30/03/2012

Bergman


Hino a Athena


mantém-me longe senhora
com olhos de morte
tu que és as artes
a virtude as plantas
já secas as cheias,
Athena, benemérita
dos violadores de mystérios, da morte
da excelência e da luz,
que condenas ao fracasso
os teus filhos e a todos,
deus impotente, asseguras
a paixão duma morte
sozinha, que inundas as almas
de carinho do mar,
concede ao teu nome,
Íris, Trevas, não ser
louvado por quem tua morte
esquecer, por quem te oferecer
flores danças amor
devoto, por quem não te veja,
Lua, vazia e oca de fé
e verdade. não ouças o culto
nem persuadas jamais os navios
a acariciar-te a pele, como
dantes, antes ensina-lhes,
Crepúsculo, como a noite
se enche de estrelas já mortas
de cada vez que estudamos
os teus pensamentos
vencidos e glorificados por ti,
Serpente, e que impiamente
despedaçaste na rocha.

25/03/2012

A Sentimental Journey

sanza speme vivemo in disio
Inferno IV. 42

I
na minha aldeia
para sermos amigos
temos que ouvir
o mesmo treno e
que nos lembrar
de ti à mesma hora
tudo isto refresca a memória
das praias de Herculanum

II
por Baccho! agarrem-me
que eu vou-me a ela!
Síbylla prescinde
da profecia pensa
como quem desaprende
saber

III
Tu esquartejas o juízo
dos justos até à in
justiça. E agora exconjuras
palavrões em hierocracias. Quem
buscas? O que sabes tu
que eu saiba já
e que me fará
de novo tremer?

IV
não é por acaso que há rios
que correm para trás
que Creta permanece a pátria
de grandes senhores de rebanhos

V
e tudo aquilo que ontem fora
memória inquietante,
hoje sem sentido, hoje
indeusejado

VI
olhando para ela amou
a promessa tentadora
o sacrum furto de
Pienza (do grego πιέζειν),
o mundo interdicto
de água e fogo, o morbo
sacro, como sacra é a ὅσια
πανουργήσασα
que teve um dia a ideia
de seguir as Leis através
da hieroarchia, abatendo
a coluna e o fundamento da verdade.

VII
o mesmo deus que nos deu
a nossa tristeza, a vénus
nas veias, a vénus veneranda,
que nos pôs no peito
o rosário heresiarcha que corta
a respiração ao próprio tempo,
exige um sinal, um jogo de luzes,
um advérbio, o lusco-fusco prolungato,
legislação, porque não bebes e te lembras
da água sacra e fria? sou filha da Terra
estrelada. triumpe, triumpe
triumpe!

VIII
se quando te digo isto sou uma
voz no teu deserto
continua, se na tua língua amar
é perguntar, poderás dar de beber
ao deus que foge sequioso. estejas
cheio de ofícios e de virtude
quer não.

VIIII
moça da ampôla, Margherita
Mariotto, salsa, marina
catártica: lembra-te e não salvarás
o mundo, és uma flor
do mal
o menos?
podes ao menos
salvar-me a mim! hoje
num hotel (um quarto a dois, barato. sim, só
uma noite). se não a pararmos agora
pode ser que chegue a mudar
o fado ele mesmo! o que diria a Amália
sobre isso, o que diria
Agamémnon?

X
(não sejas como a pérola
do Pico Miran
dolensis phỳticamente dissoluta
em licor, só o faço para me soltar
um pouco, para me conseguir diverter
porque merda é que tu és tão pudica? [acento no i
non praeteribit] sinto-me tão acorrentado
é quase órfico, se digo bacchanálico
todos se riem. isto é bom, sabe
amenta?)

XI
na língua que ressuscitas há muito de ironia, muito
de cliché docemente
calýptico. nasceu-te uma luz
notha que me proíbe de
saber
o teu nome. exponho-o
como ignorância: são trenos, senhor
são trenos. isso, e o de officiis. diz-me,
é verdade que o amor
é o menor dos nossos obstáculos? acontece
que todas as primaveras, nos rascunhos das iluminuras.
palimpsestamos a forma que perdemos,
mas os gregos tinham chímicos que incandeavam a rocha.

14/03/2012

A separação de S. Pedro e S. Paulo antes do martírio.


Giovanni Serodine. A separação de S. Pedro e S. Paulo antes do martírio. (1625-26)

Nem aqui e agora ousa Pedro olhar São Paulo de frente.

09/03/2012

Quando deus criava o mundo, disse: Aquela língua que me escrever a Ilíada será santa. E dissolveu-se no sangue e ventania.

01/03/2012

Rhodos

a educação da cidade anuncia
a sua impotência – um povo estrangeiro
oferece-se como metáfora. Athenas
matricida, sofremos tanto contigo
quanto tu connosco? rerum divinarum cognitio
seguida dum intervalo entre parlamentações. note-se
que os trobadores chegavam cantar três
senhores, cada um com a sua exigência
ch'è chiamata amore, isto é
o um só olho de Hermes, que Dantes devorou
sem desejo, sem misericórdia, sem saber
de quem. se te chamo assim então, senhor,
Lady of the Rocks, como o véu ἀκουσματικῶν
geometricamente ordenado pelo teu retrato pintado
na Florença que arde filosoficamente
a bom arder e que naufraga o pensamento – se minto
e não me confesso, quer isso então dizer
que Platão estava errado? e que tal
Alfarabi? também eles largavam
escárnios como nós derramamos sangue
suspenso em estalactites, ou como o tempo que contrai
os nossos ofícios civis, ou os prolonga enquanto esperamos o escurecer
das luzes municipais, da estrela
vespertina. não creio que as volte a adorar assim,
não tanto quanto a ti, ociosa máscara,
por muito que na minha palma segure em vez de ti o deus
que me arranca a cabeça com uma prece
λάθε ἐρασθείς, que quer dizer eu amo-te como um imperador
ama abdicar, ou como quando os monges irlandeses
trocavam nos poemas palavras por outras mais rebuscadas
em busca daquela dificuldade que ama aldrabar
e que ama ainda mais amar. dizem que muitas ilhas mediterrâneas
são inexpugnáveis. dizem ainda nunca construas muralhas
dentro doutras muralhas. quando astrónomos recentemente
indagaram Andrómeda celebraram
porque por uma só noite tinha desaparecido do céu
como um romance do Saramago para alquimistas
mas ao chegar a casa, trocaram finalmente a alegria
pela liberdade, perceberam
que quando um sonho morre outro toma sempre o seu lugar
nas almas dos teus inimigos. não te entristeças
virá o dia em que nem os alexandrinos
nem a etymologia, a ciência do vero,
estarão disponíveis para ti. a alvorada
em Rhodes, a fraqueza que expulsas
para a tornares mais tua, tudo isso existe já
desde a origem, aquele frágil vidro que nos golpeia em segredo
como crianças, e que eu estilhaço contra a rocha.


Miguel Monteiro