Li os Collected Poems do David Constantine há muito tempo: quando começava a dar os primeiros passos na poesia e, fechado na terrinha, sem ninguém com quem trocar a mínima impressão, me virei para a internet onde os meus interlocutores eram quase exclusivamente anglóphonos. Recomendavam-me os clássicos, e recomendavam-me nomes como Ted Kooser, Mark Doty, Charles Simic, David Constantine. Na altura devo ter passado por um poema como 'Hölderlin' com a maior das indiferenças. Difícil, arriscaria dizê-lo, seria tirar algo dele sem ter uma relação espiritual com ele como apenas um contacto contínuo providenciará: nisto haverá poucos como o próprio David Constantine, extenso tradutor e valete do poeta.
O que dói, rasga no poema é entender que aqui está tudo: está a promessa e a decepção, a mentira chamada assim com todas as sýllabas que Hölderlin anuncia e com a qual nos engana. Hölderlin é um propheta, dum deus que não vem: ele é a tentação de, na noite do mundo, acreditar que o deus virá, embriagado de orvalho e da luz de Naxos. Mas isso é falso, e parece que se queremos construir aqui e agora a República dos Céus temos que prescindir disso. Mas e se a renúncia é ela mesma infrutífera, se nem a realidade não é, como diz a Arendt, miracular, mas sim e apenas realpolitik? Se o juramento que prestamos ao nosso atheísmo não nos concede um pignus, uma garantia de justiça? Apercebemo-nos que dum lado temos uma Grécia atolada por uma dívida injusta, e que essa não é a Grécia que amamos; e que por outro temos a Grécia do Der Archipelagus, e que essa temos que a sacrificar em favor da primeira, que apesar de tudo é humana, e tem fome: os deuses jamais têm fome. O David Constantine é capaz de dizer "I sided with the liars / Against the disappointed, I wear your name / Emptily, like grief, like vain revolt." Eu não consigo: se preciso será, se a escolha é esta, então que seja: Against the liars / Against the disappointed. Que é tão contraditória quanto a primeira! Pois que o Hölderlin anunciava-nos a esperança do milagre, o sacramento da fé; e não é isso o que queríamos? Existe um espaço entre a esperança sacral e a desilusão mundana? A esperança, sabiam-no os Gregos, é uma desgraça, uma συμφορά, um mal; o abandono à desilusão é uma traição. Abandonamos o mytho com o cynismo, o deus com o adeus. Como diz o E.M. Foster: "Love felt and returned, love which our bodies exact and our hearts have transfigured, love which is the most real thing that we shall ever meet, reappeared now as the world's enemy, and she must stifle it."
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