09/07/2015

Génesis, do Geoffrey Hill

Génesis

I
Lançando-me contra o ar emproado
Gritei os milagres de Deus.

E primeiro o peso morto
Do mar contra a terra empurrei.
Orei e as ondas abriram em flor,
Os rios geraram areia.

E lá onde os rios salgados se enchem
O salmão rijo e bronco esforçou-se,
Golpeando as águas, contra a corrente,
Para no cume chegar ao repouso.


II
No segundo dia parei e olhei
Para o mergulho afiado da águia-pesqueira,
Que raiava sangue costa fora
Ao exibir a carne viva do tendão.

E no terceiro dia gritei: ‘Atenção
Ao arrulhar da coruja, ao furão sorridente,—
À calculista vénia do falcão,
Olhos frios, e corpos cingidos a aço,
Sempre na presa fincados.'


III
E renunciei no quarto dia,
A esta feroz e obstinada argila,
Ao construir em mito imenso à raça humana
O aquático Leviathã,

E fiz com que albatroz de asa enorme
Limpasse ao mar as cinzas
Onde Zero se cruza a Capricórnio,
Uma imortalidade pensativa —
Tal como a que tem a fénix assombrosa
Na árvore imarcescível.


IV
A fénix arde fria como a geada
E, como um fantasma das histórias,
A ave-espectral dá em louca e desvaira
Arremessada pelo oceano à toa.

Então no quinto dia eu de novo avancei
Para a carne e para o sangue e para a dor do sangue.


V
No sexto dia enquanto me apressava
A cavalgar pelas obras de Deus,
Com esporas colhi o sangue do cavalo.

Pelo sangue vivemos, o frio, o quente,
Para despojar e redimir o mundo:
Não há mito exangue que aguente.

E pelo sangue de Christo podem-se os homens libertar
Mesmo que os seus corpos jazam em sudários rentes
Sob o couro áspero do mar;

Mesmo tendo a Terra feito do seu peso embrulho
Aos ossos que não aguentam a luz.



Geoffrey Hill. Tradução minha.



Genesis

I
Against the burly air I strode
Crying the miracles of God.

And first I brought the sea to bear
Upon the dead weight of the land;
And the waves flourished at my prayer,
The rivers spawned their sand.

And where the streams were salt and full
The tough pig-headed salmon strove,
Ramming the ebb, in the tide’s pull,
To reach the steady hills above.


II
The second day I stood and saw
The osprey plunge with triggered claw,
Feathering blood along the shore,
To lay the living sinew bare.

And the third day I cried: ‘Beware
The soft-voice owl, the ferret’s smile,—
The hawk’s deliberate stoop in air,
Cold eyes, and bodies hooped in steel,
Forever bent upon the kill.’


III
And I renounced on the fourth day,
This fierce and unregenerate clay,
Building as a huge myth for man
The watery Leviathan,

And made the long-winged albatross
Scour the ashes of the sea
Where Capricorn and Zero cross,
A brooding immortality —
Such as the charmed phoenix has
In the unwithering tree.


IV
The phoenix burns as cold as frost;
And, like a legendary ghost,
The phantom-bird goes wild and lost,
Upon a pointless ocean tossed.

So, the fifth day, I turned again
To flesh and blood and the blood’s pain.


V
On the sixth day, as I rode
In haste about the works of God,
With spurs I plucked the horse’s blood.

By blood we live, the hot, the cold,
To ravage and redeem the world:
There is no bloodless myth will hold.

And by Christ’s blood are men made free
Though in close shrouds their bodies lie
Under the rough pelt of the sea;

Though Earth has rolled beneath her weight
The bones that cannot bear the light.

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