21/07/2013

Intuições greco-christãs

A cruz é um trívio. Há muito que suspeitava da identidade profunda dos meu pantheon pessoal de Hermes, de Diana, e do Christo, mas nunca pensei que a chave fosse tão literal, mas é-o — a cruz T (tau), à qual os condenados eram pregados. E é tudo tão sinnvoll que só posso estranhar nunca o ter encontrado noutro sítio antes. É transparente: Hermes é o deus do Trívio, a quem as Hermas, amontoados de pedras que nas estradas bifurcadas iam sendo acumuladas por pios caminhantes. Também Diana, a Juno Lucina, é chamada a Trívia. Estas são as duas figuras principais da mythologia grega: ambas dão origem, são os irmãos mais importantes e as duas respostas possíveis ao deus padroeiro da Héllas, Apollo: Hermes é a favila de que Apollo é a luz brilhante, Diana é a Lua de que Apollo é o Sol. Em Christo temos também o Terceiro, Diónysos, o crucificado. Assim fazemos a triangulação da Grécia em torno cortante lógos. Christo é também Hércules, algo que os primeiros christãos bem perceberam, é o filho de Dios, também ele o que teve que encontrar um trívio. Os dois braços da cruz são também os dois caminhos em que o trívio se bifurca. A oferenda que Christo trouxe ao mundo jaz aqui: Christo estende os dois braços para os dois assaltantes, Hércules sabe que só pode escolher um dos caminhos. O que o Christo não podia saber era que no fim apenas um deles iria optar pelo arrependimento. Amou demasiado, e de certa forma podemos dizer que Orígenes é o primeiro dos modernos porque é um regresso a Homero. São 3 em 3 em 3. É a triangulação Hermes-Diana-Christo, e pelo menos o Christo contem ele próprio uma outra triangulação Christo-Diónysos-Hércules. Ao centro, gerado não criado, existente enquanto relação (que é o mesmo que dizer: existente enquanto lógos), está o triângulo de Apollo, Zeus, e do Spírito Sancto (Matthæus 18:20). Tudo isto está contido na cruz, na cruz de Diónysos às mãos dos titãns, na lyra de Apollo-Hermes, mas mais fundamentalmente que em qualquer outro sítio na via crucis, literalmente o caminho da cruz, que nada mais é que o trívio que acolhe a seus pés a herma dos hellenos.


se queremos conseguir a união trina e a triangulação no caminho precisamos de atheísmo: apenas ele nos devolve a trigonometria e nos permite começar pela relação em vez de pelo ponto. por isso é que a mýstica só pode ser atheia. a fé dá o princípio. o atheísmo recusa o princípio, escolhe a relação, escolhe o lógos antes da archê (ou, que é dizer o mesmo, escolhe pelo menos um lógos que seja archê, jamais um lógos que esteja na archê): é um fazer-se à estrada sem ter por onde partir, sub o signo hermético dum mundo sem eisagogai. para se chegar a Zeus, a Apollo, para se invocar o santo spirito depois de christo ter sido morto e crucificado é necessário que reunamos primeiro os pontos de contacto, como nos diz o versículo acima citado (embora eu discorde da implicação lá expressa de que bastariam dois: não bastam, aliás, a sugestão é quase pornográfica e um exemplo típico da levitas græcanica, algo que o Tolentino Mendonça bem entendeu no livro da amizade): estabelecermos na nossa mente, dar luz a Hermes, a Diana, e ao Christo é, de certa forma, um ritual invocatório, só que theológico-racional em vez de cúltico — οὐκέτι. a mýstica parte do humano, não do divino. é uma graça concedida nach der Tat nicht zuvor, ou, melhor dizendo, o facto de isto ser assim é prova viva da verdade do atheísmo, visto que o facto de ser o carácter invocatório do pantheão trino a trazer à existência uma trindade que se define enquanto relação através do estabelecimento dessa mesma relação é algo que assume perturbadoramente os contornos duma, como rhetoricamente diríamos, invenção do próprio deus: fazer deus onde ele antes não estava é uma posição perfeitamente atheia, e poderia até mesmo ser cabalística (se bem que duma forma bastante herética, claro) se quiséssemos entender aqui a invocação trina como um shema, mas neste caso um shema, Elohim que é chamar à presença, theourgia theopoiesis theophania.

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