Duas Propostas Académico-Musicológicas
Encontrar o
tipo certo de música para acompanhar a escrita duma these não é um thema que
nos tenha passado ao largo. Para benefício dos demais afligidos, assim como
para servir ao vosso humilde bloggante como breve procrastinação da escrita da
sua própria dissertação, passo a expor-vos duas das minhas extremamente
livre-pensadoras conclusões.
1) A música
terá que ser instrumental: a presença da voz conduz o raciocínio, e a presença
de duas linhas verbais (a da vossa suposta dissertação e a da música) poderá
dar origem a experiências interessantes de hyper- ou polytextualidade, mas não
estou em crer que os vossos orientadores alinhem no vosso vanguardismo
dissertativo. Isto põe imediatamente de parte tanto a ópera e o oratorium como outros géneros menores, como o Lied, o madrigal, o moteto, mas também as
symphonias corais, os poemas symphónicos (por analogia), de modo que a única
maneira que terão de escapar a isto é ouvir música em alguma língua esquisita e
incompreensível, como seja em Latim, Alemão, Provençal, Italiano, Francês, ou
Inglês. Se forem espanhóis, podem tentar ouvir canções em Português, que eles
nunca percebem nada do que nós dizemos; se forem classicistas, tentem coros
byzantinos, que eles dizem o Grego com a pronúncia moderna e vocês vão ficar
também a zero. No caso de serem amantes de Wagner, não se vá dar o caso daquela coisa do sangue
de dragão do Siegfried (o que fazia com que se entendesse a linguagem das aves)
ter algum efeito synæsthético, são também desaconselhadas todas as tentativas
de Pastorais e afins barrocas e não só, porque há sempre o perigo de começarem
a perceber o que é que está a dizer aquela passarada toda da Sexta do Beethoven
e aí é que não terminam nenhum capítulo a prazo.
2) Não poderá
ter linha melódica marcante. Uma linha melódica desconcentra porque o nosso
cérebro segue a maravilhosa musiquinha em vez de seguir a maravilhosa
concordância verbal do parágrafo que deviam estar a escrever. Nada, portanto,
de Mozart, nada de Landini, nada de Richard Strauss. Precisam de música
cerebral, portanto obviamente (tipo no livro do Hofstadter) têm que ouvir Bach.
Lembro obviamente que, segundo o ponto 1, está estritamente vedada a audição
das Cantatas, assim como das Paixões e demais
Oratoria, portanto resta saber o que poderão ouvir. Como sei que os meus
excelsos leitores são melófilos de alto gabarito, obviamente que não poderei
recomendar fugas ou cânones porque estaríamos na vigésima variação e vós, meus
caros, ainda a ouvir o tema a cada acorde. Isso põe de parte a Arte da Fuga, põe de parte a Oferenda Musical, e põe também de parte as Variações de Goldberg — antes de mais porque o
bô-bô-bô do Glenn Gould desorienta qualquer um. Talvez o melhor, para ficarmos
no barroco, seja mesmo ouvir Händel, por exemplo as suites do Water Music, a meu ver a obra mais secante do
reportório: visto que não tem qualquer interesse seja a nível melódico,
harmónico, ou contrapontista, não há perigo de vos distrair seja de que maneira
for, e armados daquela subserviência à gentleman
poderão ir treinando para o júri das provas e evitar assim que a defesa meta
água.
Espero ter
sido um bom cicerone. É-vos permitido citar o meu nome nos Agradecimentos ou então deixar aqui um
comentário no momento do Aprovado com louvor e
unanimidade.
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