24/10/2009

Livros Bilingues




Aproprio-me, como ponto de partida, dum post feito há algum tempo atrás no Bibliotecário de Babel, este aqui, que defende que na publicação de livros internacionais, perdendo-se inevitavelmente muita coisa na tradução, especialmente na tradução de poesia, o mínimo que deve ser feito, no que aos textos inclusos diz respeito, seria disponibilizar o texto original paralelo para o leitor poder consultar sempre que quiser. Não poderia estar mais de acordo. O original é uma mais valia sempre, pois mesmo se o leitor não souber nada da língua original, dificilmente “ocupa espaço”, especialmente sendo a poesia um género que não tem por norma ocupar 1000 e tal páginas (A não ser que sejam o Kazantzakis, ou o James Merrill). Quando cheguei a Roma a primeira impressão que me fez o mercado editorial foi ver a grande grande maioria dos livros de poesia traduzidos com o original lá sempre. Não o ter é a excepção, não a regra. Em Portugal há algumas editoras que de vez em quando lá têm a oportunidade de o fazer (que o diga a edição das Elegias de Hölderlin que neste momento leio, cortesia da Assírio e Alvim), mas é muito mais raro. O problema do Bibliotecário de Babel é relevante pegue-se por onde quisermos.

Mas isto é apenas um ponto de partida. Um outro tipo de textos que não perderia nada em ser por norma associado ao original é o dos textos clássicos. Ter por regra bilingues Aristóteles, ou Virgílo, ou Santo Agostinho, seria uma mais valia enorme, mas que em si anda está mais longe do que a poesia (assim de memória lembro-me de alguns volumes da Gulbenkian: as Cartas a Lucílio e a Historia Calamitatum do Abelardo; duma velhinha edição das Nuvens; duma recente tradução da Lex Duodecim Tabularum; do Diálogo sobre a Felicidade do S. Agostinho das Edições 70 · de certeza absoluta que há outras, mas nunca as suficientes para o número ser significativo). Refiro-me unicamente ao texto, sem incluir aparato críticο, sem vastas notas de rodapé, etc (isso sim a reservar para edições mais 'cuidadas'): apenas ao texto grego ou latino posto paralelo à tradução, como se faz com os textos de poesia. Uma direcção que a colecção de Clássicos Gregos e Latinos das Edições 70 ainda vai a tempo de seguir.

Isto traria várias vantagens, a menor das quais não sendo sequer o facto de que esconder (ou não revelar: ληθεν?) uma língua em sítios onde ela deveria estar quase omnipresente ser meio caminho andado para subconscientemente essa língua ser esquecida não existir. E se há, por exemplo, quem estude o filosofia grega ainda no secundário, talvez se tivesse nas mãos uma edição bilingue aquela massa de caracteres gregos não lhe fosse tão alienígena no futuro, com todas as advenientes vantagens; não a ver é meio caminho andado para ela não existir, mas ficar familiarizado com a presença de algo é meio caminho andado para a amar. Isto é um argumento pedagógico, por certo, mas não é, de longe, o único invocando; pela mesma lógica argumentativa do Bibliotecário de Babel, "o que se perde na tradução" é demasiado precioso, e devia estar localizado de modo a chamar à atenção. E nem penso particularmente em textos filosóficos: o que se perde no Updike perder-se-á também e quiçá mais em Propércio ou em Teócrito.

Claro que me dirão que o mercado obedece a regras de procura e que estes textos já não vendem por si, quanto mais com o preço acrescido que estas edições pediriam; que, em última instância, não há mercado para este tipo de edições. Certo. Será verdade. Mas certas edições não se compreendem (qual é a lógica, por exemplo, da selecção de quais serão bilingues feita pela Gulbenkian?), e outras poderiam muito bem ter suportado o texto paralelo, por exemplo a Poesia Grega traduzida pelo Frederico Lourenço (o azulzinho da Cotovia): não foi o Paradise Lost na mesma colecção publicado bilingue? Por ser Inglês e ter mais público? Talvez precisamente por isso o Grego devesse também ter sido incluído. Dir-me-ão que seria os editores e tradutores estarem a arranjar sarna para se coçarem; que é estar a puxar a brasa à minha sardinha, e que fazer isso com os Clássicos exigiria que se fizesse o mesmo com todos os textos de todas as línguas (embora não me parece que esse argumento pegasse, por razões um pouco partidárias). Mas vá, necessariamente este meu argumento será emocional. Estando eu porém fora das contingências do mercado editorial tenho uma habilitação certificada para mandar bitaites, e uso esse direito: e parece-me que haveria muito muito mais a ganhar que os custos e dificuldades incorridos. Mas caveat venditor. Etcetera. Valete.




PS: Um poema para quem adivinhar donde é o texto da imagem.

4 comentários:

  1. poetas bucólicos gregos? aquele volume da Loeb? bion talvez. ou teócrito...já li isso há muito tempo, mas é um dos dois.

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  2. Bion, certeiríssimo. :) Nessa mesma edição; vem como o número VI. Aqui: http://www.theoi.com/Text/Bion.html#6 Abre com uma linha que eu adoro: Ταὶ Μοῖσαι τὸν Ἔρωτα τὸν ἄγριον οὐ φοβέονται. "As musas não temem o Amor cruel."

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  3. Boa, tinha mais ou menos ideia disso. É uma boa colectânea, lembrava-me mais ou menos desse poeta, séc. I, certo?

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  4. Aparentemente, segundo a Wikipedia, 100AD. Foi uma curiosa descoberta, com a qual me deparei inicialmente apenas em busca daqueles poemas, que já deves ter visto, cujos versos imitam o tema do poema ao jeito de poesia concreta.

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