenn er aufgehört hat, zu leben.
 Und wann hört jemand auf, zu leben?
 Wenn er ganz alt ist oder sehr krank.
— Und die Frau?
— Die hat einen Unfall gehabt.
— Einen Unfall?
— Ja, das ist wenn du dich sehr, sehr Weh tust.
— So wie Papa!
— Ja, aber viel schwerer. Zu schwer, dass das Körper nicht aushält.
 Und dann ist man tot?
— Ja, aber die meisten Leute haben keinen Unfall.
— Sie sind nicht tot.
— Nein, sie sterben viel später.
— Wann?
— Eben später, wenn sie ganz, ganz alt sind.
— Müssen alle sterben?
— Ja.
— Wirklich alle?
— Ja, alle Menschen müssen sterben.
 Aber du doch nicht, Annie!
— Ich auch, alle.
 Aber der Papa doch nicht!
 Auch der Papa.
 Und ich auch?
 Du auch, aber erst in langer Zeit. Wir alle erst in langer Zeit.
 Und man kann gar nichts dagegen tun? Es muss kommen?
 Ja, aber jetzt noch lange nicht.
 Und die Mama, die ist gar nicht verreist. Ist die auch tot?
 Ja, ist auch tot. Aber das ist schon lange her.


Michael HanekeDas weiße Band (2009)

07/02/2011

An uncertain time after Patmos

we heard and remained: the islands
won't come they won't
wait                 at the light-blue
twilight
        you step your foot
on culture dry as milk
we wait and             we drink
to dance, spirits and lose the snow
hiding our purpose. if you had the dead
flowers in your hairskin rendezvous
with the past,       if you wait
and it comes with the golem
we wrote, some giotto
criminal        with the word
no one speaks–  eleven stars
from marburg, each god
pathetic, just like schubert
would have wanted it.
               who is the third, the false
beginning? sometimes in seas
   of ghosts turned athletes
      a fire flows downwards, graceful.



Miguel Monteiro

06/02/2011

Liras ao Vento

Nas copas dos salgueiros


E como podíamos nós cantar
com o pé estrangeiro sobre o coração,
por entre o mortos abandonados nas praças
pela erva dura da geada, ao lamento
de cordeiro dos meninos, ao berro negro
da mãe que andava às voltas do filho
crucificado no poste do telégrafo?
Nas copas dos salgueiros, como oferenda,
também as nossas cítaras estavam penduradas,
oscilavam leves ao triste vento.



Salvatore Quasimodo. Poesie. Newton Compton: 1996.
(tradução minha)


Alle fronde dei salici

E come potevano noi cantare
Con il piede straniero sopra il cuore,
fra i morti abbandonati nelle piazze
sull’erba dura di ghiaccio, al lamento
d’agnello dei fanciulli, all’urlo nero
della madre che andava incontro al figlio
crocifisso sul palo del telegrafo?
Alle fronde dei salici, per voto,
anche le nostre cetre erano appese,
oscillavano lievi al triste vento.




Ode to the West Wind. V.

Make me thy lyre, even as the forest is:
What if my leaves are falling like its own?
The tumult of thy mighty harmonies

Will take from both a deep autumnal tone,
Sweet though in sadness. Be thou, Spirit fierce,
My spirit! Be thou me, impetuous one!

Drive my dead thoughts over the universe,
Like wither'd leaves, to quicken a new birth;
And, by the incantation of this verse,

Scatter, as from an unextinguish'd hearth
Ashes and sparks, my words among mankind!
Be through my lips to unawaken'd earth

The trumpet of a prophecy! O Wind,
If Winter comes, can Spring be far behind?

Percy Bysshe Shelley. Ode to the West Wind and Other Poems. Dover Thrift: 1993

04/02/2011

Imitando as Donzelas


Hoje num seminário comentei o problema da possibilidade de existência dum mundo sem arte. Para responder falei sobre culturas anteriores onde a divisão ou separação de outros existenciais culturais como a religião ou ciência ainda não estariam separadas da arte, mas que, conquanto assimilada a essas outras realidades humanas, existia ainda assim aquilo que precipita a necessidade humana da arte, a saber a necessidade humana de permanência. Concluí portanto que Não, um mundo sem arte não só não seria possível como seria também uma contradição.

