Entre os ensaios que gostaria de escrever — mas que não sou capaz de escrever — conta-se um sobre a morfologia das asas dos anjos. É um projecto imenso que exigiria uma enorme cultura e uma extraordinária delicadeza e sensibilidade porque, nas asas dos anjos, exprime-se tanto uma complicada cultura teológica como uma liberdade de fantasias e loucura, sem limites nem prescrições. Asas dos anjos de Cavallini em Santa Cecília, no Trastevere, tão multiformes que embrulham e escondem dentro delas a criatura celeste; asinhas desesperadas que batem freneticamente nos anjos de Giotto; trémulas e subtilíssimas asas de Simone Martini que terminam em penas de pavão; asas de borboleta do Beato Angelico; asas cor-de-rosa e azul vivo de Pisabello; imensas asas cor-de-rosa e azul celeste dos anjos de Signorelli, que tocam as trembetas da Ressureição; asas apenas esboçadas de Correggio e Parmigianino; asas que parecem ensanguentadas no anjo músico de Rosso Fiorentino; asas, entre as da pomba e as da águia, no Descanso durante a fuga para o Egipto de Caravaggio; asas escancaradas e tão robustas do Greco... Quantas asas mais teria ainda de acrescentar!
Pietro Citati, Israel e o Isão: as centelhas de Deus. Luísa Feijó. Cotovia. (2003)
Pietro Citati, Israel e o Isão: as centelhas de Deus. Luísa Feijó. Cotovia. (2003)
Luca Signorelli. Os Eleitos no Paraíso. Catedral de Orvieto. 1500-1503
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