09/04/2012

o atheísmo na triangulação #3: Pedro.

juntamente e talvez diametricamente espelhando Judas, Pedro salta-nos à vista como a personagem mais duradoira dos Evangelhos. diametricamente pois enquanto Judas nos espanta pela resolução contundente com que leva a cabo o seu propósito, Pedro atordoa-nos pela traição tanto mais potente quanto maior as honras e a confiança que nele haviam sido repositadas. nem se trataria aqui de maneira alguma duma encenação da parábola do filho pródigo, que desbarata o património mas o recupera ope gratiae, pois que aí a ênfase é na restituição do indivíduo solo, da dignidade de cada em particular, idealmente formulada nas palavras afirmação de Christo de que o bom pastor buscaria a única ovelha perdida, e mais a estimaria que a todas as outras. Não: o que achamos estranho é o abalar que presenciamos de leis geológicas: como é possível que aquele do qual houvera sido dito que sobre essa pedra o Christo construiria a sua Igreja, e que o que ele separasse na terra seria separado no céu, e de igual modo com o que unisse? com que estabilidade e solidez, com que argamassa e com que exemplo alguém mantém seja o que for unido e separado na terra e no céu que, após negar peremptoriamente ser capaz de negar o Christo, o nega não uma mas três vezes? as duas respostas tradicionais a este escândalo, quer que Pedro é humano e portanto fraco e quebrantável, quer que dele depende toda a Igreja, e portanto é justificada a renúncia, são insatisfatórias. a primeira porque não explica o problema, apenas o deflecte, e não se preocupa em explicar aquilo que torna Pedro Pedro mas limita-se a tecer considerações de ordem universalmente humana. escolasticamente diríamos que não lhe toca a quididade. a segunda não têm fundamentação evangélica, como denunciaram as Igrejas Protestantes, e aparece antes como uma construcção cathólica romana. isto de lado, tentemos tornar a negação substancial; e acima de tudo necessária. É necessário a Pedro negar porque só assim ele obtém a segurança da aniquilação da sua fé. Não, cuidado, para que esta se torne mais forte (como dissemos, não se trata aqui do filho pródigo, nem muito menos duma Aufhebung hegeliana), mas para que aprenda quão areia, quão pó é a pedra mais sólida, a pedra do próprio Christo, quão fundamentada no nada, na morte, e na recusa está até o fundamento mais sólido. Só quem nega Deus é o rochedo da fé. O que nos diz isto sobre aquele, o Christo, que se depositara sobre a rocha, aquele que dissera uma vez que a fé nele seria como quem constrói uma casa na pedra? Mas a pedra vacilou, falhou a sua função. Diz-nos tudo isto, além de claro está todas as congruências patentes com a theologia negativa, que sem errar podemos chamar a theologia do negar, a mim salta-me sempre à memória aquele psalmo por comentadores e alegoristas violentado, o dos rios da Babylónia, em concreto o final versículo – Bendito aquele, Babilónia, que despedaçar os teus filhos contra a rocha. Esta é uma das duas razões que me leva todos os poemas fechar com a rocha, creio. Esse psalmo junta em si a riqueza da terra; os filhos dos nossos inimigos (isto é, tal como os Aqueus são os filhos dos Aqueus) colidirão contra a rocha e quebrá-la-ão, despedeçarão o arco mandando abaixo a pedra angular. Só aquele a quem os inimigos estilhaçaram será bendito, só aquele cujos inimigos triunfaram e nada tem de certo, só aquele que recusou Luthero, só aquele que, em suma, perdeu o fundamento que é Deus e nem por isso deixou de ser a pedra angular, rejeitada por rachada a meio, só aquele cujo horizonte é impenetrável como granito e sólido como areia percebe Pedro e o ama, e é capaz de com ele chorar.

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