15/11/2016

contra tyrannos


Of the personality as a mask;
of character as self-founded, self-founding;
and of the sacredness of the person.

Of licence and exorbitance, of scheme
and fidelity; of custom and want of custom;
of dissimulation; of envy

and detraction. Of bare preservation,
of obligation to mutual love;
and of our covenants with language

contra tyrannos.


Sobre a personalidade como uma máscara;
sobre o carácter como auto-fundado, auto-fundador;
e sobre a sacralidade da pessoa.

Sobre a licença e a exorbitância, sobre esquema
e fidelidade; sobre hábito e falta de hábito;
sobre a dissimulação; sobre a inveja

e a detracção. Sobre a nua preservação,
sobre a obrigação ao amor mútuo;
e sobre as nossas alianças com a linguagem

contra tyrannos.


Geoffrey Hill. Scenes from Comus. Penguin: 2005. (Tradução minha.)


Neste texto, verossimilmente a abertura mais arriscada e exposta dum livro de poesia que jamais li, voltamos ao modo épico - frontalmente opondo-se ao coro demótico de Speech! Speech! que denunciava "heroic verse a non-starter, says PEOPLE". (Haverá invocação? Numa República que se queira de seres humanos a esperança posta em deuses é a maior das traições, é a farça na tragédia.) O propósito é o mesmo, porém, que em Speech! Speech!, como aliás talvez seja sempre o propósito em toda a poesia do Geoffrey Hill, principalmente naquela que achamos após a 'derrocada' que lhe cinde a obra em dois: Denunciar todo o falar rendido, traidor, através da honestidade cáustica que é o direito e a licença da poesia, comburir as simplificações e lugares comuns que que faz a própria voz pública metamorfosear-se em tyrannia cíclica ("language / is the energy of decaying sense; / that sense in this sense means sensus communis"), isto é, o new-speech que nos ocupa refolgadamente e que nos rouba da aliança entre dignidade humana e palavra, desolando ambas uno ictu. A rememoração do Auden, que em September 1939 assume a mesma missão ("All I have is a voice / to undo the folded lie, / The romantic lie in the brain / Of the sensual man in the street"), rememoração essa do famoso verso famosamente mudado ("We most love one another or die", aqui mudado em "obligation to mutal love"), revela que o Hill seguirá os vestígios desse outro guerrilheiro da honestidade incondicional. Auden creu naqueles instantes em que "o justos trocam as suas mensagens". O Hill acredita também que nem toda a palavra está já podre. "Common sense bids me add: not / all language", ousará ele poucos poemas adelante.

Mas condenara esse exacto senso comum linha apenas uma acima: Será esta expectativa assente apenas em mais uma mentira, uma esperança plantada, uma distração? Será a poesia um isco para poetas e seus leitores se iludirem, como acontece com a personagem de 1984, pensando que estão a lutar e a fazer a revolução? Há versos como "That this is no reason for us to despair. The tragedy of things is not conclusive; rather, one by which the spirit moves. That it moves in circles need not detain us." que nos trespassam da convicção de que todo o cerco montado a esta estirpe de prophecia - que é a mesma da de Amós, da de Jeremias -, não fará outra coisa que torná-la mais perigosa por isso. Esta é a arma, a única talvez que não seja devorada ou contagiável, para restituir a rem publicam: ope vocis, contra tyrannos.


Marvel at our contrary orbits. Mine
salutes yours, whenever we pass or corss,

which may be now, might very well be now.


(texto de 2012)

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