18/12/2021

Modos de Produção, Formas de Exploração

A ideia de que a um modo de produção (capitalismo, feudalismo, esclavagismo) não corresponde apenas uma forma de exploração de mais-valia não é particularmente nova, mas costuma ser acoplada com a ideia de que há uma correspondência quase orgânica entre modo de produção e forma de exploração, e que, em condições de estabilidade, tendem à coincidência. Por outras palavras, que num modo de produção feudal (ou “tributário” - John Haldon) houvesse trabalho assalariado é algo que ninguém disputa, mas avança-se que seria lateral, insignificante, precisamente porque haveria uma falta de concatenação entre o modo de produção e essa forma de produção, e que as forças de produção ou a acumulação não estariam ‘ainda’ suficientemente desenvolvidas para incentivar à disseminação de um modo de exploração alternativo. Um processo revolucionário, como foi o que levou o fim do feudalismo e à ascensão da burguesia como classe dominante, pautar-se-ia por um movimento duplo: o triunfo duma classe, e a predominância da forma produção correspondente: para o caso, à ascensão da burguesia corresponderia o trabalho assalariado.

Assim sendo, o projecto encetado por Jairus Banaji de dissociar o modo de produção das formas de exploração tem, como todos as genuínas análises históricas marxistas, conclusões que em muito extravasam o problema do dito “debate da transição”. O que permite entender é que, se a um modo de produção corresponde, sim, a ascensão duma classe e, concretamente, uma alteração nos beneficiários principais ao nível da distribuição da mais-valia produzida socialmente (vide Grundrisse), confundimo-nos se afirmarmos que teremos, necessariamente, uma alteração das formas de produção. É este o problema que subjaz ao grande mal-entendido que subjaz ao reduzir o pensamento do Marx à narrativa expressa no Volume 1 do Capital: apesar de afirmar que estamos a investigar a génese do capitalismo e a ascensão da burguesia, estamos na realidade a analisar um tipo específico de capitalismo, o capitalismo industrial, ao qual responde, sim, a ascensão do trabalho assalariado como forma de exploração predominante - mas não necessária.

Descartar essa identificação permite perceber que a questão do “debate da transição” foi mal colocada. A burguesia tem muitas faces, sempre teve. ‘A Luta de Classes em França’ é talvez o primeiro documento marxista onde essa multiplicidade aparece em primeiro plano, por sinal de forma muito mais caleidoscópica que a visão expressionista que recebemos do ‘Manifesto’. O triunfo da burguesia industrial é algo que não acontece completamente em parte nenhuma, mas mesmo assim só acontece desfasadamente (nos EUA, a burguesia industrial que extrai mais-valia através de trabalho assalariado triunfa na Guerra Civil sobre a burguesia agrária que extrai mais-valia através de plantações capitalistas que extrai mais-valia através de trabalho escravo, por exemplo (extração de mais-valia através de trabalho-escravo sendo algo que, segundo uma leitura não-histórica ‘O Capital’, seria uma contradição de termos), e que na Europa só se dá na sequência da Crise de Crédito de 1873 que origina a dita “Longa Depressão”.

O entendimento de que a luta de classes é múltipla e de que a solidariedade de classe da burguesia consegue ser tão quebradiça quanto a que vemos no proletariado permite-nos entender a evolução do capitalismo em que, sem que haja uma alteração profunda da classe dominante, diferentes burguesias ascendem e diferentes formas de exploração são incentivadas e resistidas, e diferentes segmentos do proletariado são projectados para condições de desumanização ou, em condições positivas de luta de classes, reagem e debilitam os capitalistas responsáveis pela sua exploração, permitem a ascensão de outros capitalistas. As grandes concentrações de capital industrial da era de ouro do capitalismo ocidental (1945-1970~) jazem em ruínas e, se muitas vezes foram vencidas e substituídas por outras numa deslocação geográfica de concentração alimentada pela deslocação de capital para outras fixações geográficas (a China principalmente), a verdade é que a muitas dessas deslocações de capital não correspondeu uma vitória do capitalismo industrial dum qualquer outro país, mas sim a ascensão dum qualquer outro segmento da burguesia.

