Conter ou moderar a saudade de alguém
Tão querido. Larga o teu lúgubre
Canto, Melpómene, com a voz líquida
E a lira que o Pai te deu.
Um sopor eterno arrasta Quintílio
Consigo. O Decoro, e a Lealdade
Pura, irmã da Justiça, e a Verdade austera,
Procuram-lhe igual e não acham.
Caiu chorado por tantos homens bons.
Ninguém o chorou mais que tu, Vergílio,
Foste pio em vão. De nada serve agora
Cobrar aos deuses saldo algum.
Tocaste a tua lira mais doce que o Orfeu
Da Trácia. E depois, de que é que te serviu?
Regressará o sangue ao rosto pálido
Depois de Mercúrio lhe tocar
Com seu bastão absurdo, e cumprir o destino
Para o encurralar na multidão das trevas?
Sofre. Nada há que alivie o que
Não nos é dado corrigir.
Horácio, Odes I.24. Tradução minha.
Quis desiderio sit pudor aut modus
tam cari capitis? Præcipe lugubris
cantus, Melpomene, cui liquidam pater
vocem cum cithara dedit.
Ergo Quintilium perpetuus sopor 5
urget? Cui Pudor et Justitiæ soror,
incorrupta Fides, nudaque Veritas
quando ullum inveniet parem?
Multis ille bonis flebilis occidit,
nulli flebilior quam tibi, Vergili. 10
Tu frustra pius, heu, non ita creditum
poscis Quintilium deos.
Quid si Threicio blandius Orpheo
auditam moderere arboribus fidem?
Num vanæ redeat sanguis imagini, 15
quam virga semel horrida,
non lenis precibus fata recludere,
nigro compulerit Mercurius gregi?
durum: sed levius fit patientia
quicquid corrigere est nefas.
27/12/2018
28/11/2018
16/10/2018
A ideia de progresso
Ludwig Edelstein orna o seu livro 'A Ideia de Progresso na Antiguidade Clássica' (1967) com um prefácio sobre a forma como os estudos do século XIX e da primeira metade do século XX olharam para a questão da existência ou ausência do conceito de progresso no mundo Greco-Romano. Segundo ele, estes estudiosos falharam por completo na sua leitura errónea das passagens de escritores que tocam no assunto.
O seu argumento é que existia de facto uma noção de progresso que pode ser estudada à luz duma análise de história das ideias. Como bom colega, em casa no mais amplo território dos estudos humanísticos e da investigação científica, faz a seguinte ressalva: "Se naquilo que estou prestes a dizer encontrarem mais críticas do trabalho prévio de colegas do que encontrarão louvores, note-se que nunca perdi o horizonte daquilo que até mesmo os autores antigos favoráveis à noção de progresso reconheceram: que estamos em dívida para com os que nos precederam tanto por aquilo que nas suas opiniões aceitámos quanto por aquilo que rejeitámos."
Insere neste ponto uma nota de rodapé indicando a Metafísica de Aristóteles (II,1, 933[993]b 11-14). Ora essa indicação leva à seguinte passagem: "É justo que não estejamos gratos apenas para com aqueles cujas opiniões partilhamos, mas também para com os que se ficaram pela superfície [do assunto]. Também estes contribuíram alguma coisa: deram-nos a oportunidade de exercitar o nosso engenho."*
Lembrando que a afirmação é feita num contexto duma discussão sobre o conceito de progresso. Por conseguinte, o que ele está a fazer é citar uma passagem que, pela sua mera existência (e pelo facto de falar de implicitamente de avanços científicos sem precisar de se justificar) afirma a existência do conceito de progresso, ao mesmo tempo que classifica o trabalho dos seus antecessores como 'superficial'. Deve ser raro farpas deste género conseguirem ser simultaneamente tão bem espetadas e tão mesquinhinhas.
O seu argumento é que existia de facto uma noção de progresso que pode ser estudada à luz duma análise de história das ideias. Como bom colega, em casa no mais amplo território dos estudos humanísticos e da investigação científica, faz a seguinte ressalva: "Se naquilo que estou prestes a dizer encontrarem mais críticas do trabalho prévio de colegas do que encontrarão louvores, note-se que nunca perdi o horizonte daquilo que até mesmo os autores antigos favoráveis à noção de progresso reconheceram: que estamos em dívida para com os que nos precederam tanto por aquilo que nas suas opiniões aceitámos quanto por aquilo que rejeitámos."
Insere neste ponto uma nota de rodapé indicando a Metafísica de Aristóteles (II,1, 933[993]b 11-14). Ora essa indicação leva à seguinte passagem: "É justo que não estejamos gratos apenas para com aqueles cujas opiniões partilhamos, mas também para com os que se ficaram pela superfície [do assunto]. Também estes contribuíram alguma coisa: deram-nos a oportunidade de exercitar o nosso engenho."*
Lembrando que a afirmação é feita num contexto duma discussão sobre o conceito de progresso. Por conseguinte, o que ele está a fazer é citar uma passagem que, pela sua mera existência (e pelo facto de falar de implicitamente de avanços científicos sem precisar de se justificar) afirma a existência do conceito de progresso, ao mesmo tempo que classifica o trabalho dos seus antecessores como 'superficial'. Deve ser raro farpas deste género conseguirem ser simultaneamente tão bem espetadas e tão mesquinhinhas.
* οὐ μόνον δὲ χάριν ἔχειν δίκαιον τούτοις ὧν ἄν τις κοινώσαιτο ταῖς δόξαις, ἀλλὰ καὶ τοῖς ἐπιπολαιότερον ἀποφηναμένοις: καὶ γὰρ οὗτοι συνεβάλοντό τι: τὴν γὰρ ἕξιν προήσκησαν ἡμῶν
13/10/2018
Como traduzir a destruição do Dilúvio?
Na narração do dilúvio, Yahweh refere várias vezes que tipos de animais devem ser recolhidos. Começa por dizer (Gen 6:20) que devem ser recolhidos dois animais de cada espécie. Mais tarde (Gen 7:2) aprendemos que afinal são sete pares de cada espécie pura -- em antecipação do gigantesco churrasco que acontecerá aquando dos sacrifícios de Génesis 8:20 -- enquanto que das espécies impuras bastará apenas um par, visto que não precisarão de ser sacrificados e não é preciso portanto haver suplentes.
