22/03/2015

Angleterre — poema em cinco partes

Angleterre



I
ser possuído por vozes

ouvir passos lentos nos quartos vazios,
quando vais ver mudaram de divisão,
de metro, até de esquema de rima

ou largaram-no de todo. deixaram-te
livre, demoliram as paredes da casa.
não há penitência possível

que não passe por extradição. mas como fazer-te
falar? muitas vozes estrangeiras (ou então,
"muitas vozes", está melhor assim?) em contra-mão

que pedem auxílio. certamente não serei eu a ajudar.
há partes de mim que foram outros que inventaram
e que são de longe as melhores e de perto também.



II
A Holy King for a Holy People

à beira de rios elenquei os princípios da blasfémia.
primeiro falei, depois repeti, e por fim formulei
de forma a que todos conseguissem entender.
lá onde o rito se alivia por forçada convicção,
aí a palavra enviesada se endireita.



III
Lord Protector

o declínio e queda. sempre
o declínio e queda. deus
do céu, mas tu não te fartas?



IV
Benerabilis

eu venero quem acertou
nos temas dos seus livros:

quem diminuiu a história
e a pisou até sair o mosto,
com esse eu sento-me à mesa
com esse eu parto o meu pão.



V
Sob a colina

Melibeu, à sombra do choupo-branco sentado
Pedes-me um figo e pedes-me amor.

Mas como, se pra chegar até ti
Suplico de voz rouca
Aos alcaides das várias mansões da tua casa
Sem que me deixem entrar?

A palavra justa exagera,
Define pela negativa,
Vira-se do avesso
E apoia-se nela própria.
Dizê-la e respirar
É a mesma coisa e não se faz.

Melibeu, nunca te vi
Mas conheço a tua voz,
Sei como se esboroa com cada espondeu.
Melibeu, moira encantada,
Cala-te e não
Nos cantes mais.

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