21/08/2020

Sobre o Conceito de História (Walter Benjamin)



Sobre o Conceito de História

Walter Benjamin (1940)

Miguel Monteiro trad.


1. 

Sabemos de um robot construído de tal forma que a cada jogada de xadrez do seu adversário seria capaz de responder duma maneira que lhe assegurasse sempre a vitória da partida. Um fantoche em trajes turcos, de cachimbo-de-água na boca, estava sentado diante duma mesa ampla. Graças a um sistema de espelhos despertara-se a ilusão de que seria possível olhar através desta mesa por todos os lados. Na verdade o que se passava é que um anão corcunda, um mestre de xadrez, estava lá sentado dentro, e dirigia a mão do fantoche com uns cordéis. Podemos imaginar um paralelo filosófico a esta geringonça. Há-de ganhar sempre o fantoche a que chamamos "Materialismo Histórico". Pode lidar sem preocupação com qualquer um, desde que traga a teologia ao seu serviço, que hoje é, como sabemos, pequena e feia e não deixa que olhem para ela.


2. 

"Uma das mais notáveis características do espírito humano", diz Lotze, "é o facto de um tão grande egoísmo individual conviver com a ausência geral de inveja de cada Presente face ao seu Futuro." Esta reflexão conduz-nos à ideia de que a imagem da felicidade que concebemos está completamente tingida pela época a que o decurso da nossa existência nos entregou. A felicidade que a inveja poderia despertar em nós existe simplesmente no ar que respirámos, com pessoas com quem poderíamos ter conversado, com mulheres que se poderiam ter entregado a nós. Por outras palavras, ao imaginarmos a felicidade somos coagidos sem alternativa a imaginar também a salvação. Passa-se o mesmo quando imaginamos o Passado, o assunto de pesquisa da História. O Passado levanta um dedo misterioso, e através dele refere-se a si mesmo à salvação. Não nos toca uma mesma brisa de vento que soprou em torno dos que vieram antes de nós? não há nas vozes que escutamos um eco dos que entretanto emudeceram? as mulheres com quem flirtamos não têm irmãs que elas mesmas jamais conheceram? Se assim for, então existe um encontro secreto entre as gerações que passaram e a nossa. Na terra aguardaram por nós. A nós, tal como a todas as gerações que existiram antes de nós, foi-nos concedido um ténue poder messiânico, e o passado tem direito a reivindicá-lo. Esta reivindicação não pode ser despachada de forma leviana. O materialista histórico sabe-o bem.


3. 

O cronista que reconta os acontecimentos sem distinguir entre grandes e pequenos dá conta da verdade que nada que alguma vez tenha acontecido deve ser tomado como perdido para a História. É certo que apenas a humanidade redimida se poderá apropriar do seu passado em toda a sua plenitude. Quer isto dizer: para a humanidade redimida, todos os instantes do seu passado tornar-se-ão citáveis. Todos os instantes vividos num dos "acontecimentos notáveis do dia" [citation à l'ordre du jour] - sendo que o dia em questão é o do Juízo Final.


4. 

"Tratem primeiro de ter o que comer e que vestir, que o Reino de Deus depois vem por si." - Hegel, 1807


A luta de classes, que um historiador educado por Marx jamais deixa de ter diante dos olhos, é uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais as outras sofisticadas e espirituais não podem existir. Ainda assim, na luta de classes estas últimas não estão presentes apenas como os despojos que calharam ao vencedor. Nela, elas vivem e actuam sobre as distâncias do tempo como Confiança, Coragem, Argúcia, Convicção. Não cessam jamais de colocar em questão todas as vitórias que os vencedores alguma vez celebraram. Tal como as flores inclinam a cabeça para o sol, assim também aquilo que aconteceu se esforça, graças a um género obscuro de heliotropismo, por se entregar ao sol que se levanta no céu da História. O materialista histórico deve conciliar-se com esta mais imperceptível de todas as transformações.


5. 

