27/09/2013

Natureza e Arte, ou Saturno e Júpiter (Hölderlin)


tradução dedicada à Ália Rosa


Reges o dia nas alturas e floresce a tua
    Lei. És tu quem segura a balança, filho de Saturno!,
        Quem reparte a Sorte e descansa feliz no
            Descanso das imortais artes do poder.

Mas dizem entre si os poetas que em tempos
    Confinaste ao abismo o pai sagrado, o teu pai,
         E que nas profundezas ele se lamenta por estar
            Junto dos selvagens de antes de ti que justamente lá jazem.

O Deus da idade do ouro jamais teve culpa alguma.
    Ele que foi em tempos descansado e grande como tu
        Quando não tinha que enunciar nenhuma ordem
            Nem nenhum dos mortais o chamava pelo nome.

Já cá para baixo! ou então não te envergonhes de estar grato!
    E se insistes em ficar, serve o mais Antigo,
        E concede que seja a ele que os poetas nomeiem
            Antes dos demais Deuses e Homens .

Porque como das Nuvens teu Relâmpago, assim também dele
    Vem aquilo que é teu: é dele que as tuas ordens
        Dão testemunho, e é da Paz de Saturno
            Que tem todo o poder sua origem.

E quando finalmente o meu coração
    Sentir o Vivo, e quando o que tu violentaste entardecer,
        Quando me adormecer placidamente
            No berço o alternável tempo,

Só então te conhecerei, Krónida. Só então te ouvirei,
    Sábio Mestre. Tu que és como nós um Filho
        Do Tempo ao dares-nos as Leis e ao anunciares
            Aquilo que o santo crepúsculo nos esconde.


Friedrich Hölderlin. Natur und Kunst, oder Saturn und Jupiter.
Tradução minha.


Du waltest hoch am Tag und es blühet dein
    Gesetz, du hältst die Waage, Saturnus Sohn!
        Und teilst die Los' und ruhest froh im
            Ruhm der unsterblichen Herrscherkünste.

Doch in den Abgrund, sagen die Sänger sich,
    Habst du den heilgen Vater, den eignen, einst
        Verwiesen und es jammre drunten,
            Da, wo die Wilden vor dir mit Recht sind,

Schuldlos der Gott der goldenen Zeit schon längst:
    Einst mühelos, und größer wie du, wenn schon
        Er kein Gebot aussprach und ihn der
            Sterblichen keiner mit Namen nannte.

Herab denn! oder schäme des Danks dich nicht!
    Und willst du bleiben, diene dem Älteren,
        Und gönn es ihm, daß ihn vor Allen,
            Götter und Menschen, der Sänger nenne!

Denn, wie aus dem Gewölke dein Blitz, so kömmt
    Von ihm, was dein ist, siehe! so zeugt von ihm,
        Was du gebeutst, und aus Saturnus
            Frieden ist jegliche Macht erwachsen.

Und hab ich erst am Herzen Lebendiges
    Gefühlt und dämmert, was du gestaltetest,
        Und war in ihrer Wiege mir in
            Wonne die wechselnde Zeit entschlummert:

Dann kenn ich dich, Kronion! dann hör ich dich,
    Den weisen Meister, welcher, wie wir, ein Sohn
        Der Zeit, Gesetze gibt und, was die
            Heilige Dämmerung birgt, verkündet.

25/09/2013

Um poema do David

§8

Próprio de  tantos   de nós próprios
acender velas ou riscar fósforos

sonhando sempre que são archotes


David Mourão-Ferreira. Órfico Ofício.



Quam multorum   nostrum
candelas accendere fometesve

faces quæ semper fingamus

(Trad. minha)

22/09/2013

Coisas que Platão Entenderia & Aprovaria

O Rosa Bella

I have seen Sandro's
fingers locked and bent
and Filippino's, and though no art
historian I could be your friend,
one to lock and bend
my fingers round
the angels' plastered
on your blindèd wall. am not
regretful am epinicial the rock
in the song of the name in your
name in black and white your
lips impressed to kiss the form for
the name of pure drags
out in a verse of Pindar whose
meter's not to guess and whose cæsura
could be there where you least expected:
in your forename in the clear
in your last name
learnt and leaned
in a rock
learnt and leaned
on a rock

Língua Líquida


Sokrátes. E por meio de tudo isto parece-me que neste calor abrasador as cigarras cantam por cima das nossas cabeças e conversam entre si – e observam-nos. Se acaso soubessem que também nós somos como os outros, e que neste meio-dia uma tal preguiça de espírito se apossa de nós a ponto de não conversarmos e de nos deixarmos dormitar e seduzir pelo seu canto, sem dúvida que troçariam de nós, e fá-lo-iam com toda a justiça. Aliás, iriam tomar-nos por uns escravos quaisquer que vão ter com elas como se vai a uma pousada, iguais ao gado que passa o meio dia a dormir junto à fonte. Mas se derem por nós a conversar e a passar-lhes ao largo como passaríamos pelas Sereias sem lhes prestar caso, serão elas próprias a ficar deslumbradas e a conceder-nos sem hesitar o prémio que os deuses lhes permitem conceder.

