21/02/2010

Lingua Latina Per Tempus Servata

Lendo Scribes & Scholars de LD Reynolds e NG Wilson, uma recomendação tardia da Tatiana, não consigo parar de pensar no quão magnificentemente abençoados somos por termos acesso a sites como estes. E inevitavelmente segue-se a vergonhosa culpa por não me servir deles na plena capacidade que tenho, não dando graças pela esforço e pela tão-fortuita sorte que permitiu a existência deles. 

Tu vês-Me como o Tempo


E ao ver todo o Helesponto coberto de naves, e todas as as costas e planícies de Abidos repletas de homens, então Xerxes afirmou que era um homem feliz, e depois disso desmanchou-se em lágrimas. Quando o seu tio Artabanos, –o mesmo que a princípio declarara a sua opinião aconselhando Xerxes a não se lançar contra a Hélade,– o viu a chorar, perguntou-lhe, "Meu rei, quão diferentes são as coisas que fizeste há pouco e que fazes agora! pois apesar de ainda há pouco teres afirmado que és um homem feliz, agora choras." Respondeu Xerxes, "É verdade, pois após ter concluído isso, não pude evitar sentir piedade ao pensar no quão breve é a vida humana, visto que destas abundantes multidões nem um só estará vivo quando cem anos tiverem passado."

Heródoto, Histórias, 7.45-46



Diz-me quem és Tu com forma tão terrível? Curvo-me perante Ti, melhor dos deuses, tende piedade! Desejo compreender-te, o ente primordial, pois não conheço a Tua missão.

Krishna falou, o Senhor Supremo: Tu vês-Me como o Tempo, poderoso destruidor do mundo, vim para destruir. Mesmo que não participes na batalha todos os guerreiros à tua frente alinhados em exércitos deixarão de existir.

Bhagavad Gita, 11, 31-32


imagem: Saturno devorando o seu filho, Francisco Goya

13/02/2010

É falso que Sócrates é mortal

Preciso de ajuda. Num livro que estou a ler, a propósito da resposta de Parménides a Heraclito, Popper diz o seguinte:

"Opposites are, in general, contraries rather than contradictories. This means that two opposites or contrary assertions such as

Socrates exists.     Socrates does not exist.

are partly compatible: they can be false together  but not true together. If we try to hold both these contraries true, we are led to the ontological consequence: Socrates does not exist. Thus in the case of an ontological predicate like 'exist', the two contraries cannot be true together. Any attempt at assuming them true together leads to an absurdity. In the case of an ontological predicate, contraries operate like contradictories: their disjunction is a tautology, and only one of the pair of contraries can be true."

Karl Popper, The World of Parmenides: Essays on the Presocratic Enlightenment, Routledge

O que faz todo o sentido, com breve excepção da distinção de que são "parcialmente compatíveis" e de que podem ser "simultaneamente falsos". A "elucidação ontológica", para lhe chamar assim, faz sentido no contexto de Parménides que vinha a ser tratado, mas não percebo como é que ele afirma que as proposições possam ser falsas ao mesmo tempo. Se: ou P ou não-P, então se "P" é falso e "não-P" é falso, então não é verdade que o que ocorre é "não-P" ou "P", invertendo unicamente a ordem comutativa das proposições? Como é que é possível que estas proposições em particular possam simultaneamente ser falsas? O meu parco ensino de lógica talvez sirva para explicar o meu fracasso a entender este salto, mas seja como for agradeceria auxílio.

05/02/2010

In medio vitium

Oh, earthly life! The diaphanous world and the world of darkness inhaling and exhaling unceasingly, floating between the twin seductions of too much or too little shadow, the tides of the transient were held inexorably in check between the two poles where time ceased to exist, between the timelessness of the gods and the timelessness of the beast—, oh, in every vein of the earth-bound, in everything springing from the earth the night sprang upward, constantly changed to awakeness and awareness both within and without, shadowily projecting the formless into form, and floating between non-being and being, posed in this equilibrium, the world came to be light and shadow, came to be perceptible in its light-and-shadowhood. Ringing forever in the soul, softly at times, loudly at others yet never silenced, the bell-tone of night, the bell-tone of the herds sounded on, forever, too, the lion-roar of day sounded on, shattering in its light and revelation, the golden storm that engulfed the creaturely—, oh, human perception not yet become knowledge, not yet instinct, rising from the humus of existence, from the seed of sentience, rising out of the wisdom of the mothers, ascending into the deadly clarity of utter-light, of utter-life, ascending to the burning knowledge of the father, ascending to cool heights, oh human knowledge, unrooted, eternally in motion, neither in the depths nor on the heights but hovering forever over the starry threshold between night and day, a sigh and a breath in the interrealm of starry dusk, hovering between the lie of the night-held herds and the death of light-flooded identification with Apollo, between silence and the word, the word that always returns into silence.

