Quando Yahweh-Elohim expulsa Adão e Eva do Jardim do Éden, fá-lo num momento dramático, precipitado, num esforço de contenção de danos. Adão já se tornara "como um de nós" [כאחד ממנו Gen. 3:22] (numa sobrevivência relativamente transparente que se refere ao politeísmo israelita, de tradição mesopotâmica, que antecede a redação final da Bíblia Hebraica), na medida em que já sabe o que é o Bem e o Mal. Parece, contudo, que há um outro prémio. Embora para ser "um de nós" baste esse conhecimento, há ainda a árvore da Vida, que lhe permitiria viver para sempre.
Yahweh-Elohim quer impedir isto, e precipita-se para expulsar Adão do Jardim do Éden. Fá-lo, entregando-o ao castigo que estabelecera anteriormente na história: cultivar a terra. Para impedir o casal de voltar, Yahweh-Elohim coloca antes de mais querubins "a leste do Jardim do Éden [...] para guardar a árvore da vida]". O sentido exacto da palavra 'querubim' é incerto. Provavelmente, dizem-nos estudos de mitologia comparada, é o mesmo tipo de ente que no meio mesopotâmico se chamava em Sumério e Acádico lamassu, shedu, ou (atente-se) kirubu, as estranhas figuras esfíngicas que adornavam os palácios imperiais da Babilónia e da Assíria. Hoje em dia os mais famosos são certamente os do palácio do rei Sargão II em Dur-Sharrukin, que abrem a secção mesopotâmica do Louvre [ilustração abaixo].
Ao contrário do que a iconografia dita e da imagem mental que costumamos ter, os querubins que defendem o Jardim não empunham espadas de fogo. Aquilo que o texto diz é: "Colocou a leste do Jardim do Éden os querubins e o fogo da espada (i.e., a espada de fogo) giratória" [Gen 3:24 וישכן מקדם לגן־עדן את־הכרבים ואת להט החרב המתהפכת]. Que os Querubins estão a empunhar a espada de fogo giratória não é algo que apareça no texto. O argumento, simples e cândido, de que essa seja uma dedução lícita tendo em conta a parcimónia do texto, não se aguenta com muita força se admitirmos que os Querubins sejam as tais criaturas descritas acima, pelo motivo honesto de que não penso que seja muito simples segurar uma espada com aquilo que são, na prática, cascos de vaca.
O Hebraico possui apenas dois géneros, masculino e feminino. Em Grego há o terceiro, o género neutro. A versão grega do texto refere-se aos Querubins com um artigo neutro ["τὰ χερουβιμ"], indicando que, pelo menos aquando da tradução para Grego, estes Querubins estão entendidos como seres não necessariamente antropomórficos. Algo que um estudioso de Grego achará estranho, visto que a língua grega não tem pudor em designar criaturas, mesmo híbridas, com os géneros outros que não sejam o neutro. São as sereias (feminino), são os centauros (masculino), não o neutro. É certo devemos dizer que o tratamento linguístico que a Bíblia Grega faz dos Querubins é ambíguo. No livro do Êxodo, nas passagens sobre os Querubins que adornam a Arca da Aliança, o género masculino e o neutro intercalam-se, assim como nos querubins da quadriga de Deus na visão mística do livro de Ezequiel, mas o neutro tende a predominar.
É ainda de notar que a espada de fogo é definida individualmente - é A espada de fogo giratória. A imagem que portanto se desenha é que, a proteger o Jardim do Éden, há não só os Querubins - gado bovino com cara de gente - como também uma espada em chamas a girar em alta velocidade no perímetro do lugar.
Realmente da para ter uma noção
ResponderEliminarInteressante eu gostei de sabe sobre este assunto 😍🙏❤
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