23/06/2018

Sobre cada nova forma repousa já a sombra da destruição.

Sobre cada nova forma repousa já a sombra da destruição. Percorre a face de cada um individualmente, a de cada existência comum, e a de todo o mundo, não num arco sempre mais largo e mais belo que se expanda, mas sim num percurso que, assim que atinge o Meridiano, recua para o interior das trevas. Para Browne, até a ciência de como desaparecer na obscuridade está indissoluvelmente ligada à crença de que no dia da Ressurreição, quando, tal como num teatro, as últimas revoluções terão chegado a fruição, todos os actores voltarão a aparecer ainda uma última vez no palco, to complete and make up the catrastrophe of this great piece. O médico, que vê como as doenças dos corpos crescem e se enfurecem, é capaz de conceber melhor a mortalidade do que o florescer da vida. Para ele é um milagre que sejamos capazes de nos manter compostos sequer um dia. Contra o ópio do tempo que passa, escreve ele, não há planta que cresça. O sol de inverno põe em evidência o quão depressa a luz se desfaz na cinza, quão depressa a noite nos agarra. Hora após hora, a conta vai-se acumulando. Até o tempo envelhece. Pirâmides, Arcos de Triunfo, Obeliscos, são colunas de gelo derretendo. Jamais alguém que tenha encontrado um lugar junto das imagens do céu pôde ficar em descanso. Nimrod perdeu-se em Orion, Osiris na Canícula. Os maiores povos não duraram mais do que uns três carvalhos. Colocar o próprio nome numa qualquer obra não garante a ninguém direito à recordação, pois quem sabe se não são precisamente os melhores que desaparecem sem deixar rasto. A semente de papoila cai por toda a parte, e se num dia de verão o sofrimento poisa inesperadamente sobre nós como neve, o nosso único desejo é sermos esquecidos . . .
W. G. Sebald. Die Ringe des Saturn. Tradução minha.
Auf jeder neuen Form liegt schon der Schatten der Zerstörung. Es verläuft nämlich die Geschichte jedes einzelnen, die jedes Gemeinwesens und die der ganzen Welt nicht auf einem stets weiter und schöner sich aufschwingenden Bogen, sondern auf einer Bahn, die, nachdem der Meridian erreicht ist, hinunterführt in die Dunkelheit. Die eigene Wissenschaft vom Verschwinden in der Obskurität ist für Browne untrennbar verbunden mit dem Glauben, daß am Tag der Auferstehung, wenn, so wie auf einem Theater, die letzten Revolutionen vollendet sind, die Schauspieler alle noch einmal auf der Bühne erscheinen, to complete and make up the catastrophe of this great piece. Der Arzt, der die Krankheiten in den Körpern wachsen und wüten sieht, begreift die Sterblichkeit besser als die Blüte des Lebens. Ihn dünkt es ein Wunder, daß wir uns halten auch bloß einen einzigen Tag. Gegen das Opium der verstreichenden Zeit, schreibt er, ist kein Kraut gewachsen. Die Wintersonne zeigt an, wie bald das Licht erlischt in der Asche, wie bald uns die Nacht umfängt. Stunde um Stunde wird an die Rechnung gereiht. Sogar die Zeit selber wird alt. Pyramiden, Triumphbögen und Obelisken sind Säulen von schmelzendem Eis. Nicht einmal diejenigen, die einen Platz gefunden haben unter den Bildern des Himmels, konnten auf immer ihren Ruhm sich erhalten. Nimrod ist im Orion verloren, Osiris im Hundsstern. Kaum drei Eichen haben die größten Geschlechter überdauert. Den eigenen Namen auf irgendein Werk zu setzen, sichert niemandem das Anrecht auf Erinnerung, denn wer weiß, ob nicht gerade die besten spurlos verschwunden sind. Der Mohnsamen geht überall auf, und wenn an einem Sommertag unversehens das Elend wie Schnee über uns kommt, wünschen wir nurmehr, vergessen zu werden ...

16/06/2018

Cinco poemas da Ingeborg Bachmann

Dizer o escuro

Como Orfeu eu toquei
na lira da vida a morte,
e à beleza da terra
e dos teus olhos que do céu cuidavam,
eu sei apenas: dizer o escuro.

Não te esqueças que também tu, subitamente,
naquela manhã, quando o teu leito
estava ainda húmido de orvalho e o trevo
dormia no teu coração,
viste o pé escuro
que diante de ti marchou.

Com a corda do silêncio
esticada sobre a onda de sangue,
eu agarrei o teu coração soante.
As tuas tranças mudaram-se
nos cabelos de sombra da noite,
os flocos negros das trevas
cortaram o teu rosto.

E eu não te ouvi.
Agora ambos nos lamentamos.