Hermann Broch, A Morte de Vergílio, traduzido por Jean Starr Untermeyer (no dia em que a tradução portuguesa não fique 50% mais por um de dois volumes do que a inglesa fica pelo livro completo, então lerei a da Relógio d'Água. Obrigado pela atenção.[/rant])

A última falante

A propósito disto: Ancient tribal language becomes extinct as last speaker dies.



The Last Man to Speak Ubykh

The linguist Ole Stig Andersen was keen to seek out the remaining traces of a West Caucasian language called Ubykh. Having heard that there was one remaining speaker he set out to find the man and arrived at his village on 8 October 1992. The man had died a few hours earlier.


At times, in those last few months,
he would think of a word
and he had to remember the tree, or species of frog,

the sound denoted:
the tree itself, or the frog, or the state of mind
and not the equivalent word in another language,

the speech that had taken his sons
and the mountain light;
the graves he swept and raked; the wedding songs.

While years of silence gathered in the heat,
he stood in his yard and whispered the name of a bird
in his mother tongue,

while memories of snow and market days,
his father’s hands, the smell of tamarind,
inklings of milk and blood on a sunlit floor

receded in the names no longer used:
the blue of childhood folded like a sheet
and tucked away.

Nothing he said was remembered; nothing he did
was fact or legend
in the village square,

yet later they would memorise the word
he spoke that morning, just before he died;
the word for death, perhaps, or meadow grass,

or swimming to the surface of his mind,
that other word they used, when he was young,
for all they knew that nobody remembered.

John Burnside, The Good Neighbour, Jonathan Cape Ltd

03/02/2010

Mentira e Liberdade

A má fé de Sartre implica que se saiba ao mesmo tempo o que é a verdade, porque é impossível mentir sem se saber a verdade, e que não se saiba a verdade, na medida em que estando sob o efeito dessa mesma má fé, está-se na ilusão de verdade com esta escondida. Lembramo-nos do Hípias Menor de Platão, onde Sócrates confronta Hípias com o aparente paradoxo de que o melhor mentiroso é aquele que sabe a verdade e portanto pode ter a certeza absoluta de não a dizer, enquanto que aquele que não sabe a verdade, querendo mentir é ainda assim menos provável que não o faça, pois corre o risco de o fazer acidentalmente. A solução platónica possível é o apelo a uma irresistível sedução por parte da verdade a qual vista encoraja ao seu uso e aderência: na medida em que a verdade é encarada como uma technê, como técnica, a ser manipulada através de objectificação práctia, então veramente aquele que sabe a verdade é o melhor a mentir. Isto é um sério problema ético. A proposição de Sócrates de que "ninguém faz o mal de sua própria vontade" (ou imortalizado em nemo sponte sua peccat) é aquilo que demonstra que, num contexto de filosofia platónica, aquilo que poderia ser uma conclusão ética embaraçosa é em si oximorónico, e deve portanto ser resolvido. Voltando a Sartre, a má fé implica um problema semelhante: a consciência sabe a verdade (identificada no Ser e o Nada com a facticidade, a objectividade), mas ainda assim faz o salto de fé kierkegaardiano para a mentira - pois toda a crença que ponha em conflicto a facticidade e a transcendência é má fé: fé porque implica sair do domínio seguro da verdade apreensível --quer no domínio da realidade objectiva, negando por exemplo factos concretos (recorrendo exageradamente à potencialidade transcendental), quer no domínio da liberdade, negando a possibilidade de se fazer a si mesmo (reduzindo o ser da consciência à objectividade, quando na realidade a liberdade da transcendentalidade é absoluta); má porque é uma escapatória da consciência face àquilo que é na realidade a sua essência-- isto é, em Sartre, nada, pois a existência precede a essência, e por conseguinte uma fabricação da essência é afirmar, crendo, que a essência é algo pré-estabelecido e ou condicionado pela objectividade.

01/02/2010

Bassae (1964)

Bassae*, por Jean-Daniel Pollet.

Coisas como estas fazem-me
  • querer ir à Grécia;
  • querer tornar-me realizador;
  • tremer.
* É o nome do local onde este remoto templo a Apolo está localizado.


PS: Por amor dos deuses maximizem a janela quando virem o filme.