Moshe Barasch.
Icon: Studies in the History of an Idea. New York University Press (1992)
In commenting on an early Christian text, John [of Damascus] explicitly says, "Devils are in fear of saints, and flee from their shadow. A shadow is an image; therefore I make images to terrify the demons." Here John's intellectual conscience seems to have awakened. He continues, as if speaking to himself, "If you say that only intellectual worship is worthy of God, then take away all corporeal things: lights, the fragrance of incense, prayer made with the voice." Adding an example, he comes back to the image, and quite specifically to the relationship between archetype and copy in the image of the divine: "Purple cloth by itself is a simple thing, and so is silk, and a cloak is woven from both. But if the king should put it on, the cloak receives honor from the honor given to him who wears it." Note that the cloak receives honor not because it means the king, or reminds us of the kind, but rather because the king has worn it, because there was some kind of bodily meeting and thus a flow of subtle matter, as it were, from the king himself into the cloak.
The constant interaction between conceptual reflection of a highly intellectual character and the almost tangible reification of bodiless, spiritual beings is typical of John's complex personality. A modern student may find it difficult to reconcile the sophisticated distinctions made in John's theological views of the image with the crude beliefs in its miracle-working power. How can a thinker, one cannot help asking, who subtly unveiled the complex dialectical nature of the image as a spiritual revelation of the invisible also believe that the painted icon drives off almost tangible demons? This incongruence, as I have said, is a pervasive characteristic of John's thought, and perhaps also of Byzantine culture as a whole. It is found in the reflection on many themes.
Interessante o excerto, mas esse estudante que acha difícil reconciliar essas subtis distinções teológicas com a crença no milagre não estará ele próprio preso às conceções materiais modernas? Digo isto, claro está, com grande ignorância própria, pois nem li a obra nem conheço a fundo João Damasceno. Seja como for, parece-me que o paradoxo pode ter sido lá colocado por olhos modernos. De qualquer forma, obrigado por partilhares.
ResponderEliminarEu não acho que ter dúvidas quanto à capacidade de ícones para afastar demónios seja "estar preso a concepções materiais modernas"; acho sim que é bom senso e o seu oposto superstição.
ResponderEliminarO
brigado pelo comentário.
Só para continuar, claro que o paradoxo foi colocado por olhos modernos. Não tenho as menores dúvidas que paea ele não houvesse qualquer contradição entre sofisticação teológica e superstição barata. É uma combinação relativamente rara na história do pensamente, embora não inaudita. Vários neoplatónicos são dela exemplo, Iâmblico por exemplo, e depois no Renascimento é às mãos cheias: para não irmos mais longe basta pensarmos no De Vita do Ficino.
ResponderEliminarQuando me deparo com posições deste género, que determinam o alegado lado "tribal" e "primitivo" da Antiguidade ou de certas pessoas, instintivamente tendo a considerar que se trata de um olhar enformado por certos conceitos que nos chegam de uma Modernidade predisposta a julgar a dita inferioridade dos povos a tentar compreendê-la. Por outro lado, confesso também que isto pode adquirir um efeito hipercrítico, destruindo o que haverá de prudente nessa forma de visão, para não dizer que a mesma pode até não vir da Modernidade mas de todos os tempos da Humanidade racional. Seja como for, acho que é preciso ter cuidado quando se alastra tais conceções a longos períodos de tempo: "This incongruence, as I have said, is a pervasive characteristic of John's thought, and perhaps also of Byzantine culture as a whole. It is found in the reflection on many themes." Sem dúvida um assunto para refletir :)
ResponderEliminarEu, com gente como Platão e Lucrécio, Chesterton e Stephen Hawking, não acho que considerar que as sombras de santos afastam demónios seja uma opinião sensata. Não torna as pessoas que as assumam necessariamente menos dignas de interesse ou de estudo, mas sinceramente a incapacidade de julgar, e a ânsia para tudo aceitar, é vastamente mais desrespeitosa para com a Antiguidade — para com a História lato sensu — do que o teu historicismo amigo e compreensivo. O que eu digo é: estas pessoas eram humanos inteligente, que merecem o meu sentido crítico, merecem que eu os respeito a ponto de tentar entender os seus argumentos, e perceber se tinham ou não razão: se tinham razão, posso aprender com eles; se não tinham razão, não posso. Um ponto de vista oposto, que os reduza a categorias do passado onde, ó pá, pensavam de forma diferente, coitados, não permite qualquer tipo de comunicação. É eles lá e nós cá. E isso parece-me estanque.
ResponderEliminarNão discordo com o que disseste. Não pretendo alojar os antigos - ou alguns dos antigos - em categorias históricas que os expliquem e que assim os afastem de nós. Não pretendo colocar o pensamento dos autores num qualquer ciclo herderiano: pelo contrário, seria meu desejo resgatá-los desse mesmo ciclo do Volksgeist. João Crisóstomo acreditava, como muitos bizantinos, que um ícone poderia afugentar demónios. Ao mesmo tempo desenvolvia sistemas teológicos altamente subtis. Sou eu capaz de compreender isto? Não. Concluo portanto que que não posso aprender com ele? Não. Fico assim preso numa encruzilhada hermenêutica: por um lado não consigo compreender, por outro não quero rejeitar. Será isto desrespeitar a História com a anseia de tudo aceitar? Talvez. Gosto todavia de pensar que sou incapaz de compreender mas que talvez um dia o possa vir a fazer.Estudando mais a fundo a questão - coisa que devo fazer - talvez possa ter uma postura mais concreta sobre o assunto.
ResponderEliminar*Damasceno, não Crisóstomo. No tempo do Crisóstomo ainda não havia ícones.
ResponderEliminarParece-me seja como for uma posição insuficiente. Quando alguém diz algo absurdo, eu posso tentar perceber porque é que essa pessoa disse essa coisa absurda, desde que isso não me impeça de acrescentar de seguida que, isso é absurdo. Além de estanque é imobilista, e parece-me não fornecer outra coisa que uma débil lealdade para com a verdade. Se alguém diz X, quem sou eu para discordar? Um ser humano dotado de razão, diria eu. Isto vale quer para a história quer para a contemporaneidade. O facto de haver uma suposta incapacidade de me inserir por completo na pessoa do Outro (deus me valha com essa terminologia estéril) não pode invalidar o meu sentido crítico. Se alguém diz que 2+2=5, ou que a terra é quadrada, eu sou "incapaz de compreender" não porque "talvez um doa o possa vir a fazer", mas sim porque está simplesmente errado.
Damasceno, não Crisóstomo: eis aqui a prova da minha ignorância! eheh
ResponderEliminarMuito bem: considero-me vencido. Eu costumo ter este tipo de escrúpulos porque temo sempre que se faça juízos apressados sobre o passado, sobretudo quando se aborda o período bizantino. Mas sobre este assunto estarás a par melhor do que eu.
Continua a publicar as tuas leituras sobre a matéria, pois há falta disso entre nós.