Mas como Orfeu eu conheço
nas cordas da morte a vida,
e azula-se-me
o teu olho eternamente fechado.



Sombras Rosas Sombras

Sob um Céu estrangeiro
Sombras Rosas
Sombras
sobre uma Terra estrangeira
entre Rosas e Sombras
numa Água estrangeira
minha Sombra



Salmo


1
Cala-te comigo, como todos os relógios se calam!
No pós-parto do terror
o verme procura novo alimento.
Uma mão Sexta-feira Santa suspensa
no firmamento, faltam-lhe dois dedos,
ela não pode jurar que tudo,
que tudo não tenha acontecido e que nada
venha a acontecer. Mergulha no vermelho das nuvens,
arrasta fora o novo assassino,
e vai em liberdade.
De noite nesta terra
agarrar à janela, dobrar os lençóis
para que os segredos do doente se exponham,
uma jura de alimento, dores sem fim
para todos os gostos.
Os talhantes sustêm, de luvas nas mãos,
a respiração dos despidos,
a lua na porta cai até ao chão,
deixa os estilhaços para lá, a pega . . .
Estava tudo orientado para a extrema unção.
(O Sacramento não pode ser completado.)


2
Quão vão é tudo.
Se uma cidade se valsear daqui para fora,
ergue-te do pó desta cidade,
apodera-te duma respiração
e dispõe-te
para te opores a seres exposto.
Cumpre a promessa
diante de um espelho cego na brisa,
diante duma porta fechada ao vento.
São intransponíveis os caminhos pelos penhascos do céu.


3
Ó olhos, queimados pela terra acumuladora de Sol,
carregada do peso da chuva de todos os olhos,
e agora presa em ilusões, presa na teia
da aranha trágica
do passado . . .


4
No fosso da minha mudez
põe uma palavra
e traz bosques muitos para ambos os lados
para que a minha boca
fique toda à sombra.


A Noite dos Esquecidos
O Fim do Amor
[da Nachlass] 
Uma lua, um sol
e o mar escuro.
Agora, tudo escuro.
Apenas porque é de noite
e nada de humano
se entretece neste detalhe trabalhado.
Aquilo de que tu me acusas
E tanta amargura,
Não o faças.
Eu não sabia nada melhor
do que amar-te, eu
não pensei,
que pelo suor da pele
o [--] mundo
e que o centavo caiu

[da Nachlass] 
Não conheço nenhum mundo melhor.
A moral imbecil da vítima não permite ter muita esperança.
Uma pergunta execrável, com sinceridade, sozinha,
chega ao torturado, para lhe mostrar o valor
de ter sobrevivido, ao ser atacado, para baixar a guarda,
para elevar até si a moral imbecil da vítima
mas sem anunciar
aos torturados este chinfrim por uma hora que seja
Para os torturados, quer este chinfrim seja
ainda um Anúncio, para a moral imbecil
da vítima.
As perguntas execráveis vão agora sozinhas
até aos torturados.
Chegam às perguntas execráveis
um dia silenciosas, activas, respostas.
Às perguntas execráveis, não às santas,
que para as santas não há,
os que lá as sofrem
no que de mais execrável há
descobriram uma resposta.
Quem lá sofre deixa-se estar.
A alma bela

Ingerborg Bachmann. Traduções minha. 
in Sämtliche Gedichte. (2010) Piper
in Ich weiß keine bessere Welt: Nachgelassene Gedichte. (2016) Piper



Dunkles zu sagen

Wie Orpheus spiel ich
auf den Saiten des Lebens den Tod
und in die Schönheit der Erde
und deiner Augen, die den Himmel verwalten,
weiß ich nur Dunkles zu sagen.

Vergiß nicht, daß auch du, plötzlich,
an jenem Morgen, als dein Lager
noch naß war von Tau und die Nelke
an deinem Herzen schlief,
den dunklen Fluß sahst,
der an dir vorbeizog.

Die Saite des Schweigens
gespannt auf die Welle von Blut,
griff ich dein tönendes Herz.
Verwandelt ward deine Locke
ins Schattenhaar der Nacht,
der Finsternis schwarze Flocken
beschneiten dein Antlitz.

Und ich gehör dich nicht zu.
Beide klagen wir nun.

Aber wie Orpheus weiß ich
auf der Seite des Todes das Leben,
und mir blaut
dein für immer geschlossenes Aug.



