14/08/2010

Neve em Flor


Metade da Vida

Com pêras douradas pende
E repleta de rosas bravas
A terra sobre o lago,
Vós queridos cisnes,
E ébrios de beijos
Mergulhais a cabeça
Na água sacra e sóbria.

Ai de mim, onde encontrarei eu, quando
For inverno, as flores, e onde
A luz do sol
E a sombra da terra?
Os muros stão
Silenciosos e frios, com a ventania
Guincham os cataventos.

Hälfte des Lebens

Mit gelben Birnen hänget
Und voll mit wilden Rosen
Das Land in den See,
Ihr holden Schwäne,
Und trunken von Küssen
Tunkt ihr das Haupt
Ins heilignüchterne Wasser.

Weh mir, wo nehm' ich, wenn
Es Winter ist, die Blumen, und wo
Den Sonnenschein,
Und Schatten der Erde?
Die Mauern stehn
Sprachlos und kalt, im Winde
Klirren die Fahnen.

Friedrich Hölderlin. Tradução minha.



A Primavera começou, então, a surpreender os hóspedes que davam os seus passeios regulamentares pelo vale, produzindo fénomenos maravilhosos, dignos de um conto de fadas, coisas nunca antes vistas. No sopé do Schwarzhorn, cujos cumes em forma de cone, ainda completamente nevados, formavam o cenário de fundo da paisagem, estendia-se um prado amplo. À direita, quase pegado, erguia-se o glaciar da Scaletta, igualmente coberto de neve espessa, tal como todo o campo, com a sua meda de feno ao meio, apesar de a camada já se ter tornado um pouco mais fina e rala, salpicada aqui e ali de montículos toscos e escuros da terra e perfurados em todo o lado por erva seca. Contudo, durante a caminhada, os pacientes notaram que a neve não se distribuia uniformemente pelo prado - à distância, vista contra a encosta das montanhas, contra a floresta que se erguia, a camada parecia bastante densa, mas quando olharam mais de perto, quando a neve surgiu diante dos seus olhos, perceberam que a erva que no Inverno ressequira e descurara e apenas estava pintalgada, estremeada, floreada pelos flocos de neve... Debruçaram-se, curiosos, para ver melhor, para ver de perto, e aperceberam-se de que não era neve mas sim flores, flores de neve ou neve às flores, pequeninos cálices em talos curtos, brancos e azulados. Eram crocos, sem tirar nem pôr, milhões de crocos que haviam despontado no prado resumbrante, tufos e tufos cerrados de crocos que facilmente se confundiam com neve e com a qual, na verdade, também se misturavam pelo campo fora.

Thomas Mann, A Montanha Mágica, Dom Quixote, Gilda Lopes Encarnação (trad), 2009



À hora de jantar fui passear à beira-rio, porque não tinha fome. Tudo à minha volta me parecia tenebroso: um vento frio e húmido de Leste soprava das montanhas, e nuvens negras e pesadas espalhavam-se pela planície. Eu observava à distância um homem com um casado esfarrapado: caminhava por entre os rochedos, e parecia estar à procura de plantas. Quando me aproximei, virou-se na direcção do meu barulho; e eu reparei que ele tinha uma rosto interessante no qual era predominante uma melancolia resignada marcada intensamente por benevolência. Visto que as suas vestes denunciavam alguém duma ordem menor, pensei que ele não se importaria se eu lhe perguntasse ao que andava; e perguntei-lhe então o que é que ele procurava. Ele respondeu, com um suspiro profundo, que estava à procura de flores, e não conseguia encontrar nenhumas. "Isso é porque não estamos na estação delas," fiz-lhe eu notar.

Goethe, Werther

Sem comentários:

Enviar um comentário