Phædros. Mas afinal que prémio é esse? Não me parece que tenha alguma vez ouvido falar.

Sokrátes. Não fica bem a alguém que ama as Musas nunca ter ouvido falar desta história. Conta-se que [as cigarras] foram em tempos homens, dos que existiam antes de haver Musas. Quando estas nasceram, e quando com elas surgiu também o canto, alguns deles foram de tal forma arrebatados pelo prazer que lhes advinha enquanto cantavam que se esqueceram de comer e de beber, e morreram sem dar por isso. A raça das cigarras traça até eles a sua origem, e foi este o prémio que receberam das Musas: não precisarem de alimento algum, e perserverarem no canto sem comida nem bebida até morrerem, e reunirem-se depois disso com as Musas para lhes contarem quais dos que por cá andam as honraram [e a quais]. Contam a Terpsikhóre quem a honrou com danças, e a esses tornam-nos ainda mais amáveis. A Eratô cabem os que a honraram no amor, e assim por diante a cada uma de acordo com a homenagem que lhes é devida. Enumeram a Kalliópe, a mais velha, junto com a sua companheira Ouranía, quais foram os que passaram o seu tempo na filosofia e que desse modo as artes dessas Musas [τὴν εκείνων μουσικὴν] cultivaram. Pois de todo o círculo das Musas é a elas que cabe confiar a sua belíssima voz quer aos céus quer aos mais belos discursos que deuses e homens proferem. Isto parece-me então motivo bastante para conversarmos e para não nos deixarmos adormecer neste meio-dia.

Phædros. Falemos então.

Platão. Fedro. 258e-259d. Tradução de Miguel Monteiro Sena.


Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou,
depois que de Tróia destrui a cidadela sagrada.
Muitos foram os povos cujas cidades observou,
cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar
os sofrimentos por que passou para salvar a vida,
para conseguir o retorno dos companheiros a suas casas.
Mas a eles, embora o quisesse, não logrou salvar.
Não, pereceram devido à sua loucura,
insensatos, que devoraram o gado sagrado de Hiperíon,
o Sol – e assim lhes negou o deus o dia do retorno.
Destas coisas fala-nos agora, ó deusa, filha de Zeus.
Homero. Odisseia. I.1-11. Tradução de Frederico Lourenço.


{ΣΩ.} Σχολὴ μὲν δή, ὡς έοικε· καὶ ἅμα μοι δοκοῦσιν ὡς εν τῷ πνίγει ὑπὲρ κεφαλῆς ἡμῶν οἱ τέττιγες ᾴδοντες καὶ αλλήλοις διαλεγόμενοι καθορᾶν καὶ ἡμᾶς. ει οῦν ίδοιεν καὶ νὼ καθάπερ τοὺς πολλοὺς εν μεσημβρίᾳ μὴ διαλεγομένους αλλὰ νυστάζοντας καὶ κηλουμένους ὑφ' αὑτῶν δι' αργίαν τῆς διανοίας, δικαίως ὰν καταγελῷεν, ἡγούμενοι ανδράποδ' άττα σφίσιν ελθόντα εις τὸ καταγώγιον ὥσπερ προβάτια μεσημβριάζοντα περὶ τὴν κρήνην εὕδειν· εὰν δὲ ὁρῶσι διαλεγομένους καὶ παραπλέοντάς σφας ὥσπερ Σειρῆνας ακηλήτους, ὃ γέρας παρὰ θεῶν έχουσιν ανθρώποις διδόναι, τάχ' ὰν δοῖεν αγασθέντες.

{ΦΑΙ.} Έχουσι δὲ δὴ τί τοῦτο; ανήκοος γάρ, ὡς έοικε, τυγχάνω ών.