A ascensão do neoliberalismo - com a sua filosofia sidekick, o pós-modernismo - é apenas o triunfo da burguesia financeira, associada naturalmente à mais veloz das formas que o capital é capaz de assumir, a saber o capital em bolsa de valores, capaz de estar em movimento literalmente à velocidade da luz por fibra óptica. O trabalho assalariado continua potente, mas é perigoso, talvez mesmo errado, afirmar que este continua a ser a forma dominante de extracção de mais valia praticado pelo segmento hegemónico da burguesia. Com a capacidade de movimentar capital a velocidades meteóricas e, com isso, de controlar o acesso ao crédito, empréstimos, necessários para manter em activo todos os investimentos de capital fixo em fábricas, plantações, poços, etc, o capital financeiro é capaz de ditar as suas leis ao capital industrial. Entre outras, fá-lo reduzindo a margem de lucro realizado ao nível no ponto de produção de mercadorias (ou seja, reduzindo a taxa de lucro que o capitalista industrial é capaz de captar/roubar ao operariado fabril), e transportando essa margem para um qualquer outro ponto de realização. Mas qual?

Antes de responder é preciso recordar algo crucial: o marxismo permite-nos entender que o verdadeiro valor, uma vez dissipado o fetichismo da mercadoria, uma vez reduzidos a nada os fantasmas do mérito e do capital, é produzido por quem trabalha. Mas a lógica interna do capitalismo não opera nessa lógica: se o valor é, segundo a definição do Capital, “tempo de trabalho socialmente necessário”, e, dada o desenvolvimento desigual que vigora no globo - desigual em termos de investimento de capital fixo, de aparato legal, de superestrutura -, então o trabalho rende mais, ou menos, conforme a sua localização e conforme o capital investido nos meios de produção a que é aplicado.

Por outras palavras, a soma do valor duma mercadoria produzida é, objectivamente - uma vez operada a desmistificação que o marxismo nos permite -, a soma de todo o trabalho que nela entrou, quer directamente enquanto força de trabalho quer trabalho anterior, congelado em modos de produção e recursos, incluindo os recursos arrancados à natureza, nunca gratuitamente, e o trabalho de reprodução social, maioritariamente encetado por mulheres, e quase nunca pago. Mas o modo de produção capitalista só é capaz de acumular porque ofusca inúmeros pontos desse circuito: uns paga-os abaixo do seu verdadeiro valor (como o trabalho assalariado), outros simplesmente passa em falso e nem sequer reconhece a sua função no ciclo de produção (como o trabalho reprodutivo feminino e a exploração de recursos naturais). Dessas invisibilizações nasce a mais-valia. Do roubo e acumulação da mais-valia nasce o Capital.

Para a discussão em curso o que importa perceber é que a distribuição de cada elemento desse ciclo não depende apenas do investimento em capital fixo etc, mas tanto - ou mais até - do avanço ou recuo da luta de classes em cada instância ou poiso que o capital faça ao longo do percurso. Historicamente, não houve momentos mais consequentes na luta de classes do que a derrota desferida contra o sexo feminino com a instauração da família, e a derrota história encetada pela burguesia europeia contra as populações africanas, americanas, e do Sudeste asiático. Tanto numa como noutra, os homens num lado, a burguesia no outro, ainda não pararam de ganhar.

Dito isso, como todas as lutas de classe, é um conflito constante e com resultados desiguais conforme todas as condições que tornam a vida humana variegada e indeterminada. Uma das consequências dessa luta de classes é que a burguesia teve de ceder em vários pontos, e conceder fatias maiores da mais-valia roubada a populações - normalmente, a populações que lhe estavam mais geograficamente próximas e lhe eram mais perigosas fisicamente. A progressiva melhoria das condições salariais no Primeiro Mundo face ao terceiro mundo, pelo menos em termos meramente de volume salarial (algo não despiciendo numa economia globalizada, foi compensada pelo acréscimo na exploração do Terceiro Mundo. É certo que pintar isto meramente como uma função da resistência ocidental seria naif: tão ou mais importante é necessidade da burguesia de gerar um mercado de escoamento de produtos capaz de comprar e consumir e, lá está, realizar o capital investido e transformá-lo em mais-valia.