A certa altura (Gen 7:4) Yahweh explica que destruirá as demais criaturas da terra. A palavra que aqui é utilizada é uma palavra muito rara, yequm [יְקוּם]. Esta palavra está relacionada com a raiz semítica que indica "levantar-se"; os leitores do Novo Testamento lembrar-se-ão de já a ter encontrado no famoso episódio da filha de Jaíro (Marc 5:41), onde Jesus diz em Siríaco-aramaico Talitha qumi!, "Talitha, levanta-te!"
É uma palavra intrigante. As línguas semíticas têm raízes que indicam o verbo "ser", apesar de este ser prescindível na vasta maioria das circunstâncias. Em Hebraico a raiz é HWH (possivelmente a mesma raiz que aparece no nome de Deus, YAHWEH). Não é a que é usada aqui. O que salta porém à mente é que o uso da palavra "levantar" para querer dizer "ser" traz à mente tanto a língua grega quanto a latina, onde é precisamente de raízes semelhantes que se constroem palavras como, em Latim, substantia e, em Grego, ὑπόστασις/hypostasis (leitores com alguma inclinação teológica precisarão talvez de desaprender algumas coisas, pois apesar de a palavra hypostasis ter adquirido em uma carta teológica específica, referindo-se às 'pessoas' da trindade, a verdade é que essa é uma clarificação cristã que a língua grega até então não suportava).
Isto porque "stare" em Latim quer dizer "estar de pé", enquanto que histánai (a raíz em hypostasis) pode querer dizer "estar de pé" ou então "pôr de pé". De igual forma, sub- e hyp- são a mesma palavra pronunciada de formas diferentes. Consequentemente, substantia e hypostasis são palavras que se ecoam uma à outra de perto.
A palavra yequm lembra, portanto, as duas palavras acima referidas, mas não se confunde com elas. Para começar, não tem (nem podia ter, dada a natureza da língua hebraica) o prefixo sub. Como foi ela traduzida? Aqui temos a nossa tarefa facilitada, pois como dizia é uma palavra rara, atestada apenas em três passagens da Bíblia Hebraica: na passagem do Génesis acima citada e noutra pouco a seguir (Gen 7:4 e Gen 7:23) e no livro de Deuteronómio (Deut 11:6). Na Vulgata Latina de São Jerónimo aparece vertida, todas as três vezes, como substantia. Dada a polissemia da palavra substantia em Latim (podendo esta significar tanto "substância" como "posses, propriedade material"), não estranhamos.
Em Grego deparamo-nos com uma surpresa. Para percebermos o alcance da surpresa é preciso citar a passagem do livro de Deuteronómio integralmente:
E o que fez a Datan e a Aviram, filhos de Eliab, filho de Ruben, quando a terra abriu a sua boca, e os engoliu a eles, às suas casas, às suas tendas, e à totalidade de yequm que estava ao pé deles no meio de todo Israel.
(Deut 11:6)
ואשר עשה לדתן ולאבירם בני אליאב בן־ראובן אשר פצתה הארץ את־פיה ותבלעם ואת־בתיהם ואת־אהליהם ואת כל־היקום אשר ברגליהם בקרב כל־ישראל
A tradução portuguesa de Ferreira de Almeida traduz por "tudo o que subsistia" -- uma tradução segura, que tem as mesmas forças e as mesmas fragilidades que a tradução latina. A Bíblia dos Capuchinhos traduz mal (!), interpretando yequm como uma forma da terceira pessoa do verbo laqum, não percebendo que se trata deste substantivo raro, vertendo por "todos os que se levantaram". Em Latim, São Jerónimo escolhe substantia. Em Grego, a Septuaginta opta por hypostasis, lembrando o que dizia acima.
Quanto à primeira passagem do Génesis,
Daqui a sete dias, eu vou fazer chover sobre a terra quarenta dias e quarenta noites, e arrasarei todo o yequm que criei sobre a superfícia da terra.
(Gen 7:4)
כי לימים עוד שבעה אנכי ממטיר על־הארץ ארבעים יום וארבעים לילה ומחיתי את־כל־היקום אשר עשיתי מעל פני האדמה
Não é assim tão óbvio que se esteja a falar de seres vivos, de criaturas, em nenhuma das duas. É possível, mas incerto. É igualmente possível que estivessemos a falar de objectos ou de qualquer outra coisa. Aliás, nesta segunda passagem, embora São Jerónimo mantenha substantia, todas as demais traduções mudam o termo. O texto grego da Septuaginta diz um mirabolante exanastasis/ἐξανάστασις (!), uma palavra de obscura significação. É utilizada uma única vez no Novo Testamento (em Fil 3:11) onde parece ser um sinónimo do muito mais comum anastasis/ἀνάστασις ("ressurreição"), mas nas demais atestações parece querer dizer uma espécie de "expulsão" (derivada daquele sufixo ex-). O que estariam a pensar os tradutores quando traduziram yequm por exanastasis? É uma pergunta sem resposta, até porque não faz qualquer sentido neste contexto.
Há uma terceira aparição da palavra, a segunda do livro do Génesis, oferece muitos dos mesmos problemas:
Há uma terceira aparição da palavra, a segunda do livro do Génesis, oferece muitos dos mesmos problemas:
E arrasou todo o yequm que havia à face da terra, desde o homem até ao animal, até ao verme, até ao pássaro dos céus.
