Athena,
convém dizer, não figura entre os nomes frequentes que atravessem
os meus lábios. Nunca lhe fui particularmente devoto, não por
desdenhar o seu nome ou por desprezar as suas virtudes, mas porque a
venero sob aspectos melhor paragonizados pela minha Tríade
Apollínea, onde figuram Hermes, Diana, e Diónysos. Mas apercebi-me
recentemente, fortuitamente, que o encabeçamento da dita tríade
oscila; que nem sempre o deus de Delos preside. O Hippólyto para mais
ensinou-nos que todos os deuses têm de ser venerados. Se escrevi um
hymno a Minerva foi disso persuaso. Mas não há hymno que não
seja respondido, seja benèvola seja malèvolamente: sempre os deuses
te ouvem quando lhes falas, aprendi, e ou te inclinam o seu olhar
benfazejo ou te desprezam e te recusam, e te abandonam mesmo enquanto
te negam a epiphania da destruição, a sua secreta συμφορά.
Mas
daquela vez senti a presença da deusa, o seu vácuo de amor seco, e
percebi que ela me demonstrava que também ela tem um papel na
aniquilação dos pantheões. O motivo disto é ambíguo, confesso que não percebo porque se une ela
a Pan e dum olhar implodem o Olympo e Syão. Porque não nos iludamos
quanto ao progresso ou às alterações vazias, às alegorizações
que se parecem levar a cabo com o decurso dos séculos e com a
secularização: apenas uma única coisa mudou na divindade helénica
desde Sóphocles até hoje, conquanto grande, a saber a substituição
do deus da Justiça Zeus pelo deus do Pavor Pan. Pan, que integra em
si a triangulação do divino em Tremendo, Fascinante, e Majestoso,
exclui de si a justiça, algo que não abala o pantheão grego, pois
que, como logo os philósophos se apressaram a taxar, com os deuses
gregos seja como for a justiça não abundava. Deixemos isso
aos moralistas de Jerusalém e aos Platónicos. Com o oraculado
destronar de Zeus pelo deus silvano, abriu-se o caminho para a
bastarda construcção theorética que é o pantheísmo. O pantheísmo
é necessariamente, malgrado a sedução e saudação do Príncipe
Espinosa, um passo em falso. É algo de profundamente acertado na
medida em que é um atheísmo, mas é errado e nefasto na medida em
que esquece dos deuses: eles são necessários para o atheísmo, pois
que quando nos confrontamos com a natureza de um, confrontamo-nos com
a natureza deles. O mar imenso de que falava Freud está num e nos
outros, mas só é passível de vislumbrar por reflexos. É por isso
que Pan sai vitorioso – também Pessoa canta o Io
Pan!
em triunfo saudoso. O terror de Pan – o deus dos ermos e dos
silêncios, o deus do Vargtimmen
– é o mesmo terror das trevas infinitas de Pascal, e é por isso
que quer a ele quer ao seu oposto onomástico, o nada,
oferecemos as nossas libações de leite e mel. O único deus que
soube morrer sem troçar, ressuscitando, do nosso amor pela terra, o
deus que vai à frente no trilho, é esse o deus que lidera o nosso
pantheão. Athena, parece-me, percebeu isso, e que conquista não
terá sido para ela, que transmutação mais paulina, trocar o pai de cuja
cabeça nascera pelo deus-bode! Uma coragem sobredivina. Terá
perdido a aegis, mas já não precisa dela. Pôde agora tornar-se
rainha da morte e do olhar, rainha de Bassae, impotente e vigilante
sobre a sua cidade e sobre o seu mundo moribundo para que, morta também ela,
possa receber o culto do desprezo, e desbaratar a nossa confiança
enquanto por ilhas e luz se desbanda.
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