A verdadeira imagem do Passado esgueira-se por nós. O Passado pode apenas ser retido enquanto imagem que relampeja sobre a irrepetibilidade no instante em que é reconhecido. "A verdade não nos passará ao lado" — esta frase, proferida por Gottfried Keller, indica na concepção histórica do historicismo o momento exacto em que este se aparta do materialismo histórico. Em cada Presente há uma imagem irrecuperável do Passado que ameaça desaparecer, uma imagem que não se reconhece naquela que o Presente formula.


6. 

Articular historicamente algo que passou não quer dizer reconhecê-lo "como ele realmente aconteceu". Quer dizer apropriar-se duma memória tal como ela relampeja no instante de um perigo. Compete ao materialismo histórico agarrar uma imagem do passado como esta surge ao sujeito histórico no instante do perigo. O perigo ameaça não só a existência da tradição mas também quem a recebe. Ambos correm o mesmo e um idêntico perigo: entregarem-se como utensílio da classe dominante. Há que tentar de novo em cada época arrebatar a tradição ao conformismo que pretende dominá-la. O dom de atiçar no passado a fagulha da esperança pertence apenas a quem escreve a História com a convicção plena de que, se o inimigo vencer, nem os mortos estarão em segurança. E este inimigo não parou de vencer.


7.

Considera as trevas e o frio imenso

Neste vale onde tudo é lamento.

Brecht, A Ópera dos Três Vintéis


Fustel de Coulanges recomenda que um historiador que queira reviver uma época trate de expulsar da cabeça tudo o que souber daquilo que aconteceu depois. Não é possível identificar melhor o método com que o materialismo histórico rompeu. É um método da empatia. A sua origem é a inércia do coração, uma tal acédia que desespera de se apoderar da autência imagem histórica que desaparece num relampejar fugidio. Os teólogos da Idade Média consideravam esta acédia a causa fundamental da tristeza. Flaubert, que com ela estabelecera relações de cordialidade, escreve: "Peu de gens devineront combien il a fallu être triste pour ressusciter Carthage." [Poucas pessoas suspeitam do quão triste foi preciso estar para ressuscitar Cartago.] A natureza desta tristeza torna-se mais clara assim que se coloca a pergunta, com quem é que o historiador do historicismo sente empatia? A resposta é, invariavelmente, com o vencedor. Aqueles que actualmente dominam são os herdeiros de quem venceu no passado. De forma que a empatia para com o vencedor, para quem hoje domina, é algo perfeitamente benéfico. Sobre isto o materialismo histórico já disse o que tinha a dizer. Todos os que até hoje venceram desfilam no cortejo triunfal e conduzem quem hoje domina sobre os outros que jazem prostrados no chão. Como o costume sempre ditou, os despojos são exibidos no cortejo triunfal. Damos-lhe o nome de bens culturais. Constatarão que o materialista histórico se limita a observá-los à distância. Isto porque quando contempla bens culturais, e se lembra de onde vieram, é incapaz evitar o terror. Não atribui a sua existência apenas ao esforço dos grandes génios que os criaram, mas também à exaustão anónima dos seus contemporâneos. Não houve nunca um documento de cultura que não fosse também um documento de barbárie. E tal como ele mesmo não está livre da barbárie, assim também não está livre dela o processo da tradição, que a vai passando de uns para os outros. O materialista histórico abstém-se de tudo isto na medida do possível. Entende que a sua função é escovar a história a contrapelo.


8.

A tradição dos oprimidos ensina-nos que o estado de excepção no qual vivemos na realidade é a regra. Precisamos de chegar a um conceito da História que lhe corresponda. Então sim a nossa tarefa será estabelecer um verdadeiro estado de excepção, e a nossa posição na luta contra o fascismo sairá fortalecida. O fascismo tira bastantes vantagens do facto de os seus oponentes o enfrentarem em nome do progresso entendido como norma histórica. Aquele espanto de que aquilo que vivemos seja possível "em pleno" século vinte nada tem de filosófico. Não dá início a nenhum entendimento, a não ser talvez ao entendimento de que a concepção de história que lhe dá origem é uma concepção insustentável.


9.

Estão prontas para voar minhas asas,

queria ficar por aqui,

Que se de ser tempo vivo eu deixasse,

seria menos feliz.