Schatten Rosen Schatten

Unter einem fremden Himmel
Schatten Rosen
Schatten
auf einer fremden Erde
zwischen Rosen und Schatten
in einem fremden Wasser
mein Schatten



Psalm 
1
Schweigt mit mir, wie alle Glocken schweigen!
In der Nachgeburt der Schrecken
sucht das Geschmeiß nach neuer Nahrung.
Zur Ansicht hängt karfreitags eine Hand
am Firmament, zwei Finger fehlen ihr,
sie kann nicht schwören, daß alles,
alles nicht gewesen sei und nichts
sein wird. Sie taucht ins Wolkenrot,
entrückt die neuen Mörder
und geht frei.
Nachts auf dieser Erde
in Fenster greifen, die Linnen zurückschlagen,
daß der Kranken Heimlichkeit bloßliegt,
ein Geschwür voll Nahrung, unendliche Schmerzen
für jeden Geschmack.
Die Metzger halten, behandschuht,
den Atem der Entblößten an,
der Mond in der Tür fällt zu Boden,
laß die Scherben liegen, den Henkel ...
Alles war gerichtet für die letzte Ölung.
(Das Sakrament kann nicht vollzogen werden.) 
2
Wie eitel alles ist.
Wälze eine Stadt heran,
erhebe dich aus dem Staub dieser Stadt,
übernimm ein Amt
und verstelle dich,
um der Bloßstellung zu entgehen.
Löse die Versprechen ein
vor einem blinden Spiegel in der Luft,
vor einer verschlossenen Tür im Wind.
Unbegangen sind die Wege auf der Steilwand des Himmels. 
3
O Augen, an dem Sonnenspeicher Erde verbrannt,
mit der Regenlast aller Augen beladen,
und jetzt versponnen, verwebt
von den tragischen Spinnen
der Gegenwart ... 
4
In die Mulde meiner Stummheit
leg ein Wort
und zieh Wälder groß zu beiden Seiten,
daß mein Mund
ganz im Schatten liegt.


DIE NACHT DER VERLORENEN
DAS ENDE DER LIEBE 
Ein Mond, ein Himmel
und das dunkle Meer.
Nur, dunkel alles.
Nur weil es Nacht ist
und nichts Menschliches
dies feingewirkte auch durchwebt.
Was wirfst du mir noch vor
und solche Bitterkeit,
Tu's nicht.
Ich hab nichts Besseres gewußt
als dich zu lieben, ich hab
nicht gedacht,
daß durch den Schweiß der Haut
die [– –] Welt
und daß der Groschen fiel

Ich weiß keine bessere Welt.
Die schwachsinnige Moral der Opfer läßt wenig hoffen.
Eine verruchte Frage, auf Ehre, allein,
kommt dem Gefolterten, dies Überlebens
sich wert zu zeigen, im Angriff, abzulegen
die schwachsinnige Moral der Opfer
sich zu erheben, dieses Geröchel
nicht mehr zu werben um eine Stunde.
an die Gefolterten, ob dies Geröchel noch
Werbung ist, für die schwachsinnige Moral
der Opfer.
Die verruchten Fragen gehn jetzt allein
an die Gefolterten
Auf die verruchten Fragen kommt sie
eines Tages, die lautlose, tätige Antwort.
Auf verruchte Fragen, nicht die seligen,
gibt es nicht auf die seligen,
der die da leiden
auf die verruchtesten
finden sich eine Antwort.
der die da leiden, lassen sich stellen.
Die schöne Seele

15/06/2018

!نور على نور

Deus é a luz dos céus e da terra. Uma parábola da sua luz: é como se houvesse uma reentrância com uma candeia lá dentro, e a candeia está num vidro, e o vidro é como uma estrela cor de pérola acendido pela árvore abençoada da oliveira que não se inclina nem para oriente nem para ocidente, e cujo óleo brilharia mesmo se nenhum fogo a tocasse. Luz sobre Luz! Deus guia até à sua luz quem quer, e cunhou parábolas para a Humanidade - e Deus é de tudo sabedor. 
Qurão, Sura da Luz [24.35] Tradução minha. 
اللَّهُ نُورُ السَّمَاوَاتِ وَالْأَرْضِ مَثَلُ نُورِهِ كَمِشْكَاةٍ فِيهَا مِصْبَاحٌ الْمِصْبَاحُ فِي زُجَاجَةٍ الزُّجَاجَةُ كَأَنَّهَا كَوْكَبٌ دُرِّيٌّ يُوقَدُ مِن شَجَرَةٍ مُّبَارَكَةٍ زَيْتُونِةٍ لَّا شَرْقِيَّةٍ وَلَا غَرْبِيَّةٍ يَكَادُ زَيْتُهَا يُضِيءُ وَلَوْ لَمْ تَمْسَسْهُ نَارٌ نُّورٌ عَلَى نُورٍ يَهْدِي اللَّهُ لِنُورِهِ مَن يَشَاء وَيَضْرِبُ اللَّهُ الْأَمْثَالَ لِلنَّاسِ وَاللَّهُ بِكُلِّ شَيْءٍ عَلِيمٌ