(Gen 7:23)
וימח את־כל־היקום אשר על־פני האדמה מאדם עד־בהמה עד־רמש ועד־עוף השמים
Aqui estamos num domínio um pouco mais explícito, pois sabemos que yequm se referirá apenas a seres vivos. Contudo, estaria deslocada qualquer fé de que esta passagem pudesse clarificar o sentido da palavra, e que essa clarificação semântica servisse depois para iluminar as outras passagens. Isto porque apesar de neste caso em particular querer dizer, por enumeração, "seres vivos", as outras passagens contrariam explicitamente essa definição possível. Mais uma vez, o Grego é de pouco auxílio. Pelo menos desta vez fica-se pelo campo semântico de levantar, sem ex- de acréscimo, mas mesmo assim a palavra escolhida é, mais uma vez, perplexante: anastema, que significa algo como "protuberância". É de pouco auxílio a entender o sentido do Hebraico; São Jerónimo mantém-se constante, e traduz mais uma vez por substantia. Na prática, portanto, obtemos desta juxtaposição três definições possíveis:
- Gen 7:4 -- yequm é de sentido vago e não identificável (Grego :: exanastasis)
- Gen 7:23 -- yequm quer dizer todos os seres vivos, incluindo seres humanos (Grego :: anastema)
- Deut 11:6 -- yequm quer dizer propriedade privada de seres humanos, incluindo, será de esperar, animais, mas excluindo tendas e casas. (Grego :: hypostasis)
A tradução mais esperada em Grego não teria sido nenhuma das três. Claro que não seria jamais possível prescindir do hypo- de hypostasis, visto que stasis por si só tem em Grego um sentido completamente diferente, indicando "imobilidade", e significando corriqueiramente "guerra civil". Mas havia outra palavra que teria permitido manter a coerência entre as três passagens, ao mesmo tempo que se mantinha a ambiguidade semântica. A palavra ousia é, famosamente, a nominalização do verbo 'ser' em Grego, algo como "sência". Devido à mesma evolução semântica que levou a que substantia quisesse dizer não apenas "substância filosófica" mas também "propriedade privada", assim também ousia quer dizer as duas coisas. Teria sido a melhor palavra para traduzir, e nunca saberemos o porquê desta oscilação e insegurança.
04/10/2018
Sobre os Querubins do Jardim do Éden
Quando Yahweh-Elohim expulsa Adão e Eva do Jardim do Éden, fá-lo num momento dramático, precipitado, num esforço de contenção de danos. Adão já se tornara "como um de nós" [כאחד ממנו Gen. 3:22] (numa sobrevivência relativamente transparente que se refere ao politeísmo israelita, de tradição mesopotâmica, que antecede a redação final da Bíblia Hebraica), na medida em que já sabe o que é o Bem e o Mal. Parece, contudo, que há um outro prémio. Embora para ser "um de nós" baste esse conhecimento, há ainda a árvore da Vida, que lhe permitiria viver para sempre.
Yahweh-Elohim quer impedir isto, e precipita-se para expulsar Adão do Jardim do Éden. Fá-lo, entregando-o ao castigo que estabelecera anteriormente na história: cultivar a terra. Para impedir o casal de voltar, Yahweh-Elohim coloca antes de mais querubins "a leste do Jardim do Éden [...] para guardar a árvore da vida]". O sentido exacto da palavra 'querubim' é incerto. Provavelmente, dizem-nos estudos de mitologia comparada, é o mesmo tipo de ente que no meio mesopotâmico se chamava em Sumério e Acádico lamassu, shedu, ou (atente-se) kirubu, as estranhas figuras esfíngicas que adornavam os palácios imperiais da Babilónia e da Assíria. Hoje em dia os mais famosos são certamente os do palácio do rei Sargão II em Dur-Sharrukin, que abrem a secção mesopotâmica do Louvre [ilustração abaixo].
Ao contrário do que a iconografia dita e da imagem mental que costumamos ter, os querubins que defendem o Jardim não empunham espadas de fogo. Aquilo que o texto diz é: "Colocou a leste do Jardim do Éden os querubins e o fogo da espada (i.e., a espada de fogo) giratória" [Gen 3:24 וישכן מקדם לגן־עדן את־הכרבים ואת להט החרב המתהפכת]. Que os Querubins estão a empunhar a espada de fogo giratória não é algo que apareça no texto. O argumento, simples e cândido, de que essa seja uma dedução lícita tendo em conta a parcimónia do texto, não se aguenta com muita força se admitirmos que os Querubins sejam as tais criaturas descritas acima, pelo motivo honesto de que não penso que seja muito simples segurar uma espada com aquilo que são, na prática, cascos de vaca.
O Hebraico possui apenas dois géneros, masculino e feminino. Em Grego há o terceiro, o género neutro. A versão grega do texto refere-se aos Querubins com um artigo neutro ["τὰ χερουβιμ"], indicando que, pelo menos aquando da tradução para Grego, estes Querubins estão entendidos como seres não necessariamente antropomórficos. Algo que um estudioso de Grego achará estranho, visto que a língua grega não tem pudor em designar criaturas, mesmo híbridas, com os géneros outros que não sejam o neutro. São as sereias (feminino), são os centauros (masculino), não o neutro. É certo devemos dizer que o tratamento linguístico que a Bíblia Grega faz dos Querubins é ambíguo. No livro do Êxodo, nas passagens sobre os Querubins que adornam a Arca da Aliança, o género masculino e o neutro intercalam-se, assim como nos querubins da quadriga de Deus na visão mística do livro de Ezequiel, mas o neutro tende a predominar.
É ainda de notar que a espada de fogo é definida individualmente - é A espada de fogo giratória. A imagem que portanto se desenha é que, a proteger o Jardim do Éden, há não só os Querubins - gado bovino com cara de gente - como também uma espada em chamas a girar em alta velocidade no perímetro do lugar.
11/07/2018
Cântico de Verão - Hannah Arendt [Sommerlied]
Cântico de
Verão
Do Verão com minhas mãos.
Sobre a terra grave, sombria
Estendem-se dolorosos meus membros.
Campos que se inclinam soando,
Caminhos que o bosque encobre,
Tudo isto exige um silêncio severo:
Pois amamos, quando sofremos,
Que a vítima, que a abundância
Não ressequem a mão do sacerdote,
Que numa calma clara e nobre
A Alegria não esvaneça.
Porque as águas transbordam,
O cansaço quer destruir-nos,
E nós deixamos a nossa vida
Ao amarmos, ao vivermos.
Tradução minha
Sommerlied
Durch des Sommers reife Fülle
Lass ich meine Hände gleiten.