Uma das consequências pertinentes é que esta alteração do volume de mais-valia devolvida nas diversas paragens leva também a um incentivo à alteração nas formas de exploração. É certo que o modelo de trabalho assalariado não perde totalmente a relevância uma vez abandonado o ponto de produção industrial, já que portos, grandes armazéns, etc, continuam a ser eminentemente importantes para a circulação de mercadorias, e todos eles postulam um grande investimento de capital (se bem que não tanto quanto o fabril, o que permite a burguesia mercantil, aliada à burguesia financeira contra a burguesia industrial, estando esta cada vez mais capturada por elementos nativos que pertencem a países contra os quais está em jogo uma guerra não só comercial mas também imperial pelo controlo dos pontos de realização de mais-valia). Mas uma vez realizadas as grandes viagens transoceânicas, e chegado ao ponto de venda e de distribuição, o investimento em grande capital torna-se progressivamente menos importante.

Pertence ao génio da burguesia comercial ocidental a intuição de que a sua aliança com a burguesia financeira poderia permitir mais uma derrota sobre a classe trabalhadora através da exteriorização dos custos da distribuição (ou seja, fazendo a classe da trabalhadora dona dos seus próprios meios de produção, como carros, bicicletas, bancas de venda, etc, até mesmo casas com serviços de call-center em outsource, um padrão que a pandemia acentuou, com rendas, despesas e investimento de capital anteriormente custeados pelas empresas, agora cada vez mais custeados pelos próprios trabalhadores a partir da sua própria casa). Conseguiu isto através da abertura de linhas de crédito à classe proletária, subsidiado directamente pelas ruinas do estado social (Lucí Cavallero & Verónica Gago 2021). Curiosamente, isto traz-nos a um ponto enigmático, pois segundo o esquematismo marxista, a posse de meios de produção deveria servir para a distinção entre burguesia e proletariado. Mas o que vemos surgir - ou seja, a forma de exploração apropriada a uma época de domínio do capitalismo comercial - não é uma pequena-burguesia “das aplicações” (UberEats, Glovo, etc), mas sim algo diferente, que somos capazes de entender apenas se entendermos a lógica da coexistência de várias formas de exploração. A classe dominante tem todo o interesse em ofuscar esta alteração, e dissimula este processo com o papel celofane do esquematismo marxista: se detém meios de produção é capitalista, ou melhor, no lingo, é “empreendedor”. Claro que, se isto foi planeado, não há qualquer ilusão sobre a possibilidade de ascensão de classe porque, nesta nova classe, o acesso aos meios de produção não é total ou imediato mas sim mediado pelo mecanismo da dívida e a ameaçada permanente do incumprimento da dívida e subsequente expropriação.

Curiosamente, essa situação tem ecos que a aproximam ao decorrer dos acontecimentos no colapso das relações feudais narrado nos últimos capítulos do Capital, onde o suposto triunfo do campesinato na senda da Peste Negra levou a uma captura das terras previamente detidas em relações feudais e permitiu que estas fossem trabalhadas a título privado e para lucro próprio, mediante pagamento de rendas, mas isso teve como consequência, dado que o valor das rendas era controlável pelos detentores originais, a expropriação de vastas camadas do campesinato e a expulsão das suas terras.

