30/09/2009

Ler Latim



Qualquer aluno de Clássicas poderá dizer que ler as línguas Latim e Grego oferece uma miríade de problemas, já para não falar em escrevê-las, comparativamente com outras como o Inglês, Francês, Italiano, etc. Há várias razões para essa disparidade de facilidades (omnipresença do Inglês, semelhanças com outras línguas Romances, etc), mas aqui focar-me-ia em duas. A primeira é a diferença abismal na aproximação passível de ser feita à língua: enquanto o Latim e o Grego exprimem a gramática em grande parte através de flexão verbal e nominal, uma grande parte das línguas modernas substituiu esse sistema por outros em que o sentido da frase é derivado da posição da palavra na frase. Portanto enquanto em português uma frase como "A raposa come a galinha" nunca poderia ser entendida como "A galinha come a raposa", em Latim "Vulpes (raposa) edit (come) pullum (a galinha)" poderia ser organizada numa série de combinações diferentes (vulpes pullum edit, pullum edit vulpes, etc) sem que o sentido da frase seja comprometido. Nisto não à volta a dar, mas a dificuldade de assimilar aquilo que é um aparato tão basilar da língua acaba por ser um dos grandes obstáculos que eu e vários outros enfrentamos.

O outro é o problema do do vocabulário. O tipo de textos lidos e a retenção de palavras fornam um círculo vicioso: não consigo ler textos em extensão porque tenho permanentemente de andar à procura no dicionário, tenho de andar sempre à procura no dicionário porque não consigo ler em extensão e assimilar mentalmente as palavras novas. Va bene, mas muitas vezes não se sai disto. A mim fez milagres um certo livro, os dois volumes da Lingua Latina Per Se Illustrata, que ensinam Latim através duma apresentação gradual do vocabulário, sem  inclusão de línguas "bárbaras" (ie: só há Latim), e que torna (em grande parte) desnecessária a consulta do dicionário. Devo dizer que se o meu Latim está a anos-luz do meu fraquíssimo Grego, é a conta aqui do mister Orberg. Seja como for, há outros utensílios. Por exemplo, o dicionário que por uma larga margem mais frequentemente uso é o Whitaker's Words (versão para download aqui). Não é completo, apesar de ser muito extenso, mas para acelerar a leitura e poupar-me o folhear dum calhamaço de duas mil-ou-quê páginas se não me lembro do que significa um certo advérbio é excelente (além de que tem um, rudimentar, tradutor Latim-Inglês). Claro que por vezes inevitavelmente volta e meia lá saco do Oxford's Latin, mas isso acaba por ser para casos de dúvidas mais complexas do que para problemas didácticos ou esclarecimentos.

E é por isso que achei bastante curioso o anúncio no Latinteach deste site, NoDictionaries, que não faz mais que associar o Whitaker a textos clássicos, mostrando mais ou menos informação conforme se queira, e com a possibilidade de lá colocar outros e ter o mesmo tipo de análise. Ao menos cumpre uma tarefa: torna a leitura mais rápida, e portanto mais fluída, e as interrupções à leitura em extensão diminuir-se-ão (o que  só pode ser bom). Estou decidido a pegar-lhe na próxima vez que me lançar àquele tipo de poesia que por vezes mais parece catálogos de botânica.

5 comentários:

  1. O mal é que nós não somos treinados para ler grego ou latim de forma corrida, apenas para traduzir. Enquanto para alguém que começou com um tipo de formação pré-bolonha havia a possibilidade de eventualmente acabar por conseguir de facto ler, grego ou latim, em bolonha é cada vez mais difícil.

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  2. O Frederico Lourenço disse-me que "o truque" quer com o latim quer com o grego é saber vocabulário. E acho que tinha razão. Agora, como é que se sabe vocabulário? Deixar uma das duas línguas de parte e ler e traduzir a outra todos os dias... ;)

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  3. Ah esqueci-me de dizer que é engraçadote o blog...

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  4. Tatiana: Mas alguma coisa tem que ser feito! Arma deponere illicet! Pode soar a saco-de-vento, mas verdade é que se é mais difícil então há que procurar modos mais efectivos de atingir essa fluência, que jã não passem pelo ensino académico.

    Anactório: Ainda bem que gostas. SPD. Eu penso que é mais como a Tatiana diz, um problema real de dificuldade em dar os primeiros passos. Inevitavelmente continuará a haver pessoas que sabem as duas, mas o esforço para lá chegar será muito maior. Neste nosso exemplo, penso que dificilmente alguém que tenha atingido algum nível de mestria em Latim (eu não sei: eu por certo não atingi, mas falo assim quem olha para as núvens e tenta adivinhar a realidade celeste...) se esquecerá dele em largo nível por começar a pegar em Grego. Mas pegar em Grego por si e atingir fluência ... hoc opus, hic labor est!

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  5. O problema está no método, se formos educados com vista à leitura, e não apenas para traduzir o excerto X ou Y, chega-se lá. Acho que o vocabulário é o truque, mas se houver um método que ajude, se os alunos de grego e latim forem treinados num método virado para a leitura, por que não?

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