Meine Glieder schmerzhaft weiten
Zu der dunklen, schweren Erde.
Felder, die sich tönend neigen,
Pfade, die der Wald verschüttet.
Alles zwingt zum strengen Schweigen:
Dass wir lieben, wenn wier leiden,
Dass das Opfer, dass die Fülle
Nicht des Priesters Hand verdorre,
Dass in edler klarer Stille
Uns die Freude nicht ersterbe.
Denn die Wasser fließen über,
Müdigkeit will uns zerstören
Und wir lassen unser Leben
Wenn wir liebenn, wenn wir leben.
23/06/2018
Sobre cada nova forma repousa já a sombra da destruição.
Sobre cada nova forma repousa já a sombra da destruição. Percorre a face de cada um individualmente, a de cada existência comum, e a de todo o mundo, não num arco sempre mais largo e mais belo que se expanda, mas sim num percurso que, assim que atinge o Meridiano, recua para o interior das trevas. Para Browne, até a ciência de como desaparecer na obscuridade está indissoluvelmente ligada à crença de que no dia da Ressurreição, quando, tal como num teatro, as últimas revoluções terão chegado a fruição, todos os actores voltarão a aparecer ainda uma última vez no palco, to complete and make up the catrastrophe of this great piece. O médico, que vê como as doenças dos corpos crescem e se enfurecem, é capaz de conceber melhor a mortalidade do que o florescer da vida. Para ele é um milagre que sejamos capazes de nos manter compostos sequer um dia. Contra o ópio do tempo que passa, escreve ele, não há planta que cresça. O sol de inverno põe em evidência o quão depressa a luz se desfaz na cinza, quão depressa a noite nos agarra. Hora após hora, a conta vai-se acumulando. Até o tempo envelhece. Pirâmides, Arcos de Triunfo, Obeliscos, são colunas de gelo derretendo. Jamais alguém que tenha encontrado um lugar junto das imagens do céu pôde ficar em descanso. Nimrod perdeu-se em Orion, Osiris na Canícula. Os maiores povos não duraram mais do que uns três carvalhos. Colocar o próprio nome numa qualquer obra não garante a ninguém direito à recordação, pois quem sabe se não são precisamente os melhores que desaparecem sem deixar rasto. A semente de papoila cai por toda a parte, e se num dia de verão o sofrimento poisa inesperadamente sobre nós como neve, o nosso único desejo é sermos esquecidos . . .W. G. Sebald. Die Ringe des Saturn. Tradução minha.
Auf jeder neuen Form liegt schon der Schatten der Zerstörung. Es verläuft nämlich die Geschichte jedes einzelnen, die jedes Gemeinwesens und die der ganzen Welt nicht auf einem stets weiter und schöner sich aufschwingenden Bogen, sondern auf einer Bahn, die, nachdem der Meridian erreicht ist, hinunterführt in die Dunkelheit. Die eigene Wissenschaft vom Verschwinden in der Obskurität ist für Browne untrennbar verbunden mit dem Glauben, daß am Tag der Auferstehung, wenn, so wie auf einem Theater, die letzten Revolutionen vollendet sind, die Schauspieler alle noch einmal auf der Bühne erscheinen, to complete and make up the catastrophe of this great piece. Der Arzt, der die Krankheiten in den Körpern wachsen und wüten sieht, begreift die Sterblichkeit besser als die Blüte des Lebens. Ihn dünkt es ein Wunder, daß wir uns halten auch bloß einen einzigen Tag. Gegen das Opium der verstreichenden Zeit, schreibt er, ist kein Kraut gewachsen. Die Wintersonne zeigt an, wie bald das Licht erlischt in der Asche, wie bald uns die Nacht umfängt. Stunde um Stunde wird an die Rechnung gereiht. Sogar die Zeit selber wird alt. Pyramiden, Triumphbögen und Obelisken sind Säulen von schmelzendem Eis. Nicht einmal diejenigen, die einen Platz gefunden haben unter den Bildern des Himmels, konnten auf immer ihren Ruhm sich erhalten. Nimrod ist im Orion verloren, Osiris im Hundsstern. Kaum drei Eichen haben die größten Geschlechter überdauert. Den eigenen Namen auf irgendein Werk zu setzen, sichert niemandem das Anrecht auf Erinnerung, denn wer weiß, ob nicht gerade die besten spurlos verschwunden sind. Der Mohnsamen geht überall auf, und wenn an einem Sommertag unversehens das Elend wie Schnee über uns kommt, wünschen wir nurmehr, vergessen zu werden ...
16/06/2018
Cinco poemas da Ingeborg Bachmann
Dizer o escuro
Como Orfeu eu toquei
na lira da vida a morte,
e à beleza da terra
e dos teus olhos que do céu cuidavam,
eu sei apenas: dizer o escuro.
Não te esqueças que também tu, subitamente,
naquela manhã, quando o teu leito
estava ainda húmido de orvalho e o trevo
dormia no teu coração,
viste o pé escuro
que diante de ti marchou.
Com a corda do silêncio
esticada sobre a onda de sangue,
eu agarrei o teu coração soante.
As tuas tranças mudaram-se
nos cabelos de sombra da noite,
os flocos negros das trevas
cortaram o teu rosto.
E eu não te ouvi.
Agora ambos nos lamentamos.
Mas como Orfeu eu conheço
nas cordas da morte a vida,
e azula-se-me
o teu olho eternamente fechado.
Sombras Rosas Sombras
Sob um Céu estrangeiro
Sombras Rosas
Sombras
sobre uma Terra estrangeira
entre Rosas e Sombras
numa Água estrangeira
minha Sombra
Salmo
1
Cala-te comigo, como todos os relógios se calam!
No pós-parto do terror
o verme procura novo alimento.
Uma mão Sexta-feira Santa suspensa
no firmamento, faltam-lhe dois dedos,
ela não pode jurar que tudo,
que tudo não tenha acontecido e que nada
venha a acontecer. Mergulha no vermelho das nuvens,
arrasta fora o novo assassino,
e vai em liberdade.