{ΣΩ.} Ου μὲν δὴ πρέπει γε φιλόμουσον άνδρα τῶν τοιούτων ανήκοον εῖναι. λέγεται δ' ὥς ποτ' ῆσαν οὗτοι άνθρωποι τῶν πρὶν Μούσας γεγονέναι, γενομένων δὲ Μουσῶν καὶ φανείσης ῳδῆς οὕτως άρα τινὲς τῶν τότε εξεπλάγησαν ὑφ' ἡδονῆς, ὥστε ᾴδοντες ημέλησαν σίτων τε καὶ ποτῶν, καὶ έλαθον τελευτήσαντες αὑτούς· εξ ὧν τὸ τεττίγων γένος μετ' εκεῖνο φύεται, γέρας τοῦτο παρὰ Μουσῶν λαβόν, μηδὲν τροφῆς δεῖσθαι γενόμενον, αλλ' άσιτόν τε καὶ άποτον ευθὺς ᾴδειν, ἕως ὰν τελευτήσῃ, καὶ μετὰ ταῦτα ελθὸν παρὰ Μούσας απαγγέλλειν τίς τίνα αυτῶν τιμᾷ τῶν ενθάδε. Τερψιχόρᾳ μὲν οῦν τοὺς εν τοῖς χοροῖς τετιμηκότας αυτὴν απαγγέλλοντες ποιοῦσι προσφιλεστέρους, τῇ δὲ Ερατοῖ τοὺς εν τοῖς ερωτικοῖς, καὶ ταῖς άλλαις οὕτως, κατὰ τὸ εῖδος ἑκάστης τιμῆς· τῇ δὲ πρεσβυτάτῃ Καλλιόπῃ καὶ τῇ μετ' αυτὴν Ουρανίᾳ τοὺς εν φιλοσοφίᾳ διάγοντάς τε καὶ τιμῶντας τὴν εκείνων μουσικὴν αγγέλλουσιν, αἳ δὴ μάλιστα τῶν Μουσῶν περί τε ουρανὸν καὶ λόγους οῦσαι θείους τε καὶ ανθρωπίνους ἱᾶσιν καλλίστην φωνήν. πολλῶν δὴ οῦν ἕνεκα λεκτέον τι καὶ ου καθευδητέον εν τῇ μεσημβρίᾳ.

{ΦΑΙ.} Λεκτέον γὰρ οῦν.


Ὀδυσσείας τὸ φροίμιον

Άνδρα μοι έννεπε, Μοῦσα, πολύτροπον, ὃς μάλα πολλὰ
πλάγχθη, επεὶ Τροίης ἱερὸν πτολίεθρον έπερσε·
πολλῶν δ' ανθρώπων ίδεν άστεα καὶ νόον έγνω,
πολλὰ δ' ὅ γ' εν πόντῳ πάθεν άλγεα ὃν κατὰ θυμόν,
αρνύμενος ἥν τε ψυχὴν καὶ νόστον ἑταίρων.
αλλ' ουδ' ὧς ἑτάρους ερρύσατο, ἱέμενός περ·
αυτῶν γὰρ σφετέρῃσιν ατασθαλίῃσιν όλοντο,
νήπιοι, οἳ κατὰ βοῦς Ὑπερίονος Ηελίοιο
ήσθιον· αυτὰρ ὁ τοῖσιν αφείλετο νόστιμον ῆμαρ.
τῶν ἁμόθεν γε, θεά, θύγατερ Διός, ειπὲ καὶ ἡμῖν.

21/09/2013

Coisas que Platão Nunca Entenderia

onde abundou o pecado superabundou a graça
οὗ δὲ επλεόνασεν ἡ ἁμαρτία ὑπερεπερίσσευσεν ἡ χάρις
Romanos 5:20

20/09/2013

A Song of Degrees — Geoffrey Hill

tradução dedicada ao André Simões

Um Cântico de Graus

Diz-se Adonai que a tua palavra escondida
se declara a si mesma
mesmo desde a obscuridade
por energias dispersas
caídas sobre a stasis
trazidas por estranhos à interpretação,
aspirando à desgraça comum.

Destinados, como herdeiros naturais do espírito,
os teus pródigos e desbenditos loucos
ergueram pedras
em desertos; nos templos deitaram-nas abaixo;
coisas passadas e coisas a vir imperturbável
império de desgosto,
dos cronicamente traídos.

Desgraça a desgraça; lá entregas a tua lei
ao acaso
testemunha inescapável:
o grito dum centurião, as mulheres
a carregar o seu óleo ou sangue; aqui libertas
Bartimeu para sempre
à sua fé cega.


Tradução minha.



A Song of Degrees
Geoffrey Hill


It is said Adonai your hidden word
declares itself
even from obscurity
through energies dispersed
fallen upon stasis
brought by strangers to interpretation,
aspirant to the common plight.

Destined, as natural heirs of the spirit,
your prodigal unholy fools
raised stones
in deserts; in the temples cast them down;
things past and things to come unshaken
empire of chagrin,
of the chronically betrayed.

