juntamente e talvez diametricamente
espelhando Judas, Pedro salta-nos à vista como a personagem mais
duradoira dos Evangelhos. diametricamente pois enquanto Judas nos
espanta pela resolução contundente com que leva a cabo o seu
propósito, Pedro atordoa-nos pela traição tanto mais potente
quanto maior as honras e a confiança que nele haviam sido
repositadas. nem se trataria aqui de maneira alguma duma encenação
da parábola do filho pródigo, que desbarata o património mas o recupera ope gratiae, pois
que aí a ênfase é na restituição do indivíduo solo, da
dignidade de cada em particular, idealmente formulada nas palavras afirmação de Christo de que o bom pastor buscaria a única ovelha perdida, e mais a estimaria que a todas as outras. Não: o que
achamos estranho é o abalar que presenciamos de leis geológicas:
como é possível que aquele do qual houvera sido dito que sobre essa
pedra o Christo construiria a sua Igreja, e que o que ele separasse
na terra seria separado no céu, e de igual modo com o que unisse?
com que estabilidade e solidez, com que argamassa e com que exemplo
alguém mantém seja o que for unido e separado na terra e no céu
que, após negar peremptoriamente ser capaz de negar o Christo, o nega
não uma mas três vezes? as duas respostas tradicionais a este
escândalo, quer que Pedro é humano e portanto fraco e quebrantável,
quer que dele depende toda a Igreja, e portanto é justificada a
renúncia, são insatisfatórias. a primeira porque não explica o
problema, apenas o deflecte, e não se preocupa em explicar aquilo
que torna Pedro Pedro mas limita-se a tecer considerações de ordem
universalmente humana. escolasticamente diríamos que não lhe toca a
quididade. a segunda não têm fundamentação evangélica, como
denunciaram as Igrejas Protestantes, e aparece antes como uma
construcção cathólica romana. isto de lado, tentemos tornar a
negação substancial; e acima de tudo necessária. É necessário a
Pedro negar porque só assim ele obtém a segurança da aniquilação
da sua fé. Não, cuidado, para que esta se torne mais forte (como
dissemos, não se trata aqui do filho pródigo, nem muito menos duma
Aufhebung hegeliana), mas para que aprenda quão areia, quão pó é
a pedra mais sólida, a pedra do próprio Christo, quão fundamentada
no nada, na morte, e na recusa está até o fundamento mais sólido.
Só quem nega Deus é o rochedo da fé. O que nos diz isto sobre
aquele, o Christo, que se depositara sobre a rocha, aquele que
dissera uma vez que a fé nele seria como quem constrói uma casa na
pedra? Mas a pedra vacilou, falhou a sua função. Diz-nos tudo isto,
além de claro está todas as congruências patentes com a theologia
negativa, que sem errar podemos chamar a theologia do negar, a mim
salta-me sempre à memória aquele psalmo por comentadores e
alegoristas violentado, o dos rios da Babylónia, em concreto o final
versículo – Bendito aquele, Babilónia, que despedaçar os teus
filhos contra a rocha. Esta é uma das duas razões que me leva todos
os poemas fechar com a rocha, creio. Esse psalmo junta em si a
riqueza da terra; os filhos dos nossos inimigos (isto é, tal como os
Aqueus são os filhos dos Aqueus) colidirão contra a rocha e
quebrá-la-ão, despedeçarão o arco mandando abaixo a pedra
angular. Só aquele a quem os inimigos estilhaçaram será bendito,
só aquele cujos inimigos triunfaram e nada tem de certo, só aquele
que recusou Luthero, só aquele que, em suma, perdeu o fundamento que
é Deus e nem por isso deixou de ser a pedra angular, rejeitada por rachada a meio, só aquele cujo horizonte é impenetrável como granito e
sólido como areia percebe Pedro e o ama, e é capaz de com ele chorar.
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