De noite nesta terra
agarrar à janela, dobrar os lençóis
para que os segredos do doente se exponham,
uma jura de alimento, dores sem fim
para todos os gostos.
Os talhantes sustêm, de luvas nas mãos,
a respiração dos despidos,
a lua na porta cai até ao chão,
deixa os estilhaços para lá, a pega . . .
Estava tudo orientado para a extrema unção.
(O Sacramento não pode ser completado.)
2
Quão vão é tudo.
Se uma cidade se valsear daqui para fora,
ergue-te do pó desta cidade,
apodera-te duma respiração
e dispõe-te
para te opores a seres exposto.
Cumpre a promessa
diante de um espelho cego na brisa,
diante duma porta fechada ao vento.
São intransponíveis os caminhos pelos penhascos do céu.
3
Ó olhos, queimados pela terra acumuladora de Sol,
carregada do peso da chuva de todos os olhos,
e agora presa em ilusões, presa na teia
da aranha trágica
do passado . . .
4
No fosso da minha mudez
põe uma palavra
e traz bosques muitos para ambos os lados
para que a minha boca
fique toda à sombra.
A Noite dos Esquecidos
O Fim do Amor
[da Nachlass]
Uma lua, um sol
e o mar escuro.
Agora, tudo escuro.
Apenas porque é de noite
e nada de humano
se entretece neste detalhe trabalhado.
Aquilo de que tu me acusas
E tanta amargura,
Não o faças.
Eu não sabia nada melhor
do que amar-te, eu
não pensei,
que pelo suor da pele
o [--] mundo
e que o centavo caiu
[da Nachlass]
Não conheço nenhum mundo melhor.
A moral imbecil da vítima não permite ter muita esperança.
Uma pergunta execrável, com sinceridade, sozinha,
chega ao torturado, para lhe mostrar o valor
de ter sobrevivido, ao ser atacado, para baixar a guarda,
para elevar até si a moral imbecil da vítima
mas sem anunciar
aos torturados este chinfrim por uma hora que seja
Para os torturados, quer este chinfrim seja
ainda um Anúncio, para a moral imbecil
da vítima.
As perguntas execráveis vão agora sozinhas
até aos torturados.
Chegam às perguntas execráveis
um dia silenciosas, activas, respostas.
Às perguntas execráveis, não às santas,
que para as santas não há,
os que lá as sofrem
no que de mais execrável há
descobriram uma resposta.
Quem lá sofre deixa-se estar.
A alma bela
Ingerborg Bachmann. Traduções minha.
in Sämtliche Gedichte. (2010) Piper& in Ich weiß keine bessere Welt: Nachgelassene Gedichte. (2016) Piper
Dunkles zu sagenWie Orpheus spiel ichauf den Saiten des Lebens den Todund in die Schönheit der Erdeund deiner Augen, die den Himmel verwalten,weiß ich nur Dunkles zu sagen.Vergiß nicht, daß auch du, plötzlich,an jenem Morgen, als dein Lagernoch naß war von Tau und die Nelkean deinem Herzen schlief,den dunklen Fluß sahst,der an dir vorbeizog.Die Saite des Schweigensgespannt auf die Welle von Blut,griff ich dein tönendes Herz.Verwandelt ward deine Lockeins Schattenhaar der Nacht,der Finsternis schwarze Flockenbeschneiten dein Antlitz.Und ich gehör dich nicht zu.Beide klagen wir nun.Aber wie Orpheus weiß ichauf der Seite des Todes das Leben,und mir blautdein für immer geschlossenes Aug.Schatten Rosen SchattenUnter einem fremden HimmelSchatten RosenSchattenauf einer fremden Erdezwischen Rosen und Schattenin einem fremden Wassermein Schatten
Psalm
1Schweigt mit mir, wie alle Glocken schweigen!In der Nachgeburt der Schreckensucht das Geschmeiß nach neuer Nahrung.Zur Ansicht hängt karfreitags eine Handam Firmament, zwei Finger fehlen ihr,sie kann nicht schwören, daß alles,alles nicht gewesen sei und nichtssein wird. Sie taucht ins Wolkenrot,entrückt die neuen Mörderund geht frei.Nachts auf dieser Erdein Fenster greifen, die Linnen zurückschlagen,daß der Kranken Heimlichkeit bloßliegt,ein Geschwür voll Nahrung, unendliche Schmerzenfür jeden Geschmack.Die Metzger halten, behandschuht,den Atem der Entblößten an,der Mond in der Tür fällt zu Boden,laß die Scherben liegen, den Henkel ...Alles war gerichtet für die letzte Ölung.(Das Sakrament kann nicht vollzogen werden.)
2Wie eitel alles ist.Wälze eine Stadt heran,erhebe dich aus dem Staub dieser Stadt,übernimm ein Amtund verstelle dich,um der Bloßstellung zu entgehen.Löse die Versprechen einvor einem blinden Spiegel in der Luft,vor einer verschlossenen Tür im Wind.Unbegangen sind die Wege auf der Steilwand des Himmels.
3O Augen, an dem Sonnenspeicher Erde verbrannt,mit der Regenlast aller Augen beladen,und jetzt versponnen, verwebtvon den tragischen Spinnender Gegenwart ...
4In die Mulde meiner Stummheitleg ein Wortund zieh Wälder groß zu beiden Seiten,daß mein Mundganz im Schatten liegt.