Ao que o professor me respondeu desmantelando o meu problema histórico, transformando-o num problema político: o problema não era saber o antes antigo, mas sim aquilo que o presente nos ensinou: o contra-exemplo foi, incluindo no tema em questão, a saber a reflexão de Hannah Arendt sobre a obra de arte enquanto fruto do pensamento, sugerir o exemplo histórico dos totalitarismos nos quais, na proporção em que não haveria pensamento, não haveria também obras de arte: sendo que portanto a resposta seria Sim, é possível um mundo sem obras de arte.

Só então reparei na futilidade que é escrever sobre este ou aquele tema se mais tarde não o incorporo nos meus pensamentos. Ao recusar-me a pensar o presente, ao apressar-me em encontrar um fácil Sim nas brumas do passado, ao afirmar a omni-necessidade da Arte, o que faço eu? Aliás, o que faz todo o Sim que implica a necessidade de tal ou tal coisa? Imediatamente desresponsabiliza: o que o meu Sim diz é: «não é preciso fazer valer a arte, não é preciso combater por ela; ela é sempre necessária, e portanto haverá sempre alguém, qualquer pessoa, que por ela lute; eu não necessito fazer nada». Por muito que tenha pensado nelas, acabei, na primeira oportunidade, por me comportar exactamente como as Donzelas do Rheno: na primeira oportunidade afirmei a Incorruptibilidade-Intocabilidade do Ouro-Arte, preparando o caminho para que na primeira oportunidade mo-lo roubem.

O argumento está apenas esboçado, mas outra coisa que interessa notar é que partimos ambos, eu e o professor, para exemplos extremos: pegámos em civilizações estranhas nas quais pudéssemos afirmar que não possuiriam obras de arte como estas foram entendidas a partir da modernidade. O meu exemplo funciona, assim como o dele, mas não pude deixar de passar o resto da aula a auto-analisar-me, apercebendo-me tenebrosamente de que é assim que eu penso: ao confrontar-me com um problema, transporto-me imediatamente para o passado, puxo os limites históricos, primitivizo, ou, para não haver problemas lexicais, vejo as primícias. Isto corre o risco de se tornar saudodismo ou ahistoricidade mais perigosa: ao invés de olhar para os extremos políticos do presente, refugio-me na certeza da estabilidade do passado imperturbável. No Nostalgia do Absoluto, Steiner pensa Lévi-Strauss como aquele que encontra o paradiso no estudo do passado incorrupto, sendo que o presente já estaria de tal maneira podre que nada o poderia resgatar. Eu desdenho tal vista, e desse modo entristece-me aperceber-me de que dou por mim precisamente a pensar de modo semelhante.

03/02/2011

O mundo da arte, o mundo da futilidade

O mundo de coisas feito pelo homem, o artifício humano construído pelo homo faber, só se torna uma morada para os homens mortais, um lar cuja estabilidade suportará e sobreviverá ao movimento continuamente mutável das suas vidas e acções, na medida em que transcende a mera funcionalidade das coisas produzidas para o consumo e a mera utilidade dos objectos produzidos para o uso. A vida no seu sentido não biológico, o tempo que transcorre entre o nascimento e a morte do homem, manifesta-se na acção e no discurso, que têm em comum com a vida o facto de serem essencialmente úteis A «realização de grandes feitos e o dizer de grandes palavras» não deixarão qualquer vestígio, qualquer produto que possa perdurar depois de passar o momento da acção e da palavra falada. Se o animal laborans precisa do auxílio do homo faber para atenuar o seu labor e minorar o seu sofrimento, e se os mortais precisam do seu auxílio para construir um lar na terra, os homens que agem e falam precisam da ajuda do homo faber na sua mais alta capacidade, isto é, a ajuda do artista, de poetas e historiógrafos, de escritores e construtores de monumentos, pois, sem eles, o único produto da sua actividade, a história que eles vivem e encenam, não poderia sobreviver. Para que venha a ser aquilo que o mundo sempre se destinou a ser — uma morada para os homens durante a sua vida na terra — o artifício humano deve ser um lugar adequado à acção e ao discurso, a actividades não só inteiramente inúteis às necessidades da vida, mas de natureza inteiramente diferente das várias actividades da fabricação mediante a qual são produzidos o mundo e todas as coisas que nela existem. Não é necessário que escolhamos aqui entre Platão e Protágoras, nem decidamos se é o homem ou um deus que deve ser a medida de todas as coisas; o que é certo é que a medida não precisa de ser nem a compulsiva necessidade da vida biológica e do labor, nem o «instrumentalismo» utilitário da fabricação e do uso.

Hannah Arendt. A Condição Humana, Roberto Raposo (trad). Relógio d'Água: 2001.