25/04/2010

Ezra, Ésquilo, e Freud

Se tudo corre bem na vida de uma pessoa, também a sua consciência moral é branda e concede ao ego grande liberdade; assim que é vítima de um infortúnio, o homem recolhe-se em si mesmo, reconhece que pecou, extrema os imperativos da sua consciência, submete-se à absntinência e castiga-se através de expiações. Povos inteiros reagiram deste modo e continuam a reagir. Mas este fenómeno explica-se facilmente com base no nível primitivo da consciência durante a infância, que não é eliminado depois do processo de introjecção para o superego, antes se mantém ao lado e por detrás deste. O destino passa a ser visto como substituto da instância parental; ser vítima de um infortúnio significa já não ser amado por este poder superiore, perante o perigo de perder este amor,o homem verga-se de novo a este representante dos pais no superego,que em tempos de bonança pretendia ignorar. Este fenómeno torna-se particularmente evidente sempre que, num sentido estritamente religioso, o destino é tomado como expressão da vontade divina. O povo de Israel via-se como o filho eleito de Deus, e quando o Pai deixou que desgraça após desgraça se abatesse sobre este seu povo, ele não se demoveu na sua fé nesta relação priveligiada nem duvidou nunca do poder e justiça de Deus. Em vez disso criou os profetas, que pregavam a sua condição de pecadores, e a partir do seu sentimento de culpa estabeleceu os rigidíssimos mandamentos da sua religião sacerdotal. É notória a difrença em relação ao homem primitivo! Este último, quando vítima de um infortúnio, não se culpa a si, culpa o fetiche que claramente não cumpriu o seu dever, e é nele que bate em vez de se castigar a si próprio.

Freud, O Mal-Estar na Civilização, Isabel Castro Silva (trad), Relógio d'Água 2008

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