Gerhard Scholem, Saudação do Anjo


Há uma imagem do Klee chamada Angelus Novus. Lá vem representado um anjo que parece estar a afastar-se de algo que ele mira fixamente. Os olhos dele estão esbugalhados, a sua boca está aberta, as suas asas escancaradas. O anjo da História terá este aspecto. Tem a cara virada para o passado. Onde nós contemplamos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma única catástrofe que amontoa ruínas sobre mais ruínas intermináveis arremessadas diante dos seus pés. Ele gostaria de parar, de acordar os mortos e de recolher os escombros. Mas do Paraíso sopra uma tempestade que se prendeu nas suas asas e que é tão potente que ele é incapaz de as fechar. Esta tempestade atira-o e arrasta-o incessantemente para o futuro para onde ele tem as costas voltadas, enquanto que o amontoar das ruínas cresce diante dele até ao céu. A esta tempestade chamamos progresso.


10. 

Os temas que as regras das ordens dos claustros impunham aos seus irmãos tinham a função de os desviar do mundo e dos seus incitamentos. A série de pensamentos a que aqui nos dedicamos tem como origem uma intenção semelhante. Num momento em que os políticos nos quais os adversários do fascismo tinham depositado as suas esperanças não só jazem por terra como ainda por mais, ao traírem as suas próprias causas, fortalecem ainda mais a sua derrota, a intenção é libertar o rebento político das cadeias com que o acorrentaram. Esta observação parte da premissa de que a fé obtusa que estes políticos têm no progresso, a sua confiança na sua "base popular", e finalmente o seu enfileiramento servil a um aparato incontrolável são três aspectos do mesmo problema. Ela procura demonstrar quão elevado é o preço que teremos de pagar por uma concepção da História que recuse toda a cumplicidade com aquela a que estes políticos se associam.


11. 

O conformismo, que se esconde na social-democracia desde o início, condiciona não apenas as suas tácticas políticas mas também as suas concepções económicas. É uma causa do colapso posterior. Não há nada que tenha corrompido tanto a classe operária alemã quanto a ideia de que está a nadar na direcção da corrente. A classe operária entendia o desenvolvimento tecnológico como a inclinação da corrente com a qual pensava que estava a nadar. Daí era só um passo até se convencer da ilusão de que o trabalho fabril, desenvolvido a reboque do progresso técnico, lhe haveria de proporcionar uma oportunidade política. A antiga moral laboral protestante celebrou a sua ressurreição de forma secularizada junto dos trabalhadores alemães. O programa de Gotha já continha em si traços desta confusão quando definia o trabalho como "a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura." Temendo o pior, Marx retorquiu que uma pessoa que não possua nenhuma outra propriedade para além da sua força de trabalho "será sempre o escravo daqueles que se transformaram a si mesmos em proprietárias." Não obstante tudo isto, a confusão espalhou-se, e em breve Josef Dietzgen proclamou que: "O trabalho é o Salvador dos tempos modernos ... no ... avanço ... do trabalho ... consiste a riqueza, que será capaz de realizar aquilo que até hoje nenhum Redentor foi capaz de realizar." Esta vulgarização do conceito marxista do que é o trabalho não se detém muito tempo a perguntar-se como é que os seus produtos podem servir de alguma coisa aos trabalhadores enquanto estes forem incapazes de ter acesso a eles. Atenta apenas aos progressos na dominação da natureza, não aos retrocessos da sociedade. Atesta já às tendências tecnocráticas que brotarão mais tarde, no fascismo. Entre estas tendências encontra-se um conceito de natureza que se demarca de forma sinistra daquele que vingava nas utopias socialistas do período antes de 1848. Hoje entende-se que o trabalho decorre da exploração e do esgotamento da natureza, a mesma que se contrasta, com satisfação assaz naïve, à exploração e esgotamento do proletariado. Quando comparados com esta concepção positivista, as fantasias que proporcionaram tanto tema de chacota contra Fourier até parecem relativamente sãs. Segundo Fourier, o trabalho social bem-organizado traria resultados tais, que a noite terrestre haveria de ser iluminada por quatro lutas, que o gelo desapareceria dos pólos, que a água do mar não seria mais salgada, e que os animais selvagens entrariam a serviço da raça humana. Tudo isto designa um trabalho que, longe de explorar a natureza, está em condições de a libertar das criações que hibernam no seu ventre. Ao conceito corrompido de trabalho corresponde a Natureza como um complemento que, como Dietzgen formulou, "está ali grátis."


