A má fé de Sartre implica que se saiba ao mesmo tempo o que é a verdade, porque é impossível mentir sem se saber a verdade, e que não se saiba a verdade, na medida em que estando sob o efeito dessa mesma má fé, está-se na ilusão de verdade com esta escondida. Lembramo-nos do Hípias Menor de Platão, onde Sócrates confronta Hípias com o aparente paradoxo de que o melhor mentiroso é aquele que sabe a verdade e portanto pode ter a certeza absoluta de não a dizer, enquanto que aquele que não sabe a verdade, querendo mentir é ainda assim menos provável que não o faça, pois corre o risco de o fazer acidentalmente. A solução platónica possível é o apelo a uma irresistível sedução por parte da verdade a qual vista encoraja ao seu uso e aderência: na medida em que a verdade é encarada como uma technê, como técnica, a ser manipulada através de objectificação práctia, então veramente aquele que sabe a verdade é o melhor a mentir. Isto é um sério problema ético. A proposição de Sócrates de que "ninguém faz o mal de sua própria vontade" (ou imortalizado em nemo sponte sua peccat) é aquilo que demonstra que, num contexto de filosofia platónica, aquilo que poderia ser uma conclusão ética embaraçosa é em si oximorónico, e deve portanto ser resolvido. Voltando a Sartre, a má fé implica um problema semelhante: a consciência sabe a verdade (identificada no Ser e o Nada com a facticidade, a objectividade), mas ainda assim faz o salto de fé kierkegaardiano para a mentira - pois toda a crença que ponha em conflicto a facticidade e a transcendência é má fé: fé porque implica sair do domínio seguro da verdade apreensível --quer no domínio da realidade objectiva, negando por exemplo factos concretos (recorrendo exageradamente à potencialidade transcendental), quer no domínio da liberdade, negando a possibilidade de se fazer a si mesmo (reduzindo o ser da consciência à objectividade, quando na realidade a liberdade da transcendentalidade é absoluta); má porque é uma escapatória da consciência face àquilo que é na realidade a sua essência-- isto é, em Sartre, nada, pois a existência precede a essência, e por conseguinte uma fabricação da essência é afirmar, crendo, que a essência é algo pré-estabelecido e ou condicionado pela objectividade.
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