09/04/2012

o atheísmo na triangulação #1: Athena, Pan.

Athena, convém dizer, não figura entre os nomes frequentes que atravessem os meus lábios. Nunca lhe fui particularmente devoto, não por desdenhar o seu nome ou por desprezar as suas virtudes, mas porque a venero sob aspectos melhor paragonizados pela minha Tríade Apollínea, onde figuram Hermes, Diana, e Diónysos. Mas apercebi-me recentemente, fortuitamente, que o encabeçamento da dita tríade oscila; que nem sempre o deus de Delos preside. O Hippólyto para mais ensinou-nos que todos os deuses têm de ser venerados. Se escrevi um hymno a Minerva foi disso persuaso. Mas não há hymno que não seja respondido, seja benèvola seja malèvolamente: sempre os deuses te ouvem quando lhes falas, aprendi, e ou te inclinam o seu olhar benfazejo ou te desprezam e te recusam, e te abandonam mesmo enquanto te negam a epiphania da destruição, a sua secreta συμφορά. Mas daquela vez senti a presença da deusa, o seu vácuo de amor seco, e percebi que ela me demonstrava que também ela tem um papel na aniquilação dos pantheões. O motivo disto é ambíguo, confesso que não percebo porque se une ela a Pan e dum olhar  implodem o Olympo e Syão. Porque não nos iludamos quanto ao progresso ou às alterações vazias, às alegorizações que se parecem levar a cabo com o decurso dos séculos e com a secularização: apenas uma única coisa mudou na divindade helénica desde Sóphocles até hoje, conquanto grande, a saber a substituição do deus da Justiça Zeus pelo deus do Pavor Pan. Pan, que integra em si a triangulação do divino em Tremendo, Fascinante, e Majestoso, exclui de si a justiça, algo que não abala o pantheão grego, pois que, como logo os philósophos se apressaram a taxar, com os deuses gregos seja como for a justiça não abundava. Deixemos isso aos moralistas de Jerusalém e aos Platónicos. Com o oraculado destronar de Zeus pelo deus silvano, abriu-se o caminho para a bastarda construcção theorética que é o pantheísmo. O pantheísmo é necessariamente, malgrado a sedução e saudação do Príncipe Espinosa, um passo em falso. É algo de profundamente acertado na medida em que é um atheísmo, mas é errado e nefasto na medida em que esquece dos deuses: eles são necessários para o atheísmo, pois que quando nos confrontamos com a natureza de um, confrontamo-nos com a natureza deles. O mar imenso de que falava Freud está num e nos outros, mas só é passível de vislumbrar por reflexos. É por isso que Pan sai vitorioso – também Pessoa canta o Io Pan! em triunfo saudoso. O terror de Pan – o deus dos ermos e dos silêncios, o deus do Vargtimmen – é o mesmo terror das trevas infinitas de Pascal, e é por isso que quer a ele quer ao seu oposto onomástico, o nada, oferecemos as nossas libações de leite e mel. O único deus que soube morrer sem troçar, ressuscitando, do nosso amor pela terra, o deus que vai à frente no trilho, é esse o deus que lidera o nosso pantheão. Athena, parece-me, percebeu isso, e que conquista não terá sido para ela, que transmutação mais paulina, trocar o pai de cuja cabeça nascera pelo deus-bode! Uma coragem sobredivina. Terá perdido a aegis, mas já não precisa dela. Pôde agora tornar-se rainha da morte e do olhar, rainha de Bassae, impotente e vigilante sobre a sua cidade e sobre o seu mundo moribundo para que, morta também ela, possa receber o culto do desprezo, e desbaratar a nossa confiança enquanto por ilhas e luz se desbanda.

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