25/04/2010

Uma recitação da Odysseia

Na minha recitação ideal da Odysseia não há poema. É-me impossível imaginar-lhe palavras. Apenas aqueles instantes imediatamente após o pôr-do-sol, em que quase tudo está escuro mas o lusco-fusco ainda permite que a luz semeada pela fogueira não seja ainda a única. Um grupo de pessoas viradas para um mar grego com o firmamento pontilhado de ilhas, enquanto o aedo vibra as cordas que têm de preceder a declamação para lhe dar o tom. Mas ele não começa a cantar, e são esses primeiros tons da fórminx que se aguentam na eternidade, em que crepúsculo, chama, e melodia vagueiam pelo pensamento, pois começar o texto significaria conhecer a história errante, e os primeiros versos significariam ter já chegado a casa. E se isso acontecesse, porque é que se haveria de recitar a Odysseia?

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