18/12/2010

Orestes & Christo, secundum la Weil


Cristo comporta-se como o herói da tragédia, como o salvador de Argos, não só da maneira contada na mitologia de Simone Weil ("veja-se o caso da sua interpretação do diálogo entre Electra e Orestes como uma conversa entre Cristo e a alma") mas também como o atormentado salvador divino da desgraça. O evangelho é o de Marcos. Orestes dilacera-se entre a culpa que será sua se cometer o maior dos crimes, o matricídio, e, séculos mais tarde, Cristo recua, vacila, tropeça e escorrega de terror até ao instante em que interioriza por completo os desígnios do seu Pai. O grego sabe do que tem de prescindir, mas algo lhe parece tão monstruoso que até a providência  a Vontade de Deus lhe dirigir a palavra, até Pílades lhe comunicar o fiat divino, Orestes não pode matar, Cristo não pode morrer. Ambos acabam por lançar o Ja-sagen por entre lágrimas, e perguntamo-nos se a lâmina de Orestes não são os pregos no corpo do Cristo: são uma única lâmina, a espada de Orestes, a faca de Abrahão, a lança de Longino, são o golpe contra aquele que Deus ama, e, porquanto sabemos que Dieu ne peut aimer que soi. Nous ne pouvons aimer qu’autre chose, é um vero golpe contra o Deus, contra la somma sapienza e 'l primo amore. A todos é necessária a renúncia, o Sim de Nietzsche: mas renúncia não apenas martirífica, como Thomas à Beckett do Murder in the Cathedral, Orestes não pode cometer o pecado se estiver seguro de que será recuperado pelo deus num dia futuro, pelo tribunal das Atenas: se Thomas se lançasse para a morte seguro da graça divina, isso seria "the last temptation [,] the greatest treason: / to do the right deed for the wrong reason": Orestes tem de matar Clytaemestra não por amor a Agamémnon (e isso compreenderam-no Strauss e Hoffmannstahl  melhor que ninguém, ao fazerem um Orestes absolutamente tépido na Elektra), nem por amor à casa dos Atridas, nem pela justiça: Orestes tem de matar por amor à palavra sancrosancta de Apollo; e Orestes é um filho desse deus sanguinário de Délfos, assim como o Cristo é um filho desse deus sanguinário de Sinai: como o filho conhece o pai, o ama por entre os seus erros e não o pretende mudar: quando Orestes mata não espera ser perdoado, quando Cristo morre não espera ser ressuscitado: esperar isso seria tentar a Graça: the greatest treason [o maior acto de piedade, o acto acessível apenas ao Cristo: beatificar com um único acto de absoluto amor Meleto e Judas]. Na tragédia do Mundo Orestes é apedrejado pelos Atenienses, e o Christo não pode sequer ser excepto enquanto Crucified Lord.

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