12.

Precisamos de História, mas não como precisa dela o dandy ocioso no jardim do conhecimento.

Niezsche - Vantagens e Desvantagens da História para a Vida


O sujeito do conhecimento histórico é a classe oprimida em luta. Em Marx ela aparece como a última classe escravizada, como a classe vingadora que leva a cabo o trabalho da libertação em nome de todas as gerações de derrotados. Esta consciência, que durante um curto espaço de tempo esteve operativa com os espartaquistas, foi sempre ofensiva à social-democracia. No decurso de três dezenas de anos foi capaz quase de apagar o nome de um Blanqui, cujo eco fez tremer o século passado. Decidiu que era bem atribuir à classe trabalhadora o papel de redentora de gerações futuras. Com isso cortou-lhe o tendão das suas melhores forças. Nesta escola, a classe trabalhadora desaprendeu tanto o ódio quando o espírito de sacrifício, ambos os quais se alimentam da imagem dos antepassados escravizados, não do ideal duns descendentes libertados.


13.

"A cada dia a nossa causa torna-se mais clara, a cada dia o povo se torna mais esclarecido."

Josef Dietzgen, Filosofia Social-Democrata


A teoria social-democrata, e ainda mais a práxis, é determinada por um conceito de progresso que não tem nada que ver com a realidade e que se sustenta por exigências dogmáticas. O progresso, tal como ele se desenha das cabeças dos social-democratas, seria antes de mais um progresso da própria Humanidade (não apenas das suas capacidades e conhecimentos). Em segundo lugar, não teria limites (dado que correspondia a uma perfeitibilidade infinita da humanidade). Em terceiro, era essencialmente imparável (já que percorria por si só um caminho a direito ou em espiral). Cada uma destas predicações é controversa, e poder-se-ia montar a crítica a cada uma delas individualmente. Porém, se for para ser a sério, a crítica terá de dar a volta a todos elas e a apontar àquilo que se esconde por detrás e que elas têm em comum. A concepção dum progresso da raça humana na História é inseparável da concepção de um avanço através de um tempo homogéneo e vazio. A crítica à concepção do avanço constitui a base da crítica da concepção do progresso.


14. 

O início é o alvo.

Karl Kraus, Palavras em Versos I


A História é objecto duma construção que não tem lugar num tempo homogéneo e vazio mas sim num tempo permeado pelo Presente. Para Robespierre, a Roma antiga era um passado que levava a carga do presente, um passado que ele fez eclodir desde o contínuo da História. A Revolução Francesa entendia-se a si mesmo como uma Roma retornada. Citava a Roma antiga como a moda cita um vestuário do passado. A moda tem faro para o actual, onde quer que este vagueie pela mata do antigamente. Ela é o salto de tigre sobre o que aconteceu no passado. Agora toda ela se passa numa arena onde quem manda é a classe dominante. O mesmo salto, mas sob o livre céu da História, é o salto dialéctico que Marx concebeu como a Revolução.


15. 

A consciência de fazer eclodir o contínuo da história é uma característica própria das classes revolucionárias no momento da sua acção. A grande revolução introduz um novo calendário. O dia que inaugura o calendário funciona como condensador do tempo histórico. Visto assim, é sempre o mesmo dia que regressa na forma de feriados, o dia da memória. Os calendários não contam o tempo como relógios. São monumentos a uma consciência histórica, dum tipo que desde há um século que não parece deixar na Europa nem os mais leves traços. Na Revolução de Julho aconteceu um incidente inesperado que trouxe esta consciência ao seu lugar merecido. Quando terminou o primeiro dia de combate passou-se que, em vários lugares de Paris, simultânea e independentes uns dos outros, se começou a disparar contra os relógios das torres. Uma testemunha ocular, que talvez deva à rima a sua capacidade profética, escreveu na altura:


Dizem que novos Josués, quem possível julgaria!

