Dizer o escuro
Como Orfeu eu toquei
na lira da vida a morte,
e à beleza da terra
e dos teus olhos que do céu cuidavam,
eu sei apenas: dizer o escuro.
Não te esqueças que também tu, subitamente,
naquela manhã, quando o teu leito
estava ainda húmido de orvalho e o trevo
dormia no teu coração,
viste o pé escuro
que diante de ti marchou.
Com a corda do silêncio
esticada sobre a onda de sangue,
eu agarrei o teu coração soante.
As tuas tranças mudaram-se
nos cabelos de sombra da noite,
os flocos negros das trevas
cortaram o teu rosto.
E eu não te ouvi.
Agora ambos nos lamentamos.
Mas como Orfeu eu conheço
nas cordas da morte a vida,
e azula-se-me
o teu olho eternamente fechado.
Sombras Rosas Sombras
Sob um Céu estrangeiro
Sombras Rosas
Sombras
sobre uma Terra estrangeira
entre Rosas e Sombras
numa Água estrangeira
minha Sombra
Salmo
1
Cala-te comigo, como todos os relógios se calam!
No pós-parto do terror
o verme procura novo alimento.
Uma mão Sexta-feira Santa suspensa
no firmamento, faltam-lhe dois dedos,
ela não pode jurar que tudo,
que tudo não tenha acontecido e que nada
venha a acontecer. Mergulha no vermelho das nuvens,
arrasta fora o novo assassino,
e vai em liberdade.
De noite nesta terra
agarrar à janela, dobrar os lençóis
para que os segredos do doente se exponham,
uma jura de alimento, dores sem fim
para todos os gostos.
Os talhantes sustêm, de luvas nas mãos,
a respiração dos despidos,
a lua na porta cai até ao chão,
deixa os estilhaços para lá, a pega . . .
Estava tudo orientado para a extrema unção.
(O Sacramento não pode ser completado.)
2
Quão vão é tudo.
Se uma cidade se valsear daqui para fora,
ergue-te do pó desta cidade,
apodera-te duma respiração
e dispõe-te
para te opores a seres exposto.
Cumpre a promessa
diante de um espelho cego na brisa,
diante duma porta fechada ao vento.
São intransponíveis os caminhos pelos penhascos do céu.
3
Ó olhos, queimados pela terra acumuladora de Sol,
carregada do peso da chuva de todos os olhos,
e agora presa em ilusões, presa na teia
da aranha trágica
do passado . . .
4
No fosso da minha mudez
põe uma palavra
e traz bosques muitos para ambos os lados
para que a minha boca
fique toda à sombra.
A Noite dos Esquecidos
O Fim do Amor
[da Nachlass]
Uma lua, um sol
e o mar escuro.
Agora, tudo escuro.
Apenas porque é de noite
e nada de humano
se entretece neste detalhe trabalhado.
Aquilo de que tu me acusas
E tanta amargura,
Não o faças.
Eu não sabia nada melhor
do que amar-te, eu
não pensei,
que pelo suor da pele
o [--] mundo
e que o centavo caiu
[da Nachlass]
Não conheço nenhum mundo melhor.
A moral imbecil da vítima não permite ter muita esperança.
Uma pergunta execrável, com sinceridade, sozinha,
chega ao torturado, para lhe mostrar o valor
de ter sobrevivido, ao ser atacado, para baixar a guarda,
para elevar até si a moral imbecil da vítima
mas sem anunciar
aos torturados este chinfrim por uma hora que seja
Para os torturados, quer este chinfrim seja
ainda um Anúncio, para a moral imbecil
da vítima.
As perguntas execráveis vão agora sozinhas
até aos torturados.
Chegam às perguntas execráveis
um dia silenciosas, activas, respostas.
Às perguntas execráveis, não às santas,
que para as santas não há,
os que lá as sofrem
no que de mais execrável há
descobriram uma resposta.
Quem lá sofre deixa-se estar.
A alma bela
Ingerborg Bachmann. Traduções minha.
in Sämtliche Gedichte. (2010) Piper
& in Ich weiß keine bessere Welt: Nachgelassene Gedichte. (2016) Piper
Dunkles zu sagen
Wie Orpheus spiel ich
auf den Saiten des Lebens den Tod
und in die Schönheit der Erde
und deiner Augen, die den Himmel verwalten,
weiß ich nur Dunkles zu sagen.