DIE NACHT DER VERLORENENDAS ENDE DER LIEBE
Ein Mond, ein Himmelund das dunkle Meer.Nur, dunkel alles.Nur weil es Nacht istund nichts Menschlichesdies feingewirkte auch durchwebt.Was wirfst du mir noch vorund solche Bitterkeit,Tu's nicht.Ich hab nichts Besseres gewußtals dich zu lieben, ich habnicht gedacht,daß durch den Schweiß der Hautdie [– –] Weltund daß der Groschen fiel
Ich weiß keine bessere Welt.Die schwachsinnige Moral der Opfer läßt wenig hoffen.Eine verruchte Frage, auf Ehre, allein,kommt dem Gefolterten, dies Überlebenssich wert zu zeigen, im Angriff, abzulegendie schwachsinnige Moral der Opfersich zu erheben, dieses Geröchelnicht mehr zu werben um eine Stunde.an die Gefolterten, ob dies Geröchel nochWerbung ist, für die schwachsinnige Moralder Opfer.Die verruchten Fragen gehn jetzt alleinan die GefoltertenAuf die verruchten Fragen kommt sieeines Tages, die lautlose, tätige Antwort.Auf verruchte Fragen, nicht die seligen,gibt es nicht auf die seligen,der die da leidenauf die verruchtestenfinden sich eine Antwort.der die da leiden, lassen sich stellen.Die schöne Seele
15/06/2018
!نور على نور
Deus é a luz dos céus e da terra. Uma parábola da sua luz: é como se houvesse uma reentrância com uma candeia lá dentro, e a candeia está num vidro, e o vidro é como uma estrela cor de pérola acendido pela árvore abençoada da oliveira que não se inclina nem para oriente nem para ocidente, e cujo óleo brilharia mesmo se nenhum fogo a tocasse. Luz sobre Luz! Deus guia até à sua luz quem quer, e cunhou parábolas para a Humanidade - e Deus é de tudo sabedor.
Qurão, Sura da Luz [24.35] Tradução minha.
اللَّهُ نُورُ السَّمَاوَاتِ وَالْأَرْضِ مَثَلُ نُورِهِ كَمِشْكَاةٍ فِيهَا مِصْبَاحٌ الْمِصْبَاحُ فِي زُجَاجَةٍ الزُّجَاجَةُ كَأَنَّهَا كَوْكَبٌ دُرِّيٌّ يُوقَدُ مِن شَجَرَةٍ مُّبَارَكَةٍ زَيْتُونِةٍ لَّا شَرْقِيَّةٍ وَلَا غَرْبِيَّةٍ يَكَادُ زَيْتُهَا يُضِيءُ وَلَوْ لَمْ تَمْسَسْهُ نَارٌ نُّورٌ عَلَى نُورٍ يَهْدِي اللَّهُ لِنُورِهِ مَن يَشَاء وَيَضْرِبُ اللَّهُ الْأَمْثَالَ لِلنَّاسِ وَاللَّهُ بِكُلِّ شَيْءٍ عَلِيمٌ
31/05/2018
O Erro de Sócrates
László Krasznahorkai. War and War. George Szirtes trad. (2016) Tuskar Rock Press
. . . this was the point, he said, especially in the way it came to him in all its banality, vulgarity, at a sickening ridiculous level, but this was the point, he said, the way that he, at the age of forty-four, had become aware of how utterly stupid he seemed to himself, how empty, how utterly blockheaded he had been in his understanding of the world these last forty-four years, for, as he realized by the river, he had not only misunderstood it, but had not understood anything about anything, the worst part being that for forty-four years he thought he had understood it, while in reality he had failed to do so, and this in fact was the thing of all that night of his birthday when he sat alone by the river, the worst because the fact that he now realized that he had not understood it did not mean that he did understand it now, because being aware of his lack of knowledge was not in itself some new form of knowledge for which an older one could be traded in, but one that presented itself as a terrifying puzzle the moment he thought about the world, as he most furiously did that evening, all but torturing himself in the effort to understand it and failing, because the puzzle seemed ever more complex and he had begun to feel that this world-puzzle that he was so desperate to understand, that he was torturing himself trying to understand was really the puzzle of himself and the world at once, that they were in effect one and the same thing, which was the conclusion he had so far reached, and he had not yet given up on it, when . . .
21/05/2018
Rhyme or Reason
Leo Spitzer, Classical and Christian Ideas of World Harmony: Prolegomena to an Interpretation of the Word "Stimmung". 1963. The John Hopkins Press
To the traditional interpretation of the new rhyme technique as due to the decay of ancient quantity and the rise of stress in the Romance languages, I should like to add a further explanations based on the different function of phonetic consonance in the ancient and modern languages respectively: The device of homoioteleuton was used in the ancient languages to express intellectual correspondences: nect- , flect- , plect- , or, especially, in the endings of the declension: omnia praeclara rara; abiit, fugit, evasit. A language which has established the principle of rhyme as a basis of grammatical accord can draw from it little poetic effect (in French the scant remainders of grammatical consonance -é, -er, -ais are never poetic). Rhyme as a poetic device has originated in our modern languages because it is no longer used for grammatical concordance: it serves to link words which precisely are not easily connected, and therein lies its charms. The Latin sequence quoted above appears in modern languages without grammatical rhyme (toutes les belles choses sont rares), and we may assume that the decay of the Latin nominal and verbal declension system must have contributed to the development of rhyme as a poetic device. While the inflectional system was still in full vigor, the poetic flavor of language could be enhanced only by quantitative prosody. That the disappearance of grammatical rhyme opened the way to poetic rhyme is also suggested by the fact that in late antiquity (and later, through the Middle Ages in the so-called Reimprosa) rhyme was used, in prose alone, as a device for underlining intellectual parallelism (cola). It was employed by Tertullian (according to Vossler) because it belonged to the “sophistical and rhetorical apparatus of Greco-Latin artistic prose” —and Christian propaganda should not show a style inferior to that of the heathen. It is well known that Augustine, although in his discussion of metrics (De musica) he fails to mention rhyme as a “musical phenomenon”, was the first to use the rhyme form in a poem; it is to be found in a psalm, reminiscent of later Romance tirades, contra Donatianum, which is somewhat in the middle between poetry and dogmatic propaganda. I would suggest that, in the rescue of rhyme from its prosaic commitments, nothing was more influential (in a Latin which had freed itself from the quantitative system and which —at least in the case of the spoken form, Vulgar Latin— was about to lose its declension system) that was the idea of (the musical) world harmony. With the Romans, the expression consonantia vocum (which, as we have already seen, was a by-product of their world harmony) was applied to grammatical accord, but now we find “consonance” used as the name for the rhyme ([con]sonans, acordans in the old Provençal Leys d’Amors, etc.), since this, likewise, is an echo of the world harmony (the German word for rhyme meant originally “order” and may render the idea of the numeri. Rhyme as a musical device is in line with Ambrose’s addition of oriental music to the text of his hymns in praise of world harmony —oriental music that would have sounded as barbarous to the nice ear of the Greeks as the rhyme. The tremendous development of music is not thinkable without the Christina idea of world harmony: as Ambrose says in his History of Music (quoted by Vossler), music was “freed from the shackles of metrics”: in the alleluias, or in the final lines of psalms, music went its own way, apart from the text. Now rhyme itself is perhaps of a parallel “barbaric,” oriental original (Lydian according to Vossler, but Syrian according to W. Meyer aus Speier); it is also a typically Christian device (“In the first six centuries there is hardly a single rhymed poem to be found in Latin that is not inspired by Christian sentiment” —Vossler). Is it, then, too bold to assume, along with the introduction of a music joined with words and expanding beyond the range of words the introduction also of a second music within the words themselves, i.e., rhyme, used as a devise in unison with the idea of world harmony and possessed of all the emotional, unintellectual impact of this idea? The Gesamtkunstwerk technique implies generally synesthetic devices: the “musicalization of poetry” by the rhyme would be only another feature of the conception of art as musical art. The polyphony in which the manifoldness of the universe is brought to unity, is echoed within the poem by a device which holds together words that strive apart. Both polyphony and rhyme are Christina developments, patterned on world harmony; in the ambiguity of the word consonantia in the Middle Ages (“chord” or “rhyme”) we may grasp the fundamental kinship of the two meanings. Rhyme is now redeemed from intellectualism, it is an acoustic and emotional phenomenon responding to the harmony of the world.
