21/05/2012

a linguagem a que fala

Mas, acima de tudo, há o idioma de Sein und Zeit e o do jargão nacional-socialista. Ambos, embora em níveis obviamente diferentes, exploram o gênio do alemão para a escuridão sugestiva, seu talento para dar às abstrações (freqüentemente vazias ou meio cruas) presença e intensidade físicas. Há na suposição de Heidegger, simultaneamente metafórica e mesmérica, de que não é o homem que fala, quando a linguagem possui sua máxima eficácia, mas é a “própria linguagem através do homem”, uma sinistra sugestão da marca de inspiração de Hitler, no uso nazista da voz humana, como uma trombeta tocada por imensas e sobrenaturais entidades, para além da vontade ou julgamento mesquinho do homem racional. Esse motivo de desumanização é fundamental. O nazismo envolve Heidegger precisamente naquele momento, em seu pensamento, em que a pessoa humana está sendo desalojada do centro do significado e do ser. O idioma do puramente ontológico mistura-se ao do desumano.
(Tatiana: era isto que eu dizia, mas suponho que sendo o Steiner haja sempre aquela auctoritas.)

(Sobre isto tenho a história engraçada de quando entrei numa livraria e perguntei, não me lembrando bem do nome, se tinham o livro Introdução ao Nazismo (.. qualquer coisa..); referia-me claro a isto, mas o rapaz olhou para mim com um ar bastante perturbado.)

Lembro-me bem de quando li o Heidegger do Steiner: tinha acabado de fazer uma cadeira sobre o Ser e Tempo e preparava-me para escrever o trabalho final da dita cadeira sobre o mesmo livro. Se de tudo isso algo me ficou não foi a sedução pelo Heidegger, pois que para isso bastara a cadeira feita, mas sim a inversão, ou o desafio que Steiner ousa lançar a Nietzsche quando contesta a recuperação que ele faz do bíblico abyssus abyssum invocat e afirma que apesar de não haver dúvidas em relação às relações profundas, escondidas, e tenebrosas entre a ontologia fundamental de Heidegger e o nazismo, diz ainda assim ser preciso estudá-lo, estas ligações, diz, é preciso pô-las a nu, se há algo de profundamente connexo entre o pensamento mais profundo e a barbárie, então sim é preciso perceber porque razão quem pensou o mais profundo não amou o que há de mais vivo, porque razão estava Hölderlin errado, e não, como nos exhortariam muitos, virar as costas. Sou tão fraco para isto, tão, mas ficou-me marcado a fogo e ferro. Quando se fala é sempre alguém que fala: quando São Paulo diz, já não és tu quem vive, mas Christo que vive em ti, está a falar de maneira perigosa: a vox populi vox dei é uma luz falsa, uma que talvez nos tenta hoje que falamos da morte de Deus, pois na ausência do primeiro dos termos restar-nos-ia o áltero, nem que fosse como memória. Mas o povo não existe, e isto é o maior dos respeitos que se pode prestar às pessoas. Por aqui colapsam as utopias de esquerda, e as bilaterais loucuras. Recusarmo-nos firmemente a ver as nossas opiniões últimas coaguladas em estatísticas, em referendos, em mandatos, na santidade da democracia: e obrigamo-nos, se queremos preservar a rhetórica, a convicção, e a política, se os assumimos como bons e necessários, a vê-los com olhos críticos, cépticos, frescos.

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