Plight into plight; there you commit your law
to chance
inescapable witness:
a centurion's cry, the women
bearing their oil or blood; here you release
Bartimeus for ever

to his blind faith.

13/09/2013

Phebo é o Deus do Sol. O seu atributo é a claridade. Mas ensina-nos Homero que, precisamente por ser o Deus do Sol, está em seu poder manifestar a sua apophania mais forte vindo na forma da Noite.

Squalidus interea genitor Phæthontis et expers
ipse sui decoris, qualis, quum deficit orbem,
esse solet, lucemque odit seque ipse diemque
datque animum in luctus et luctibus adicit iram
officiumque negat mundo. "Satis" inquit "ab ævi
sors mea principiis fuit inrequieta, pigetque
actorum sine fine mihi, sine honore laborum!
Quilibet alter agat portantes lumina currus!
Si nemo est omnesque dei non posse fatentur,
ipse agat ut saltem, dum nostras temptat habenas,
orbatura patres aliquando fulmina ponat!
Tum sciet ignipedum vires expertus equorum
non meruisse necem, qui non bene rexerit illos."
Ovidii Metamorphoses II.381-393

10/09/2013

Os Dioskúroi

(Tradução in fierii; para ser emparelhada com esta)

Os Dioskúroi

Vós nobres irmãos nas alturas, imortal
Astro, a vós vos pergunto, Heróis, qual a razão
De eu Lhe ser tão subserviente e
Porque é que o Forte me toma para si.

Isto porque apesar de ser pouco, é o Uno que tenho comigo,
E por ninguém o querer devo trocá-lo, uma boa Sorte,
Um Permanecer límpido, puro,
E virado para a memória dos vívidos dias.

Mas este Uno diz-me onde quer que eu
Dirija a música das minhas cordas e eu faço-o.
Sigo-o com o meu canto para
As trevas dos Corajosos e nele me afundo.

«Com Nuvens», cantaria eu, «beber-te-ia a Tempestade,
Chão trocista, mas com o sangue do Homem,
Cala-se, e santifica-se, quem em vão o seu igual
Interrogaria nas profundezas e nas alturas.»

Friedrich Hölderlin. Tradução minha.


Die Dioskuren

Ihr edeln Brüder droben, unsterbliches
Gestirn, euch frag ich, Helden, woher es ist,
Daß ich so untertan ihm bin und
So der Gewaltige sein mich nennet.

Denn wenig, aber Eines hab ich daheim, das ich,
Da niemand mag, soll tauschen, ein gutes Glück,
Ein lichtes, reines, zum Gedächtnis
Lebender Tage zurückgeblieben.

So aber er gebietet, dies Eine doch,
Wohin ers wollte, wagt ich mein Saitenspiel,
Samt dem Gesange folgt ich, selbst ins
Dunkel der Tapferen, ihm hinunter.

»Mit Wolken«, säng ich, »tränkt das Gewitter dich,
Du spöttischer Boden, aber mit Blut der Mensch,
So schweigt, so heiligt, der sein Gleiches
Droben und drunten umsonst erfragte.«

05/09/2013

So liebt er sie bis an das Ende

Wiewohl mein Herz in Tränen schwimmt,
Daß Jesus von mir Abschied nimmt,
So macht mich doch sein Testament erfreut:
Sein Fleisch und Blut, o Kostbarkeit,
Vermacht er mir in meine Hände.
Wie er es auf der Welt mit denen Seinen
Nicht böse können meinen,
So liebt er sie bis an das Ende.

Claudiano

ast ubi paulatim præceps audacia crevit
cordaque languentem dedidicere metum,
jam vagus inrumpit pelago cælumque secutus...

Claudiani De Raptu Propserpinæ I.9-11

02/09/2013

Sempre Platão

Depois de tanta coisa lida, volta-se sempre aos mesmos livros. Os verdadeiros acrescentos, mesmo de dentro dos clássicos, são poucos. Homero, os Salmos, Vergílio, e pouco mais. E Platão. Sempre Platão.

O que muda é o que lá buscamos. As razões que me levavam a ler o Hölderlin dois ou mais anos atrás são diametricamente opostas às que me fazem lê-lo agora. Antes lia-o por encontrar nelo um amigo de dores. Agora leio-o como um querido adversário, um amado inimigo. Estimo-o tanto mais quanto menos a via dele é a minha.

cada palavra conta

per cercar virtute e canoscenza

to follow knowledge like a sinking star



qual a parte de virtute que não estás a perceber?

e qual a parte de sinking?