A cruz é um trívio. Há muito que suspeitava da
identidade profunda dos meu pantheon pessoal de Hermes, de Diana, e do Christo,
mas nunca pensei que a chave fosse tão literal, mas é-o — a cruz T (tau), à qual
os condenados eram pregados. E é tudo tão sinnvoll que só posso estranhar nunca
o ter encontrado noutro sítio antes. É transparente: Hermes é o deus do Trívio,
a quem as Hermas, amontoados de pedras que nas estradas bifurcadas iam sendo
acumuladas por pios caminhantes. Também Diana, a Juno Lucina, é chamada a
Trívia. Estas são as duas figuras principais da mythologia grega: ambas dão
origem, são os irmãos mais importantes e as duas respostas possíveis ao deus
padroeiro da Héllas, Apollo: Hermes é a favila de que Apollo é a luz brilhante,
Diana é a Lua de que Apollo é o Sol. Em Christo temos também o Terceiro,
Diónysos, o crucificado. Assim fazemos a triangulação da Grécia em torno
cortante lógos. Christo é também Hércules, algo que os primeiros christãos bem
perceberam, é o filho de Dios, também ele o que teve que encontrar um trívio.
Os dois braços da cruz são também os dois caminhos em que o trívio se bifurca.
A oferenda que Christo trouxe ao mundo jaz aqui: Christo estende os dois braços para os dois assaltantes, Hércules
sabe que só pode escolher um dos caminhos. O que o Christo não podia saber era
que no fim apenas um deles iria optar pelo arrependimento. Amou
demasiado, e de certa forma podemos dizer que Orígenes é o primeiro dos modernos
porque é um regresso a Homero. São 3 em 3 em 3. É a triangulação
Hermes-Diana-Christo, e pelo menos o Christo contem ele próprio uma outra
triangulação Christo-Diónysos-Hércules. Ao centro, gerado não criado, existente
enquanto relação (que é o mesmo que
dizer: existente enquanto lógos), está o
triângulo de Apollo, Zeus, e do Spírito Sancto (Matthæus 18:20). Tudo isto está
contido na cruz, na cruz de Diónysos às mãos dos titãns, na lyra de
Apollo-Hermes, mas mais fundamentalmente que em qualquer outro sítio na via crucis, literalmente o caminho da cruz, que nada mais é que o trívio que acolhe a seus pés a herma dos
hellenos.
se queremos
conseguir a união trina e a triangulação no caminho precisamos de atheísmo:
apenas ele nos devolve a trigonometria e nos permite começar pela relação em
vez de pelo ponto. por isso é que a mýstica só pode ser atheia. a fé dá o
princípio. o atheísmo recusa o princípio, escolhe a relação, escolhe o lógos
antes da archê (ou, que é dizer o mesmo, escolhe pelo menos um lógos que seja archê, jamais um lógos que esteja na archê): é um fazer-se à estrada sem ter por onde partir, sub o signo hermético dum mundo sem eisagogai. para se chegar a Zeus, a
Apollo, para se invocar o santo spirito depois de christo ter sido morto e
crucificado é necessário que reunamos
primeiro os pontos de contacto, como nos diz o versículo acima citado (embora
eu discorde da implicação lá expressa de que bastariam dois: não bastam, aliás,
a sugestão é quase pornográfica e um exemplo típico da levitas græcanica, algo
que o Tolentino Mendonça bem entendeu no livro da amizade): estabelecermos na
nossa mente, dar luz a Hermes, a Diana, e ao Christo é, de certa forma, um
ritual invocatório, só que theológico-racional em vez de cúltico — οὐκέτι. a mýstica
parte do humano, não do divino. é uma graça concedida nach der Tat nicht zuvor, ou, melhor dizendo, o facto de isto
ser assim é prova viva da verdade do atheísmo, visto que o facto de ser o
carácter invocatório do pantheão trino a trazer à existência uma trindade que
se define enquanto relação através do estabelecimento dessa mesma relação é
algo que assume perturbadoramente os contornos duma, como rhetoricamente diríamos, invenção do próprio deus: fazer deus onde
ele antes não estava é uma posição perfeitamente atheia, e poderia até mesmo
ser cabalística (se bem que duma forma bastante herética, claro) se quiséssemos
entender aqui a invocação trina como um shema,
mas neste caso um shema, Elohim que é
chamar à presença, theourgia theopoiesis theophania.
Sem comentários:
Enviar um comentário