Vergiß nicht, daß auch du, plötzlich,
an jenem Morgen, als dein Lager
noch naß war von Tau und die Nelke
an deinem Herzen schlief,
den dunklen Fluß sahst,
der an dir vorbeizog.
Die Saite des Schweigens
gespannt auf die Welle von Blut,
griff ich dein tönendes Herz.
Verwandelt ward deine Locke
ins Schattenhaar der Nacht,
der Finsternis schwarze Flocken
beschneiten dein Antlitz.
Und ich gehör dich nicht zu.
Beide klagen wir nun.
Aber wie Orpheus weiß ich
auf der Seite des Todes das Leben,
und mir blaut
dein für immer geschlossenes Aug.
Schatten Rosen Schatten
Unter einem fremden Himmel
Schatten Rosen
Schatten
auf einer fremden Erde
zwischen Rosen und Schatten
in einem fremden Wasser
mein Schatten
Psalm
1
Schweigt mit mir, wie alle Glocken schweigen!
In der Nachgeburt der Schrecken
sucht das Geschmeiß nach neuer Nahrung.
Zur Ansicht hängt karfreitags eine Hand
am Firmament, zwei Finger fehlen ihr,
sie kann nicht schwören, daß alles,
alles nicht gewesen sei und nichts
sein wird. Sie taucht ins Wolkenrot,
entrückt die neuen Mörder
und geht frei.
Nachts auf dieser Erde
in Fenster greifen, die Linnen zurückschlagen,
daß der Kranken Heimlichkeit bloßliegt,
ein Geschwür voll Nahrung, unendliche Schmerzen
für jeden Geschmack.
Die Metzger halten, behandschuht,
den Atem der Entblößten an,
der Mond in der Tür fällt zu Boden,
laß die Scherben liegen, den Henkel ...
Alles war gerichtet für die letzte Ölung.
(Das Sakrament kann nicht vollzogen werden.)
2
Wie eitel alles ist.
Wälze eine Stadt heran,
erhebe dich aus dem Staub dieser Stadt,
übernimm ein Amt
und verstelle dich,
um der Bloßstellung zu entgehen.
Löse die Versprechen ein
vor einem blinden Spiegel in der Luft,
vor einer verschlossenen Tür im Wind.
Unbegangen sind die Wege auf der Steilwand des Himmels.
3
O Augen, an dem Sonnenspeicher Erde verbrannt,
mit der Regenlast aller Augen beladen,
und jetzt versponnen, verwebt
von den tragischen Spinnen
der Gegenwart ...
4
In die Mulde meiner Stummheit
leg ein Wort
und zieh Wälder groß zu beiden Seiten,
daß mein Mund
ganz im Schatten liegt.
DIE NACHT DER VERLORENEN
DAS ENDE DER LIEBE
Ein Mond, ein Himmel
und das dunkle Meer.
Nur, dunkel alles.
Nur weil es Nacht ist
und nichts Menschliches
dies feingewirkte auch durchwebt.
Was wirfst du mir noch vor
und solche Bitterkeit,
Tu's nicht.
Ich hab nichts Besseres gewußt
als dich zu lieben, ich hab
nicht gedacht,
daß durch den Schweiß der Haut
die [– –] Welt
und daß der Groschen fiel
Ich weiß keine bessere Welt.
Die schwachsinnige Moral der Opfer läßt wenig hoffen.
Eine verruchte Frage, auf Ehre, allein,
kommt dem Gefolterten, dies Überlebens
sich wert zu zeigen, im Angriff, abzulegen
die schwachsinnige Moral der Opfer
sich zu erheben, dieses Geröchel
nicht mehr zu werben um eine Stunde.
an die Gefolterten, ob dies Geröchel noch
Werbung ist, für die schwachsinnige Moral
der Opfer.
Die verruchten Fragen gehn jetzt allein
an die Gefolterten
Auf die verruchten Fragen kommt sie
eines Tages, die lautlose, tätige Antwort.
Auf verruchte Fragen, nicht die seligen,
gibt es nicht auf die seligen,
der die da leiden
auf die verruchtesten
finden sich eine Antwort.
der die da leiden, lassen sich stellen.
Die schöne Seele
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