O meu grego não é ainda ágil o suficiente para ler grandes obras grandes em extensão. Lá vou deitando os olhos ao texto paralelo, mas se quero ler o livro de fio a pavio não me posso iludir dedicando-me apenas ao original (ou talvez esteja aqui a razão pela qual verdadeiramente não consigo?). Mas então, visto que estou a começar a República, lanço-me com duas cópias abertas, a da Gulbenkian traduzida pela professora Rocha Pereira, e uma versão italiana bilingue, traduzida por Francesco Gabrieli. Li apenas as primeiras linhas, mas para a questão interessa unicamente a primeira palavra. Κατέβην. Dirigi-me para baixo. κατα + έβην. κατέβην χθὲς εἰς Πειραιᾶ. "Desci ontem ao Pireu." Em Português aparece inocentemente como "Fui." "Ontem fui até ao Pireu." Já me tinham falado do paralelo da descida, do declínio, presente no confronto entre esses dois autores basilares que respondem um ao outro, Nietzsche e Platão, tal como Zarathustra responde a Sócrates; pois na altura o que estava em questão era o Zarathustra a transbordar de sabedoria que descia para junto da civilização no início do seu livro. O italiano lá tem "sono sceso". Mas ao ver aqui toda a simbologia e intertextualidade que poderia ter sido preservada se a tradução tivesse permanecido mais fiel ao original (sem sequer com prejuízo de inteligibilidade), mas que é ao invés disso substituida por um pálido "fui", entristeço-me. Tu Marcellus eris. Fiquei sem vontade de ler.
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