Regressando à análise inicial da maneira como modos de produção e formas de exploração se enredam, o que vemos é que o modo de produção dominante, subordinado à acumulação de capital através da extracção de mais-valia - o capitalismo - não tende, ao contrário do que seria de pensar se lermos o volume 1 do Capital como uma história sequencial de todo o capitalismo, em vez de como um ângulo oblíquo sobre o processo interno do capitalismo inglês. Walter Johnson (Capitalism and Slavery 2004) comete este erro explicitamente, pensando que denunciava Marx por começar com “casacos de linho” (o exemplo tipo d’O Capital) em vez de com algodão, a exportação por excelência das plantações esclavagistas. Mas, mais do que meramente presentes, as plantações movidas a trabalho escravo ocupam um papel central no pensamento de Marx sobre o capitalismo, desde pelo menos 1847, onde, em A Pobreza da Filosofia, relata como “A escravatura directa é um eixo da indústria burguesa tanto quanto o são a maquinaria, o crédito, etc. Sem escravatura não há algodão; sem algodão não há indústria moderna. É a escravatura que deu às colónias o valor que estas têm; foram as colónias que geraram o comércio global, e é o comércio global que é a pré-condição da indústria em larga-escala. Daqui se conclui que a escravatura é uma categoria económica da maior importância.”

É dúbio que tenham sido as colónias a “gerar o comércio global” (cf Banaji 2019), mas tudo o resto aponta na direcção correcta: num modo de produção podem coexistir várias formas de produção em homeostase, não é como se as plantações tivessem de ser abolidas para “libertar as forças produtivas” - antes as plantações foram abolidas devido à luta de classes levada a cabo por inúmeros escravos e escravas, não só no Haiti mas também na América Latina e nas plantações do Sul dos EUA. É errado atribuir o fim da escravatura apenas ao desenvolvimento interno do capitalismo. Por muito que houvesse segmentos da burguesia, nomeadamente a burguesia industrial, que tinha interesse em superar a burguesia das plantações esclavagistas e superá-las (fazendo com isso impor o seu modelo de exploração com base no trabalho assalariado), esse argumento concede à burguesia uma omnipotência de que ela carece e uma sagacidade de que nunca foi portadora. As contradições do capital são inúmeras, inúmeros são também os pontos de ruptura possíveis, e inúmeras são as possibilidades de resistência. Uma política revolucionária nada ganha em magnificar o inimigo a ponto de lhe reconhecer capacidades sobrehumanas de subverter toda a resistência.

A conclusão que se impõe é que a luta de classes (se é que merece ser assim chamada) levada a cabo no seio da própria burguesia é simultaneamente um lugar de disputa quer um lugar de agravamento da exploração da classe trabalhadora. A competição entre burgueses é sempre feita com vista a enfraquecer um lado, mas nunca em benefício de quem é explorado, e, embora essa fraqueza possa ser aproveitada, urge não esquecer que ela só existe com o fim de acentuar a exploração e a expropriação de mais-valia o mais possível, mesmo se essa expropriação for levada a cabo noutro ponto do circuito de produção e realização de valor.

A outra conclusão é que a relação de trabalho assalariado com capitalismo é, no mínimo, ténue. Não vai acabar enquanto houver necessidade de fábricas e de grande aplicação de força de trabalho, mas não há nenhuma contradição em termos, e certamente nada de emancipador ou progressista, num mundo onde a geração de valor deixou de acontecer principalmente ao nível da produção, já que as fábricas foram automatizadas etc, e onde passou a ser feita noutros pontos do circuito, como a distribuição. Por ora a desigualdade premente entre primeiro e terceiro mundo salvaguardam o capitalismo duma evolução plena nesse sentido, mas a transformação em curso na China há pelo menos uma década  de uma economia de mão-de-obra intensiva numa economia de capital intensivo augura (por muito que uma parcela significativa do trabalho esteja a ser movido para países adjacentes como o Bangladesh) a possibilidade de um mundo onde o sector industrial decresça para níveis inauditos desta o brotar da revolução industrial. Ninguém deve crer que isso acarretaria consigo um aliviar da exploração ou da apropriação de mão-de-obra. Mas uma política de socialismo revolucionário deve estar pronta para largar o fetichismo do obreirismo e entender que à capacidade de adaptação do capital deve responder uma capacidade de crítica interna desse mesmo capital com vista a identificar os seus pontos de contradição, de crise, e de ruptura. ☭

28/11/2021

"The real emancipation of women, real communism..." (Lenin)

Vladimir Lenin (1919) A Great Beginning: Heroism of the Workers in the Rear

Take the position of women. In this field, not a single democratic party in the world, not even in the most advanced bourgeois republic, has done in decades so much as a hundredth part of what we did in our very first year in power. We really razed to the ground the infamous laws placing women in a position of inequality, restricting divorce and surrounding it with disgusting formalities, denying recognition to children born out of wedlock, enforcing a search for their fathers, etc., laws numerous survivals of which, to the shame of the bourgeoisie and of capitalism, are to be found in all civilised countries. We have a thousand times the right to be proud of what we have done in this field. But the more thoroughly we have cleared the ground of the lumber of the old, bourgeois laws and institutions, the clearer it is to us that we have only cleared the ground to build on but are not yet building.