19/05/2018
13/05/2018
Sir Gawain and the Green Knight
Sir Gawain and the Green Knight 199-202
He loked as layt so lyȝt,
So sayd al þat hym syȝe
Hit semed as no mon myȝt
Vnder his dyntteȝ dryȝe.
um poema mesopotâmico
inquieto e simultâneo
arqueou as asas e poisou, deus,
na muralha da cidade, nos tijolos açafrão.
ele que vira as profundezas,
chilreou e aninhou a cabeça
na curvatura do próprio pescoço.
e tu quando virás, estrela da Véspera?
e quando lustrará
seu canto o teu sono?
arqueou as asas e poisou, deus,
na muralha da cidade, nos tijolos açafrão.
ele que vira as profundezas,
chilreou e aninhou a cabeça
na curvatura do próprio pescoço.
e tu quando virás, estrela da Véspera?
e quando lustrará
seu canto o teu sono?
11/05/2018
04/05/2018
O Sacrifício de Isaac
Génesis 22:1-19. Tradução do Hebraico minha
*1 מוריה/Moryáh :: Nome composto teofórico, "Visto/ordenado por Yahweh"
*2 Yahweh-yir'eh
para a Teresa, que pediu
[22.1] E aconteceu depois destas coisas, e Elohim testou Abraão, e disse-lhe, Abraão, e disse, Aqui estou eu. [2] E disse, Vá, pega no teu filho, no único, aquele que amaste, em Isaac, e vai até à terra de Mória*1, e sobe-o até lá, para o imolares naquele dos montes que eu te direi. [3] E madrugou Abraão de manhã e pôs a sela no seu jumento e pegou em dois dos seus rapazes consigo e em Isaac seu filho, e cortou lenha da imolação, e levantou-se, e foi até ao lugar que lhe disse Elohim. [4] No terceiro dia Abraão ergueu os seus olhos e viu o lugar na distância. [5] E disse Abraão aos seus rapazes, Andem, fiquem aqui com o jumento, e eu e o rapaz vamos ali, e adoraremos, e regressaremos até vós. [6] E pegou Abraão na lenha da imolação e pô-la sobre Isaac seu filho e pegou com sua mão no fogo e na faca, e foram os dois juntos. [7] E disse Isaac a Abraão seu pai, e disse, Meu pai, e disse, Aqui estou eu, meu filho, e disse, Aqui está o fogo e a lenha, e onde está o cordeiro para a imolação? [8] E disse Abraão, Elohim verá do cordeiro para a imolação, meu filho, e foram os dois juntos. [9] E chegaram ao lugar que Elohim lhe tinha dito, e construiu lá Abraão o altar e dispôs a lenha e amarrou Isaac seu filho e pô-lo sobre o altar de sobre a lenha. [10] E estendeu Abraão a sua mão e pegou na faca para matar o seu filho. [11] E clamou-lhe um anjo de Yahweh dos céus e disse Abraão, Abraão, e disse, Aqui estou eu. [12] E disse, Não estendas a tua mão sobre o rapaz, e não lhe faças o que quer que seja, pois agora soube que tu tens medo de Elohim, e não poupaste o teu filho, o teu único, de mim. [13] E ergueu Abraão os seus olhos e viu que ali atrás estava um carneiro preso nos arbustos pelos chifres, e Abraão foi e pegou no carneiro e imolou-o numa imolação pelo seu filho. [14] E proclamou Abraão o nome do monte: Yahweh-Verá*2, tal como se diz hoje no monte, Yahweh verá. [15] E clamou um anjo de Yahweh a Abraão uma segunda vez dos céus. [16] E disse, Por mim jurei - palavra de Yahweh - pois vi que fizeste esta coisa e não poupaste o teu filho, o teu único. [17] Por isso abençoar-te-ei uma grande benção, multiplicarei multiplamente a tua semente como as estrelas do céu e como a areia na língua do mar, e possuirá a tua semente a porta dos seus inimigos. [18] E serão abençoadas na tua descendência todas as nações da terra, visto que ouviste a minha voz. [19] E voltou Abraão aos seus rapazes, e levantaram-se, e foram juntamente para Ber-Sheva, e morou Abraão em Ber-Sheva.
*1 מוריה/Moryáh :: Nome composto teofórico, "Visto/ordenado por Yahweh"
*2 Yahweh-yir'eh
Imagem: Sacrifício de Ishmael, Antologia Timurid, Shiraz, 1410-1411 @ Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa
A tradição islâmica, comemorada no Eid Al-Adha, afirma que fora Ishmael, o filho de Abraão com Hagar, e não Isaac, o filho de Abraão com Sarah, o alvo da ordem de Deus.
