Génesis
I
Lançando-me contra o ar emproado
Gritei os milagres de Deus.
E primeiro o peso morto
Do mar contra a terra empurrei.
Orei e as ondas abriram em flor,
Os rios geraram areia.
E lá onde os rios salgados se enchem
O salmão rijo e bronco esforçou-se,
Golpeando as águas, contra a corrente,
Para no cume chegar ao repouso.
II
No segundo dia parei e olhei
Para o mergulho afiado da águia-pesqueira,
Que raiava sangue costa fora
Ao exibir a carne viva do tendão.
E no terceiro dia gritei: ‘Atenção
Ao arrulhar da coruja, ao furão sorridente,—
À calculista vénia do falcão,
Olhos frios, e corpos cingidos a aço,
Sempre na presa fincados.'
III
E renunciei no quarto dia,
A esta feroz e obstinada argila,
Ao construir em mito imenso à raça humana
O aquático Leviathã,
E fiz com que albatroz de asa enorme
Limpasse ao mar as cinzas
Onde Zero se cruza a Capricórnio,
Uma imortalidade pensativa —
Tal como a que tem a fénix assombrosa
Na árvore imarcescível.
IV
A fénix arde fria como a geada
E, como um fantasma das histórias,
A ave-espectral dá em louca e desvaira
Arremessada pelo oceano à toa.
Então no quinto dia eu de novo avancei
Para a carne e para o sangue e para a dor do sangue.
V
No sexto dia enquanto me apressava
A cavalgar pelas obras de Deus,
Com esporas colhi o sangue do cavalo.
Pelo sangue vivemos, o frio, o quente,
Para despojar e redimir o mundo:
Não há mito exangue que aguente.
E pelo sangue de Christo podem-se os homens libertar
Mesmo que os seus corpos jazam em sudários rentes
Sob o couro áspero do mar;
Mesmo tendo a Terra feito do seu peso embrulho
Aos ossos que não aguentam a luz.
Geoffrey Hill. Tradução minha.
Genesis
I
Against the burly air I strode
Crying the miracles of God.
And first I brought the sea to bear
Upon the dead weight of the land;
And the waves flourished at my prayer,
The rivers spawned their sand.
And where the streams were salt and full
The tough pig-headed salmon strove,
Ramming the ebb, in the tide’s pull,
To reach the steady hills above.
II
The second day I stood and saw
The osprey plunge with triggered claw,
Feathering blood along the shore,
To lay the living sinew bare.
And the third day I cried: ‘Beware
The soft-voice owl, the ferret’s smile,—
The hawk’s deliberate stoop in air,
Cold eyes, and bodies hooped in steel,
Forever bent upon the kill.’
III
And I renounced on the fourth day,
This fierce and unregenerate clay,
Building as a huge myth for man
The watery Leviathan,
And made the long-winged albatross
Scour the ashes of the sea
Where Capricorn and Zero cross,
A brooding immortality —
Such as the charmed phoenix has
In the unwithering tree.
IV
The phoenix burns as cold as frost;
And, like a legendary ghost,
The phantom-bird goes wild and lost,
Upon a pointless ocean tossed.
So, the fifth day, I turned again
To flesh and blood and the blood’s pain.
V
On the sixth day, as I rode
In haste about the works of God,
With spurs I plucked the horse’s blood.
By blood we live, the hot, the cold,
To ravage and redeem the world:
There is no bloodless myth will hold.
And by Christ’s blood are men made free
Though in close shrouds their bodies lie
Under the rough pelt of the sea;
Though Earth has rolled beneath her weight
The bones that cannot bear the light.
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