Notwithstanding all the laws emancipating woman, she continues to be a domestic slave, because petty housework crushes, strangles, stultifies and degrades her, chains her to the kitchen and the nursery, and she wastes her labour on barbarously unproductive, petty, nerve-racking, stultifying and crushing drudgery. The real emancipation of women, real communism, will begin only where and when an all-out struggle begins (led by the proletariat wielding the state power) against this petty housekeeping, or rather when its wholesale transformation into a large-scale socialist economy begins.

Do we in practice pay sufficient attention to this question, which in theory every Communist considers indisputable? Of course not. Do we take proper care of the shoots of communism which already exist in this sphere? Again the answer is no. Public catering establishments, nurseries, kindergartens -- here we have examples of these shoots, here we have the simple, everyday means, involving nothing pompous, grandiloquent or ceremonial, which can really emancipate women, really lessen and abolish their inequality with men as regards their role in social production and public life. These means are not new, they (like all the material prerequisites for socialism) were created by large-scale capitalism. But under capitalism they remained, first, a rarity, and secondly—which is particularly important —either profitmaking enterprises, with all the worst features of speculation, profiteering, cheating and fraud, or "acrobatics of bourgeois charity", which the best workers rightly hated and despised.


There is no doubt that the number of these institutions in our country has increased enormously and that they are beginning to change in character. There is no doubt that we have far more organising talent among the working and peasant women than we are aware of, that we have far more people than we know of who can organise practical work, with the co-operation of large numbers of workers and of still larger numbers of consumers, without that abundance of talk, fuss, squabbling and chatter about plans, systems, etc., with which our big-headed "intellectuals” or half-baked "Communists” are "affected". But we do not nurse these shoots of the new as we should.

Look at the bourgeoisie. How very well they know how to advertise what they need! See how millions of copies of their newspapers extol what the capitalists regard as "model” enterprises, and how "model” bourgeois institutions are made an object of national pride! Our press does not take the trouble, or hardly ever, to describe the best catering establishments or nurseries, in order, by daily insistence, to get some of them turned into models of their kind. It does not give them enough publicity, does not describe in detail the saving in human labour, the conveniences for the consumer, the economy of products, the emancipation of women from domestic slavery, the improvement in sanitary conditions, that can be achieved with exemplary communist work and extended to the whole of society, to all working people.

08/07/2021

capitalismo

दानं भोगो नाशस्तिस्रो गतयो भवन्ति वित्तस्य

यो न ददाति न भुङ्क्ते तस्य तृतीय गतिर्भवति

Nītišataka 34

02/07/2021

der Weg der Verzweiflung

Indem es aber unmittelbar sich vielmehr für das reale Wissen hält, so hat dieser Weg für es negative Bedeutung, und ihm gilt das vielmehr für Verlust seiner selbst, was die Realisierung des Begriffs ist; denn es verliest auf diesem Wege seine Wahrheit. Er kann deswegen als der Weg des Zweifels angesehen werden, oder eigentlicher als Weg der Verzweiflung.