24/04/2018
Πίστις Σοφία
A primeira coisa que Deus criou foi a Razão, e disse-lhe: "Avança!", e avançou. E disse-lhe: "Recua!", e recuou. E disse-lhe: "Não criei para mim nada mais belo do que tu, nem nada que eu ame mais do que a ti. Por ti hei eu de tirar, e por ti hei eu de dar."
ان اول ما خلق الله العقل فقال له 《اقبل》 فاقبل وقال له 《ادرب》 فادرب فقال 《ما خلقت شيئا احسن الى منك احب الى منك. بك آخذ وبك اعطى》
22/04/2018
um poema primaveril do Oswald von Wolkenstein
Oswald von Wolkenstein. Tradução do Alto-alemão Médio minha. Texto original aqui.
Vil lieber grüesse süesse
sich erheben, streben,
frölich zölich yetten,
tretten in das pfat
drat. frue und spat
hört man dringen,
singen, klingen,
voglin in den ouen.
Durch helle döne schöne,
in den strauhen rauhen
esten glesten, fliegen,
kriegen widerstreit.
breit anger weit
sol man grüenlich
küenlich süenlich
kurzlich ane schouen.
Winder kalt
ungestalt,
dein gewalt
ist entspalt
von den süessen lüfften.
liechten summer
ane kummer
wil ich tummer
als ein frummer
geuden und güfften.
Grüener kle
jagt den snee
jarlang me
inn den see
wilder meres flüete.
nachtigalle,
droschel schalle,
lerchen halle
uns gevalle
für des oftens güete.
Die blumen gele hele,
hübsch geverbet, gärbet,
praune schaune plaue
grau mangerlai.
mai, dein geschrai
sich florieret,
zieret, fieret
kösstlicher gelüsste.
Und hübsche wäsli, gräsli,
sich entsliessen, spriessen
hüglich tüglich, plüede
früede, violspranz,
glanz firlafanz,
aller pame
zame game
zier aus kalder früste.
Stauden stock
machet schock
Rauhen rock
als ain bock
löblichen bedecket
swarzer doren
weiss erkoren.
gar verloren
ist der zoren,
den der winder wecket.
Küeler brunn,
warme sunn
geit uns wunn.
gail dich, nunn,
hinden auss dem kloster,
bei dem Reine
in dem scheine
als ein veine
buelbegeine
raien nach den ostern!
Die swammen stupfen, lupfen
auss der erde herde
würmli türmli wachen,
machen neuen slauch.
gauch, lock uns auch
durch die haide!
raide, ir maide,
suecht der stauden winkel!
Da well wir kosen, losen
mit beslossen, gossen,
warmen armen lieplih
dieblich inn den busch.
dusch, mündlin, kusch!
ob die raine
klaine saine
mir emblösst ein schinkel
An ain knie,
ich wer hie,
des nit lie
und tet, wie
ich das gefüegen kunde,
zue ir rucken,
freuntlich smucken,
lieplich drucken,
biegen, bucken,
ob si mir des gunde!
So wär quitt,
was ich litt.
hielt sis mit,
diesen stritt
müesset ich überwinden,
sunder klifen
tasten, grifen,
manigen lifen
lust vertrifen
bleiben bei dem kinde.
|
Muitos doces e queridos
Se levantam, crescem,
Se mandam alegres e vivos,
E se põem a caminho
Agora! Cedo e tarde
Ouvimos espalhados
Os pássaros no prado
Que cantam, que soam!
Com claros belos tons
Nas folhas dos arbustos
Comem, brilham, voam
Lutam cá e lá,
Longe, extensos, muitos,
Dá para os ver
Alegres, amigáveis,
Juntos uns dos outros.
Inverno frio,
Descomposto,
O teu poder
Desmorona-se
Face às doces brisas!
À leveza do verão
Quero entregar-me
Sem cuidados
Lançar-me a ela
Simples e ousado.
O trevo verde
Afugenta a neve
Deste ano
Até ao mar,
Às bravas ondas do oceano.
Os Rouxinóis
De canto límpido,
A voz das cotovias,
Agradam-nos bem mais
Que estar à braseira!
As flores brilham amarelas,
Ostentam-se lindas, vestidas
De castanho, dourado, azul
E aqui e lá cinzento.
Maio, o teu grito
Floresce,
Explode em beleza, persegue
Impagáveis prazeres.
E belos tufos de relva,
Soerguem-se, brotam
Felizes, fortes,
Frescos, cobertos de violetas,
O brilho exuberante
De todas as árvores
Deleita o olhar,
Explode da geada fria.
Os arbustos crescem
Ramos floridos,
E folhas espessas
Como a barba do bode -
É um espanto como se cobrem
De negros espinhos
E brancos botões.
Porque desapareceu
O ódio
Que o inverno despertara.
Nascentes frias,
Sol quente,
Gostamos disto.
Freira, pisga-te
Do teu convento!
[E aparece] junto ao Reno
À luz do dia,
E como uma nobre
Que não fez votos
Ama após a Páscoa!
Os cogumelos saem, espremem-se
Dos montes de terra,
As serpentitas acordam aos tropeços,
E voltam a alimentar-se.
Cuco, guia-nos
Pelo prado!
Rápido, meninas,
Procurem um espaço nos arbustos!
Para trocarmos murmúrios, brincarmos,
Derramarmos um sobre o outro os braços Apertados quentes de amor
Às escondidas entre as plantas.
Chiu, lábios - beijem-me!
Se a rapariga
Gentil e hesitante
Me mostrar a perna
Até ao joelho,
Eu vou tentar,
Quanto puder,
Convencê-la
A deixar-me aproximar-me
E a deitá-la de costas
Para lhe tocar gentilmente,
Empurrá-la com amor,
Segurá-la, virá-la -
Isto se ela o quiser!
Se assim for, será recompensado
O meu sofrimento.
Se ela o permitir,
Eu hei-de ganhar
Este combate!
Muitos tipos
De toques e de apertos
Há a experimentar,
Muitas carícias de paixão
Nos aguardam com [a criança?].
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