25/04/2010

Freud παρὰ Sófocles

A questão do destino da espécie humana parece-me ser a de saber se e em que medida a evolução da civilização conseguirá controlar os distúrbios que os instintos humanos para a agressão e para a autodestruição causam na vida em comunidade. A este respeito, os tempos presentes talvez se revistam de particular interesse. Os homens levaram agora o domínio sobre as forças da natureza a um extremo tal que com a sua ajuda lhes será fácil eliminarem-se mútua e completamente até à última vida. E eles sabem que assim é, o que em boa parte explica o seu presente desassossego, a sua infelicidade, o seu medo constante. E é agora de esperar que o outro dos dois "poderes divinos", o eterno Eros, se esforce por impor a sua presença na luta com o seu adversário não menos imortal. Mas quem poderá prever o desfecho e as consequências deste combate?

Freud, O Mal-Estar na Civilização, Isabel Castro Silva (trad), Relógio d'Água, 2008.


Eros invencível no combate,
Eros que as riquezas destróis,
que estás de vigília às faces tenras
da donzela,
vagueias sobre o mar e os campos!
Não te evitou nenhum dos deuses
nem dos humanos de curta vida:
quem te possui
enlouquece.

Tu desvias dos justos o ânimo,
fá-los injustos para o seu mal,
tu, que excitaste esta contenda
nos parentes;
vence, porém, da formosa noiva
a luz brilhante do seu olhar,
das grandes leis par no poder; ri-se,
invencível,
Afrodite.

Sófocles, Antígona, Maria Helena da Rocha Pereira (trad), Gulbenkian, 2007.

Sayat Nova





Sayat Nova, Sergei Parajanov (1968)

Ezra, Ésquilo, e Freud

Se tudo corre bem na vida de uma pessoa, também a sua consciência moral é branda e concede ao ego grande liberdade; assim que é vítima de um infortúnio, o homem recolhe-se em si mesmo, reconhece que pecou, extrema os imperativos da sua consciência, submete-se à absntinência e castiga-se através de expiações. Povos inteiros reagiram deste modo e continuam a reagir. Mas este fenómeno explica-se facilmente com base no nível primitivo da consciência durante a infância, que não é eliminado depois do processo de introjecção para o superego, antes se mantém ao lado e por detrás deste. O destino passa a ser visto como substituto da instância parental; ser vítima de um infortúnio significa já não ser amado por este poder superiore, perante o perigo de perder este amor,o homem verga-se de novo a este representante dos pais no superego,que em tempos de bonança pretendia ignorar. Este fenómeno torna-se particularmente evidente sempre que, num sentido estritamente religioso, o destino é tomado como expressão da vontade divina. O povo de Israel via-se como o filho eleito de Deus, e quando o Pai deixou que desgraça após desgraça se abatesse sobre este seu povo, ele não se demoveu na sua fé nesta relação priveligiada nem duvidou nunca do poder e justiça de Deus. Em vez disso criou os profetas, que pregavam a sua condição de pecadores, e a partir do seu sentimento de culpa estabeleceu os rigidíssimos mandamentos da sua religião sacerdotal. É notória a difrença em relação ao homem primitivo! Este último, quando vítima de um infortúnio, não se culpa a si, culpa o fetiche que claramente não cumpriu o seu dever, e é nele que bate em vez de se castigar a si próprio.

Freud, O Mal-Estar na Civilização, Isabel Castro Silva (trad), Relógio d'Água 2008

Uma recitação da Odysseia

Na minha recitação ideal da Odysseia não há poema. É-me impossível imaginar-lhe palavras. Apenas aqueles instantes imediatamente após o pôr-do-sol, em que quase tudo está escuro mas o lusco-fusco ainda permite que a luz semeada pela fogueira não seja ainda a única. Um grupo de pessoas viradas para um mar grego com o firmamento pontilhado de ilhas, enquanto o aedo vibra as cordas que têm de preceder a declamação para lhe dar o tom. Mas ele não começa a cantar, e são esses primeiros tons da fórminx que se aguentam na eternidade, em que crepúsculo, chama, e melodia vagueiam pelo pensamento, pois começar o texto significaria conhecer a história errante, e os primeiros versos significariam ter já chegado a casa. E se isso acontecesse, porque é que se haveria de recitar a Odysseia?

19/04/2010

Rosa, lírio, primavera, verdejar


Rose, liz, printemps, verdure,
Fleur, baume et tres douce odour,
Bele, passés en douçour,

Et tous les biens de Nature,
Avez dont je vous aour.
Rose, liz, printemps, verdure,
Fleur, baume et tres douce oudour.

Et quant toute creature
Seurmonte vostre valour,
Bien puis dire et par honnour:
Rose, liz, printemps, verdure,
Fleur, baume et tres douce oudour,
Bele, passés en douçour.

Rosa, lírio, primavera, verdejar,
Flor, bálsamo, e a mais doce fragrância,
Bela, todos ultrapassais em doçura,


E todos os bens da Natureza
Tendes— e por isso vos adoro.
Rosa, lírio, primavera, verdejar,
Flor, bálsamo, e a mais doce fragrância.

E como todas criaturas
Excede vosso valor,
Bem posso dizer, e por mi honra:
Rosa, lírio, primavera, verdejar,
Flor, bálsamo, e a mais doce fragrância,
Bela, todos ultrapassais em doçura.

Guillaume de Machaut
tradução minha

12/04/2010

To understand Plotinus

To understand Plotinus in the fullest fashion, don’t forget to familiarize yourself with Plato’s Symposium, Phaedrus, Phaedo, the Republic, and the Letters (esp. II and VII), not to mention Aristotle, the Stoics and the Epicureans, the Hellenistic Astrologers, the Gnostics, the Hermetic Corpus, Philo and Origen. Plotinus, na Internet Encyclopedia of Philosophy
E depois eu, claro, vou para a cama.

Aproveito já agora para fazer publicidade a duas belíssimas coisas:

Quinta Sessão das Tertúlias Pré-Socráticas, onde estarei presente com ar de ocupado e cara de poucos amigos; e
Recepções de Plotino e do Neoplatonismo, já esta Sexta-Feira, na Faculdade de Letras de Lisboa.