                                    Hegel, Phänomenologie § 78

27/03/2021

do tanto que obras há coisas que escapam
(o mais na verdade) metidas nos nervos, por entre
as soqueiras, nos seres que se esganam, que cravam,
que pilham, e tu, que o sabes, não galgas o dia, e luz-te
uma cor destroçada, quebrada, ou clara
pra não poderes ver: à sombra da qual noite fora
tu cavas e traças e plantas na terra
e não hás-de comer. mas sabes pra quem?
pra quem é que colhes, pra quem é que tremes,
quem há-de roer? vermelha é a terra, vermelho
é o som, que moldas que fundes, mas sim, sem saber,
se espalha e desliza, raiz ou um fungo que raia
e desmaias ao veres onde vai e saberes que não chega
onde hás-de parar. então não desistes? não furas
a mão, não largas quem espreme a terra que afunda,
o pão que de tanto correr e de tanto comer e de tanto
quebrar fica duro, e já se não deixa sagrar?

13/03/2021

Hegel, Kojève, and the Irruption of History in a Colonial World


On Tyranny (1948) is a text that purports to be a series of back-and-forth commentaries on Xenophon's Hiero between Alexander Kojève (1902-1968) and Leo Strauss (1899-1973) apropos the idea of Power and of Wisdom. While Strauss is concerned with the fact that philosophers might be risking their lives to emperiled rulers if they claim to hold absolute wisdom, and so tries to build a political philosophy of deception and irony, Kojève reflects on what the political consequences might be if Absolute wisdom does exist in the world and can be attained by a human community.

This is a vaguely Hegelian conundrum, and in fact something that's operative throughout is the Hegelian stand that recognition (pushed to an extreme in his Lectures on Hegel) is not only a democratic position for egalitarianism as the only stand that can enable universal recognition, but also the position that enables a global participation in wisdom. In other words, universal recognition means that, once you've reached a uniform stand of human dignity (a "world empire", as he calls it), where no aristocratic notions of difference are valid, then all you're left, after the task of emancipation is done, is "the administration of things".

This connects to a short book of his called The Notion of Authority, which is supposed to be a sort of structuralist approach to Authority. There he states that authority is always one of four types, or combinations thereof: That of the Leader (someone who has a plan for the future and appears as one who will bring the community in a specific direction), that of the Master (someone who exerts power in the now, through the state apparatus); that of the Judge (who judges by taking into account trans-temporal or even eternal laws or principles), and that of the Father (standing for the traditional authority of the past reaching into the present).

He goes on to say that the specific feature of Modernity is to reject the authority of the Father as a valid basis for authority. The collapse of the patriarchal idea of authority led to the removal of the concept of History and "Past" from the sphere of politics. This creates an unsolvable tension, inasmuch as it removed the possibility of solving conflict (and specifically class conflict) through the apppeal to an idea of a shared community reaching back into the ancestral past.

In other words, if we have no shared past, then all we have is the present state of affairs in its brutality (Master), enforced by the state and its violence, where every political project (Leader) is unmasked as the political project not of the whole community but only as that of a specific segment, and the universal law (Judge) appearing as a constant light shining on the disparity between the professed ideals of liberalism and the brutal reality (its only role, now that the philosophical foundations of Common Law and of Precedent, being based on History, have been wrecked). In conclusion, the collapse of History makes class struggle the only possible resolution of conflict, if a specific class should become a class unto itself and set forth a revolutionary praxis (Leader) to fight the current state of affairs (Master) in order to achieve the promise of universal Law (Judge).

I think that's a fair conclusion and a way to spin him against the reactionary metabolism of End-of-History closed circuits, but there's something else we might add. There is a tension inherent in the end of patriarchal authority and the present state of affairs which makes the present situation even more unstable. Modernity collapsed the idea of inherited power, and then proceeded to freeze things in time as they were at that particular instant in History. This is the wide-ranging project of the Bourgeoisie in the revolutionary and post-revolutionary period, and one of the ways Hegel was right in talking about the End of History. He was right, if we assume the point of view of the bourgeoisie, because the plan of the bourgeoisie was precisely to ommit the intrinsically historical reasons through which it was able to turn itself into the universal subject.

These are, of course and above all, primitive accumulation through slavery, enclosures, expropriations, witch-hunts, colonialism etc. The place of the bourgeoisie is historical inasmuch as it freezes in time a specific moment of world history, that of European and Western Modernity and its hegemony. As soon as the bourgeoisie is in /through/ History, it tries to close the door behind itself /to/ History and proclaim its own atemporal universality. Of course this is nonsense and totally unfeasible. It brings to mind the postwar consensus around nuclear weapons: As if the world would tolerate forever that (say) Britain would forever have access to nukes while Brazil or Iran wouldn't.