Se zangaram com o tempo, e junto a cada torre

Dispararam aos diais, e queriam parar o dia.


Qui le croirait! on dit qu'irrites contre l'heure

De nouveaux Josues, au pied de chaque tour,

Tiraient sur les cadrans pour arreter le jour.


16. 

O materialista histórico não pode prescindir do conceito de um presente que não é passagem, de um presente que se detém no tempo e que fica em repouso. Isto porque este conceito define até mesmo o presente no qual ele escreve a História para a sua própria pessoa. O historicismo propõe uma imagem eterna do passado, o materialista histórico propõe a experiência única do passado. Ele deixa para outros a chance de se esgotarem com a prostituta "Era uma vez" no bordel do historicismo. Permanece senhor das suas forças, homem suficiente para fazer eclodir o continuum da História.


17. 

O Historicismo culmina legitimamente na História universal. O método materialista de escrita da História distingue-se talvez de forma mais clara deste do que de qualquer outro. O primeiro carece de qualquer arcabouço teórico. Processa-se por meio de adição: dispõe da massa dos factos com vista a preencher o tempo homogéneo e vazio. A escrita materialista da história, por outro lado, é fundada num princípio construtivo. O pensar não é constituído apenas por pensamentos em movimento mas também em repouso. Quando o pensamento se detém subitamente numa constelação saturada de tensões, passa-lhes um choque por via do qual se cristaliza a si mesmo em mónada. O materialista histórico só se aproxima dos objectos históricos que o encarem como mónadas. Nesta estrutura ele reconhecer o sinal de um repouso messiânico do devir, ou, dito de outra forma, o sinal duma possibilidade revolucionária para lutar em prole do passado oprimido. Ele apercebe-se dela com vista a fazer eclodir, da passagem homogénea da história, uma época específica; na mesma lógica, faz eclodir uma vida específica do total da época, e uma obra específica do total das obras dessa vida. Deste método resulta que o total das obras dessa vida determinada seja preservado, assumido e anulado [aufbewahrt und aufgehoben] nessa obra, que a época seja preservada, assumida e anulada no total das obras da vida determinada, e que a passagem reunida da História seja, preservada, assumida e anulada na época. O fruto nutritivo de algo compreendido historicamente tem o tempo como no seu interior como semente preciosa mas insípida.


18.

"Em comparação com a história da vida orgânica na terra, os miseráveis cinquenta mil anos do homo sapiens", diz um biólogo contemporâneo, "não passam de dois segundos no final de um dia de vinte e quatro horas. A história da humanidade civilizada, entendida nesta medida, ocuparia um quinto do último segundo da última hora." O agora, que como modelo do messiânico compreende numa abreviatura incomensurável a história de toda a humanidade, corresponde precisamente com a figura que a história da humanidade ocupa no universo.


Anexo A. 

O historicismo contenta-se em estabelecer um nexo causal entre momentos diferentes da história. Mas nenhuma situação factual se torna em algo histórico apenas por ser uma causa. Torna-se tal postumamente, através de acontecimentos que podem distar dela em milénios. O historiador consciente disto cessa de percorrer como um rosário a sequência dos acontecimentos. Ele agarra a constelação que a sua própria época forma quando se encontra com uma outra época determinada, e funda assim um conceito do presente como o "Agora" permeado de lascas do messiânico.


Anexo B. 

É certo que os adivinhos, quando perguntavam ao tempo o que se escondia no seu ventre, não o sentiam nem como homogéneo nem como vazio. Quem tiver isto presente poderá talvez perceber que o tempo passado experienciado na rememoração é concebido dessa mesma forma. Sabemos que aos Judeus era proibido investigar o futuro. Antes pelo contrário, a Torah e a oração ensinam-se na rememoração. Isto desencantou-lhes o futuro, enquanto que os que interrogavam os adivinhos sucumbiam a ele. Mas isto não quer dizer que para os Judeus o futuro se tivesse tornado tempo homogéneo e vazio, pois nele cada segundo era a porta estreita por onde podia entrar o Messias.

Sem comentários:

Enviar um comentário