When you understand that, you also understand that the authority of the patriarchs that granted you this power (the Founding Fathers, the slave-traders, the colonial viceroys) /still holds/, it is still operative, and it is through it that you get to be where you are, specifically in what concerns the racial and international division of labour (but also in the sexual division of labour, through a lenghtier argument that would question the real assumption of women as universal subjects under capitalism). The sustenance of the stable end-state of the Last Man is assured only through the shrugging off of the way the Global North is sustained by a constant actualization of History in its bad infinity, as it is sustained by a vibrant neo-colonialism generating Western economic dominance. This imperial dominance in turn allows for the distribution of spoils that can ensure the labour-aristocratic way of life that's common to the (colonizing) populations of the West on the backs of both internal and external colonies, whose very existente as colonies is decreed by historical defeats, just like Hegel mentioned in the Phenomenology.

From here we conclude what was obvious anyway: that if the abolition of patriarchal authority was a complete farce, then what remains is yet another gap in the construction of the universal state, the end of History, and the "administration of things" above and beyond class struggle. The historical defeat of the conscience as portrayed in the master-slave dialectic was not yet completed, in fact it is far from completed. The way Hegel framed it was as if one had defeated the other and that they had turned, respectively, into master and slave, and that through a pattern of recognition the slave would have emancipated him or herself and would have made the previous master irrelevant.

What is missing is the fact that the master is still there, and he still holds the whip and the gunboat, the debt and the interest. If you want to complete the dialectic you have to enter into a logic of mutual recognition and reciprocity, yes, but you still have to defeat the master before you do that. We're back to class struggle (especially from an anti-colonial, anti-imperial, anti-racist point of view, though not exclusively that), from where we'd never left.

05/03/2021

Karl Marx

Quin Augusti aetas huic dissimilis sit, nemo dubitare potest, nam ejus imperium clementia insigne est, cum Romani, quamvis omnis libertas, omnis etiam libertatis species evanuerat, jussis principis instituta legesque mutare valentibus omnibusque honoribus, quos prius tribuni plebis, censores, consules habuerant, tum ab uno viro occupatis, tamen putarent, se regnare, imperatorem tantum aliud nomen dignitatibus, quas prius tribuni aut consules tenuissent, neque libertatem sibi dereptam viderent. Hoc vero magnum clementiae argumentum, si cives dubitare possunt, quis princeps sit, an ipsi regnent, an regnentur.

Karl Marx (1835). Examinatio Maturitatis. Trad minha.

Ninguém poderia duvidar que a época de Augusto tenha sido bastante diferente desta [sc da do Neto], já que, nessa época, o poder torna-se famoso pela sua clemência. É verdade que toda a liberdade, aliás toda a aparência de liberdade desapareceu, que todas as instituições e leis podiam ser alteradas pela vontade do soberano, que aparece como um só homem dotado de todos os cargos que previamente tinham sido ocupados pelos tribunos da plebe, pelos censores, ou pelos cônsules. Contudo, os Romanos podiam julgar que eram eles quem mandava, e que a palavra 'imperador' não passava de uma forma de nomear aquelas honras que antes calhavam aos tribunos ou aos cônsules, sem com isso verem que a liberdade lhes tinha sido arrancada. Este é o maior argumento em favor da clemência, se os cidadãos podem estar em dúvida sobre quem é que é o soberano, sobre se eles próprios mandam ou se mandam neles.

14/01/2021

perguntas

que momento é este? quem são os teus amigos? e a tua posição? o que está a acabar, e o que é que está a vir?

quem sou eu e qual é a minha força? questiona-te assim, sempre e sem cessar.


Pañcatantra 1.320. Trad minha, sânscrito.


क कालः कानि मित्राणि कः देशः व्ययागमौ ।

कः च अहं का च मे शाव्तिः इति चिन्तं मुहुः मुहुः ॥